“É melhor ir a uma casa onde há
luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos
devem levar isso a sério!”
Eclesiastes 7:2 (NVI)
Ah! Dona Morte! De tempos em tempos temos nossos relances
sutis, e destes inálogos (neologismo para um diálogo interno em mim mesmo)
vamos aprendendo sobre a intervenção de Deus nos soberbos planos humanos. Já
faz algum tempo que não dialogamos (referência aos artigos “em diálogos com a
morte” e “palavras antes do adeus” – escritos pelo mesmo autor), nem por isto
não deixamos de nos encontra por ai em várias ocasiões fúnebres. Momentos estes
que se misturaram com silêncios, choros e desesperança – coisas de gente humana
que ainda não aprendeu sobre a brevidade da existência. Momentos estes que
comprovaram nossas vulnerabilidades – coisas de gente humana que ainda não
aprendeu a “largar” os remos da nau chamada vida. Momentos estes que emudecem
nossas teologias – coisas de gente que ainda não aprendeu que nem tudo precisa
ser explicado, apenas vivido. Nestes momentos fico a tentar te entender, tentando
perscrutar suas reais intenções e (des)serviços.
Há alguns dias, especificamente no dia 13 de Março de
2014, você (morte) se encontrou com um bom velhinho (não o mitológico natalino
avermelhado), e deste soluço assombroso nos deixou a velar o Floripes Soares
Maia – Pr. Maia – ou como chamávamos, sr. Frederiksen, por causa das semelhanças
com o velhinho na animação “Up! Altas Aventuras” produzido pelos Estúdios Pixar
em 2009. Pouco antes, especificamente no dia 31 de Janeiro de 2014, você (morte)
já tinha deixado seu rastro quando se encontrou com o Clói Marques Pereira –
Pr. Clói – um simples pastor que sem estapafúrdicos espetáculos disseminou
missões pelo cerrado goianiense. Dois homens que Deus resolveu emancipar para
Si – o termo emancipação tem sua origem etimológica no latim mancipium que significa “aquele que toma
em suas mãos”. Aqui, percebi que você (morte) agiu como uma resgatadora,
conduzindo para junto do Criador os Seus amigos preciosos. E, então, por mais
que possa talvez soar entranho, parece que Deus usou a você (morte) para quitar
a saudade que nEle havia – obviamente que Deus é um ser completo e suficiente
em Si mesmo, mas acredito ser oportuno valer-se de uma leitura antropopática,
ou seja, atribuir sentimentos humanos a Deus.
Pr. Maia – deixa saudades imensas em minha vida pastoril,
marcas que levarei até o dia de meu encontro com a morte, pois dentre tantas
lembranças fica duas latentes. Primeiro, por ter sido meu professor no
Seminário Betel Brasileiro (2000-2003), oficio que o fez com profunda
dedicação, esmero e comprometimento. E, segundo, o fato de ele ter sido quem apresentou,
voluntariamente, disposição e disponibilidade para organizar a minha sabatina/ordenação
pastoral, que aconteceu no dia 29 de Setembro de 2007. Um “velhinho” que com
trejeitos Batista enraizado no seu caráter ousou romper as barreiras
denominacionais e escolheu expandir o Reino. Situação que na época fora de
grande estranheza por conta do seu estilo sistemático e conservador. Surgia a
então novel igreja denominada “Comunidade da Fé – Igreja Cristã”. Ele fez algo
que nunca me esquecerei, ao invés de convidar apenas pastores Batistas para a
sabatina e ordenação, optou em popularizar, convidou pastores de várias
denominações, ensinando, mesmo que sem falar, que o Reino é maior que nossas
aspirações denominacionais – ser pastor não é servir uma igreja é servir a
Igreja. Por isto, mesmo que a morte tenha conduzido o Pr. Maia para junto do
Mestre, sei que um pouco deste bom velhinho ficou artisticamente pintado em
minha vida.
Pr. Clói – detentor de inquietadoras lembranças
eclesiásticas. Foi através dele que boa parte das igrejas no centro-oeste
brasileiro teve contato com uma missiologia profundamente bíblica. A capacidade
dele de ensinar missões era inspiradora, reveladora e impulsionadora –
igualmente ao Pr. Maia, Pr. Clói também fora meu professor no Seminário. Ainda
me lembro, lá pelos idos da década de 90, quando ele foi pregar numa
conferência missionária na igreja que eu congregava e foi neste dia que entendi
que minha jornada existencial seria norteada por uma Teologia Bíblica de
Missões. Fui à frente naquele dia e me comprometi a ofertar minha história para
o Reino, de lá para cá tenho tentado fazer isto, o que fez surgir
posteriormente a “Missão Tocando as Nações” (2004) – e lá estava ele outra vez,
ensinando sobre missões. Por isto, mesmo que a morte abruptamente tenha, gentilmente,
conduzindo o Pr. Clói para junto do Enviador da Missio Dei, sei que ainda vive um pouco dele no meu cotidiano.
Ah! Dona Morte! Desta vez você enobreceu nossas tristezas
fúnebres, tornando a saudade algo digno de ser lembrado e vivido. E esta é,
então, minha singela homenagem póstuma a estas duas pessoas (Maia e Clói) que
foram emancipados por Deus pela morte, deixando o elixir da vida em meu
caminho (e de tantos outros). Hoje sei que vocês foram “Che Pegue Anuê” (transliteração livre de um cumprimento indígena do
Tupi-Guarani que significa afetivamente “pedaço meu”).
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 20 de Março de 2014