segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não quero meu culto fúnebre


“...o homem está destinado a morrer uma só vez...”
Hebreus 9:27 (NVI)

Aqui estamos outra vez, em diálogos com a Dona Morte – referência aos artigos do mesmo autor, intitulados: “em diálogos com a morte”, “palavras antes do adeus”, “morte, uma emancipação de Deus” (disponíveis no blog: seabravinicius.blogspot.com.br). Contudo, desta vez vamos voltar as nossas conversas iniciais e discorrer sobre nosso fúnebre encontro, que num fatídico dia se dará. E, como a morte só visita a mesma pessoa apenas uma vez em toda a vida, não havendo possibilidades de reencontro com a morte, então, quero valer-me das linhas que se seguem para conversarmos sobre o meu culto fúnebre – faço isto não por desejar a morte, mas sim por não saber em que dia vou morrer, então prefiro me antecipar, já que não será possível escrever sobre isto depois do nosso espantoso encontro.

A primeira observação que julgo relevante é mudar o nome do referido evento, nunca gostei do termo “culto fúnebre”. Culto não é digno para a Dona Morte, nem a mim, nem a minha desafortunada vida e nem aos nobres sobreviventes que choram. Culto não se confabula com a tristeza da morte – talvez por esta razão tanta gente hoje em dia não mais quer ir a igreja assistir um culto, pois já não se sabe se é fúnebre ou de celebração dominical, às vezes, ambos se parecem tanto. E ainda é válido questionar o termo usado anteriormente, assistir, pois oferecer culto é por definição incompatível com a confortável redoma de espectador. Não é possível assistir culto, nem fazer culto, ainda mais fúnebre. Culto só é possível quando a vida dos envolvidos extrapola a cerimônia e converge toda a história dos envolvidos para fins de glorificar ao Carpinteiro. Então, não quero meu culto fúnebre, apenas quero ser enterrado (encerrado). Afinal, a morte não é o fim, é uma pequena pausa de descanso rumo à eternidade.

Não quero meu culto fúnebre, porém como devo estar morto na ocasião, provavelmente meus familiares vão querem fazer tal aglomerado, e não tem como eu reclamar ou exigir nada, pois para todos os efeitos vou estar morto. Então, se os viventes insistem em fazer o meu culto fúnebre vou descrever algumas coisas que não toleraria nem morto, a saber: não quero que pastores discursem, pois esta pavonice de pastores amantes de microfones e plateias só ficam a narrar discursos decorados de textos bíblicos e frases de efeito (clichês). Falam as mesmas coisas quer seja no velório de um traficante ou num velório de um ativista social. Este tipo de discurso mecânico, impessoal e decorativo, dispenso do meu culto fúnebre. Quero que meus amigos de caminhada falem, que minha família tomem a homilia, que gente que me conhece de verdade façam os discursos.

Outra observação que julgo relevante para nosso glorian day, Dona Morte, é que não demore muito a me enterrar, pois passados alguns poucos minutos de velório, as pessoas começam a fazer grupinhos de conversa e esquecem que estão juntos para consolar os que ficam. Desta demora de ao pó retornar descortina a insensibilidade dos presentes que facilmente começam a contar histórias diversas, escambam a rirem e inevitavelmente vão fofocar, entre outras tantas ações que se visto numa foto seria tipo uns poucos chorando em volta do caixão e todo o restante esperando acabar a cerimônia para voltar a suas atarefadas rotinas. Nada mais ilógico/imprudente que reunir gente que não sabe chorar, entristecer ou sensibilizar-se para tal momento. Se querem fazer culto fúnebre que, então, estejam dispostos sentirem (solidarizarem-se).

Por fim, Dona Morte, se ainda sim insistirem em fazerem meu culto fúnebre quero deixar registrado aqui uma última sugestão. Que não seja feito dentro de uma igreja, não gostaria que as pessoas presentes associassem um lugar de vida com a referida cerimônia de morte. Que seja feito ao ar livre, mesmo que no próprio cemitério, acredito que esta reconexão com a natureza é terapêutico para os que permanecem vivos. Ouvir pássaros cantando, sentir o toque suave do vento, perceber a singeleza das árvores é reconfortante aos que tiveram perdas – este seria um culto silencioso, escutado apenas por Aquele que escuta corações. A ideia é boa, pois, iniciamos nossas vidas entranhados com a natureza (Jardim do Éden) e o Criador, nada melhor que encerra-la ali mesmo.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 16 de Agosto de 2014

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Aos que reconhecem a própria dor


“Disse o Senhor: De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, e também tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo”.
Êxodo 3:7 (NVI)

Há uma frase que comumente é atribuída a William Shakespeare, em que afirma: “todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”. Sendo assim, há dores que insistem em nos perseguir por anos a fio, outras tantas parece transporem a linha temporal da vida. Discursar acerca da dor do outro não faz sentido, pois não é sentido (trocadilho linguístico proposital). Dor, tristeza, angustia, decepção, frustração, silêncio, sofrimento, e outros desafortunados distintivos assolam a humanidade desde os primórdios. Estranhamente, a igreja fez destas desventuras algo demoníaco, o que só favorece a desilusão e a desesperança daqueles que tem suas histórias manchadas por vazios. Não precisamos ter respostas para tudo, nem carece de transferir responsabilidades aos seres espirituais, tentando dar explicações simplistas a cousas complexas, tipo clichês igrejeiros. O que precisamos é aprender a escutar o agir silencioso do Carpinteiro.

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto o sabe mui bem a mãe que sofreu um aborto espontâneo, perdendo seu filho(a) ainda informe no ventre. Esta, agora, entende que para amar não precisa conviver muito tempo com, não há necessidade de conhecer muito sobre, não carece de grandes momentos para, esta desafortunada, enfim, descobre que amar é um dom que aflige os que são tomados de tamanha virtude. Esta foi mãe, mesmo nunca tendo visto seu filho(a), e ser mãe não se conjuga com o estado passado, ou seja, é impossível ser ex-mãe. E está é uma dor que torna-se indivisível consigo mesma. A única, e suficiente alegria, que pode sobrepor tamanho vazio é a certeza axiomática de que pelos breves dias de existência, ainda no ventre materno, este pequeno ser, desfrutou da maior grandeza dada aos mortais, ser desenhado de forma admirável pelo o Autor da Vida, e saber então que: “os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir” – Sl. 139:16 (NVI).

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto o sabe mui bem aqueles pais que tem que enterrar seus filhos. A lógica da vida é que filhos enterrem pais, não o contrário. Para estes a dor da perda soa como a interrupção de uma jornada com infindáveis possibilidades, que agora não passam de tristes lembranças do que se perdeu. Tristeza que assola os rincões mais distantes dentro do coração. Para estes pais, órfãos de filhos, a morte não é mais um tragédia absurda, mas sim um encontro desejável, crendo que além dos limiares da vida poderão reencontrar com a prole que se foi e, então, novamente abraçar, acariciar, conversar, debruçar, afagar, completando-os novamente em suas histórias eternas. O consolo para os tais parte do pressuposto que Deus (Pai) sabe o que é amar um Filho (Jesus), e então: “que o próprio Senhor Jesus Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e boa esperança pela graça, dê ânimo aos seus corações e os fortaleça...” - 2 Ts. 2:16-17 (NVI).

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto o sabe mui bem aqueles que foram assombrados pelo desaparecimento de um(a) filho(a). Diferente do caso exposto no parágrafo anterior, agora estes convivem com a perturbadora dúvida da vida ou morte. Para estes as noites nunca mais significarão descanso, jamais serão de sonhos, não mais será possível sorrir como outrora. O desaparecimento de um ente querido não encerra a história, apenas a torna suspensa. Sendo assim a história subsequente não mais tem continuidade, tudo perde o valor. Nada mais tem significado real. A dor de não saber o que aconteceu (ou o que está acontecendo) é extremamente sufocante. Esta é a dor da impotência do que somos. Não longe dai, deste lugar de desconsolo pleno, ouve-se o sussurro do Carpinteiro que insiste: “venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. (...) vocês encontrarão descanso para as suas almas” – Mt. 11:28-29 (NVI).

“Todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente”, disto nós, agora, sabemos muito bem, pois sentimos dor.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 05 de Agosto de 2014