terça-feira, 28 de abril de 2015

Confiança


"O Senhor é o meu pastor; de nada terei falta".
Salmos 23:1 (NVI)

Ao longo dos anos várias palavras perderam o sentido, outras agregaram sinônimos que mais se parecem antônimos. Encabeçando a fileira das que perderam a definição tem-se o termo “confiança”. Entretanto, deste os tempos bíblicos tal termo é ensinado com ênfase essencial, especialmente para se ter um relacionamento com o Pastor Supremo. Davi entendia o significado do termo confiança. Antes de ser rei era um simples pastor e sabia que se as ovelhas não confiassem nele, elas, então, correriam sério risco de vida. Com essa visão de relacionamentos por confiança Davi escreveu vários salmos. O Salmo 23 fora um destes salmos de confiança. Contudo, se o referido Salmo fosse escrito hoje provavelmente a ilustração a ser utilizada não seria ovelhas. Afinal, quem, atualmente, gostaria de ser comparado a uma ovelha? Creio que pouquíssimas pessoas, pois a ovelha é um dos animais mais frágeis, fracos, fedidos e dependentes que existe. A idéia de relacionar essas características aos cristãos da pós-modernidade parece ser inadequado.

O discurso dominical pronunciado na contemporaneidade é aquele que afirma: “você pode tudo!”, “você é forte!”, “ninguém te vence!”, “você é um guerreiro!”, e tantas outras expressões que supervalorizam a força humana e, conseqüentemente, excluem a simples confiança no pastoreio de Deus. Por que Davi não preferiu se comparar a um lobo destemido, corajoso e ousado? A resposta é simples. Os lobos realmente são animais mais espertos e astutos, entre tanto entre lobos e pastores não há nenhuma relação de confiança. Só entre ovelhas e pastores é possível pronunciar: “Ele me faz repousar em pastos verdejantes; Ele me conduz mansamente a águas de repouso. Restaura minha alma; guia-me nas veredas da justiça...” (Sl. 23:2,3).

A ovelha recebe o cuidado e zelo do pastor, pois “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir os sábios; e Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes” (I Co. 1:27). Todavia, os lobos vivem solitários, vagando pelo mundo, pois não conseguem abandonar a própria força, coragem e intrepidez. Davi, agora como rei, se colocou na posição de uma simples ovelha que confia no cuidado do Pastor Supremo. A comparação não é feita com lobos, pois entre lobos e pastores não há confiança. Entre gente forte e pastores não há dependência. Entre pessoas corajosas e pastores não há confiança. O que somos? Lobos ou ovelhas? Isso determinará nossa relação com Deus, o grande Pastor (o único Pastor).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 13 de Setembro de 2007

domingo, 12 de abril de 2015

A quem tentamos enganar


“Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá”.
Gálatas 6:7 (NVI)

Tentamos enganar aqueles que sabemos que será enganado! Nossa vil natureza humana sabe trilhar na subjetividade da existência do outro, por esta razão ao intentar enganar os desatentos viajantes viramos os nossos olhos perversos sobre as frágeis vidas daqueles que facilmente se engabelarão no laço do passarinheiro. Engana-se a outrem, pois sabe-se que é possível enganar – esta é uma arte conceituadíssima e altamente admirada. É possível seduzir os errantes artistas da vida que ficam a contemplar as belezas da jornada. E estranhamente, é possível, e até mais fácil, ludibriar aqueles que tentam não ser enganados pelo “efeito manada”, isto é, aqueles que se acham inteligentes. Sendo assim, a melhor enganação é aquela que se apercebe sendo contra todo sistema, mas ironicamente, se enjaula nas cadeias dos trapaceiros intelectuais, que perversamente estão a enganar.

Tentamos enganar aqueles que querem ser enganados! A historicidade dos homo sapiens se desnuda altamente dialética, pois quase sempre o que dizemos não querer é exatamente o que queremos. Igualmente, nossas radicais defesas morais são na verdade fragilidades de caráter que queremos transparecer aos que sabemos querem ser enganados. Afirmar que alguém quer ser enganado parece ultrajante, mas na verdade é “libertador”. Até porque no mais absoluto fracasso, então, teremos a consciência limpa de que fizemos apenas aquilo que se esperava de nós. Sempre haverá pessoas malandras o suficiente para fingirem que não querem ser enganadas – na arte de enganar o primeiro passo é sempre da vítima que intencionalmente se prontifica a entrar no pelotão de fuzilamento como herói. Isto é necessário, pois para se enganar bem é preciso parecer que não se está enganando.

Tentamos enganar aqueles que são nossos amigos! Não é possível enganar a distância, é necessário proximidade. Para se enganar é preciso cativar, cultivar, sorrir – carece de ser amigo. A celebração do ato de enganar encontra no palco da amizade o cenário ideal para encenar o glorioso ato maior do teatro da vida: enganar com plateia. Isto não quer dizer que toda forma de amizade é intencionalmente manipuladora, porém é sensato ponderar que sendo “amigo” a enganação é mais facilmente impregnada, sem grandes contestações e com relativa satisfação. Amigos são confidentes, o que fornece ao amigo-inimigo todas as informações necessárias para criar os estratagemas manipulativos. Para enganar, sem ser percebido como enganador, é imprescindível amigar-se com.

Tentamos enganar aqueles que são superiores a nós! Enganar um subordinado não tem tanta relevância e beira a ignomínia, pois afinal engana-se para ser promovido, destacado, valorizado, aplaudido, admirado e elogiado. Por esta razão os mestres enganadores sempre se trejeitam de diversos personagens que se amoldam as corruptas intenções de elogiar os superiores com fins a serem promovidos. Para se enganar com precisão é imperativo que haja elogios frequentes aos caciques da tribo dos enganadores. Elogiar publicamente, exaustivamente e solenemente faz com que a enganação seja travestida de cordialidade, amizade, consideração, respeito, entre outros distintivos honrosos. Por esta razão engana-se, pois há distinção entre nós, dai precisamos de “pessoas modelos” – gente capaz de enganar e, ainda sim, ser admirada. Engana-se para parecer ser bom e ser engrandecido perante as mentes fracas dos que desejam cargos e títulos, ainda que estes mesmos jurem não gostar das ovações, sem nunca as dispensarem.

Tentamos enganar.... porque é isto quem somos! Não são os outros quem enganam, como se o estigma de enganação fosse uma mancha a ser detectada apenas nos outros, sendo um tipo de patologia diagnosticável apenas em terceiros. Lego engano de gente que vive a enganar-se... se há enganação, ali estamos nós... coparticipando, fomentando, instigando, fingindo, encenando e essencialmente enganando-se. Desde o jardim do Éden até a contemporaneidade somos (e queremos ser) seduzidos pela enganação do que somos. Na contemporaneidade atingimos um nível grandioso de normalização da enganação ao ponto de tal adjetivo ser parte estruturante de nossas vidas. Enganamos porque somos homens, por causa dos homens, para sermos homens (não gênero, mas sim humanidade). Enganamos a nós mesmos para que nos esqueçamos de nossa herança divina.

Tentamos enganar... porque sabemos que não enganaremos a Deus, mas... alguém precisa ser enganado, então! Ao longo da narrativa bíblica percebe-se Deus insistindo por meio dos diálogos que Ele não é homem (cf. Nm 23:19; I Sm 16:7). E por mais que sejamos criados a imagem e semelhança dEle, habita em nós, especialmente após o Jardim do Éden, uma deformidade chamada “enganador” (impostor, como gostava nomear Brennan Manning). Sabemos (?) que Deus nunca será iludido com nossas sutilizas enganadoras, pois Ele nos conhece melhor do que a nós mesmos (cf. Sl. 139) e não é possível zombar dEle com nossas disfarçadas dissimulações (cf. Gl. 6:7). Enfim, Deus está fora da nossa lista de enganados (em tese, tão somente em tese). Por esta razão, só nos resta enganador a todos outros, tantos quantos forem possíveis.

Tentamos enganar.... e é isto que denuncia o quanto estamos distantes do novo nascimento! É possível (e bem provável) sermos exímios lideres religiosos sem nunca termos encontrado o Salvador – aliás, ao que parece, quanto mais distante se está de Deus, mas as massas tendem a coroar os tais como lideres. É possível (e bem provável) sermos referenciais em nossas comunidades locais sem nunca termos abandonado o velho homem – aliás, ao que parece, isto até parece tornar o evangelho (não o Evangelho) mais acessível. É possível (e bem provável) sermos tão enganadores ao ponto de criarmos uma nova religiosidade onde Deus se torna um objeto de consumo complacente com a nossa miserabilidade – aliás, ao que parece, uma religião sem Deus, em nome de Deus, tem maior credibilidade frente a esta sociedade que insiste em se esconder de Deus.

Tentamos enganar... sim, sempre tentamos.... e não poucas vezes conseguimos de fato. Às vezes dá até a impressão, não fosse biblicamente impossível (e é necessário ratificar ser impossível – tudo é apenas ilusão de gente que já se acostumou a enganar), que enganamos o próprio Deus. Nesta enganação, engenhosamente arquitetada com tons de espiritualidade revigorante, tem-se a sensação (e somente a sensação enganosa) de que Deus ficou a gangorrear entre o esperto e o bobo descrito por Clarice Lispector no poema “das vantagens de ser bobo”. Desta forma se atingi o estágio de completa putrefação existencial que é enganar-se tanto ao ponto de acreditar ser possível enganar a Deus. Nestes dias tenho a certeza axiomática que o Carpinteiro fica a se perguntar: a quem estes homens tentam enganar?

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 10 de Abril de 2015