1 Timóteo 1:19 (NVI)
Os movimentos religiosos
apresentam, cada qual, sua própria identidade, mesmo reconhecendo que há uma
heterogeneidade nas formas de manifestações de cada uma. No Brasil, as três
maiores religiões aqui presentes se expõem como: Espiritismo – crença na
reencarnação, evolução do espírito e salvação pela caridade; Catolicismo –
crença na mariolatria, intermediação dos santos, na autoridade vicária do Papa
e valorização da tradição eclesial. Protestantismo – crença... no que mesmo? Se
dissermos crença na infalibilidade/inerrância das Escrituras, isto seria
questionável pelos papas evangélicos;
se dissermos que é centralidade na Bíblia, isto é notoriamente destoante a
partir das pregações dominicais; se dissermos crença na salvação apenas por
meio de Jesus, isto também é questionável na prática neopentecostal tupiniquim;
Além de não se saber hoje o que realmente estamos há protestar; então,
sinceramente, não há nada nos evangélicos que os tornam excludentes, como uma
espécie de identidade, pois dos pilares evangelicais boa parte das outras
religiões igualmente comungam.
A bem da verdade, inúmeras
pessoas se tornam evangélicas por não mais serem adeptas à identidade de outras
religiões. Se você não acredita em
reencarnação, não é lá muito amigável da ideia de mariolatria, então, te resta
ser evangélico. Se você não gosta
muito de mexer com espíritos e não é apadrinhado por algum santo, então,
igualmente, só te resta ser evangélico. Não dá para ser Islâmico, ainda mais
nestes tempos de midiatização da demonização ocidental na figura dos
mulçumanos. Não dá para ser budista, até porque passividade e contemplação não
são adjetivos presentes na modernidade capitalista urbana. Não dá para ser
hinduísta, até porque o mundo ocidental está longe demais destas crenças e virtudes. Zoroastrismo, nem pensar. Religiões
de adoração ao imperador ou a um rei, simplesmente não tem nada haver com nossa
brasileiralidade. Ser da Umbanda ou Quimbanda, entre outras tantas bandas afrodescendentes,
já são estereotipadas como religiões demoníacas. Taoísmo, Jainismo, Xintoísmo,
Confucionismo... realmente não dá. Então, sinceramente, no Brasil, só resta ser
evangélico. Não por opção, mas por falta de opção indenitária. E é ai que entra
a curva do rio...
A curva do rio é onde fica
preso, engastalhado e emaranhado toda sorte de sujeira que desce rio abaixo. A
curva do rio é um depósito de dejetos e lixos que não se afixaram em lugar
algum do rio, até encontrar a curva. Neste local é possível descobrir várias
coisas não pertencentes ao rio, mas que por alguma razão precedente, desceu rio
abaixo ficando aprisionado lá na curva. Assim é a igreja evangélica brasileira
(e talvez a igreja evangélica no mundo), uma igreja que abarca tudo aquilo que
não se encaixa em outras religiões. Se você não se atrelou a nenhuma outra
religião ao longo da sua descida rio abaixo, é bem provável que você fique
aqui, na igreja evangélica. Portanto, sem nenhuma ironia, a igreja evangélica
se tornou a curva do rio. Lá tem toda sorte de tranqueira: tem gente meio espiritualizada (diferente de espiritual),
mas que não quer ser espírita; tem gente com fortes tradições católicas, mas
que não quer ser católico; tem gente com potencial para ser fanático, tipo
homem bomba, mas que não quer ser islâmico; tem gente que adora a mãe natureza
e a contemplação do vazio, mas que não quer ser panteísta ou algo do gênero.
Tudo isto vai parar na “acolhedora” curva do rio, chamada carinhosamente de
igreja evangélica.
Na curva do rio surgiram a
universal, a mundial, a internacional, os templários, a plenitude e tantos
outros lixos religiosos que desceram rio abaixo até encontrar o local ideal
para proliferar e criar um habitat propício para germes, fungos e lodos.
Tristemente, encontraram a igreja evangélica. Ali estão em processo de
decomposição e putrefação, mas como tem muita gente descendo o rio, então, há
uma forte probabilidade de muitos ficarem engastalhado lá na maldita curva do rio. É fato que estes
tipos de lixo não seriam suportados em outros ambientes religiosos. Apenas na
igreja evangélica, estes dementes-religiosos conseguem fixar moradia e coexistir.
Estes esquizofrênicos-espirituais sabem que a curva do rio, chamada igreja
evangélica, vai tolerar e provavelmente apoiar quase toda tranqueira mística. Então,
na tentativa de ser acolhedora, a igreja evangélica abarcou doutrinas
ultrajantes e até demoníacas. Coisas estas que encalharam na curva do rio, lá
na igreja evangélica. Afinal, não é este o discurso mais comum entre os
igrejeiros: “venha como você está”. Então... eles vieram, exatamente como
estavam.
Um número considerável de
cristãos evangélicos protestantes, ao se aperceberem na enrascada indenitária
que a igreja evangélica se enlameou, lá naquela curva do rio, escolheram
repelir-se do grupo. Ao se darem conta que ser evangélico não mais representa
uma identidade especifica, mas sim um compêndio de forças estranhas, portanto, não mais se identificaram com as
matrizes evangélicas. Ao se verem confusos sobre o embaralhar das rotulações clássicas:
Históricos, Pentecostais e Neopentecostais, e não mais saberem no que realmente
acredita-se, preferiram se distanciar. Então, estes cristãos evocando um pouco
de sanidade e sobriedade, escolheram descer rio abaixo, não mais se
identificando com a igreja evangélica, a estes foram denominados de
desigrejados. É óbvio que o movimento denominado de desigrejados é bastante pluri, a semelhança da expurgada igreja
evangélica. Há desigrejados por consciência, outros por malandragem, os por
sanidade, alguns por preguiça, outros tantos por amor, vários por ódio, há os por
reverencia, também há os por causa de birras ministeriais... Ser desigrejado é
levar um pouco da seiva tóxica da igreja evangélica.
O movimento dos desigrajedos
não é novo, apenas recebeu um raio
gourmetizador na pós-modernidade, ganhando status pretencioso de remanescentes.
A ideia de ser desigrejado também não é uma causa com identidade especifica, há
uma heterogeneidade intrínseca, e mui provavelmente abarca incontáveis outras
manifestações de descontentamento com a igreja evangélica. Até porque o que
torna uma pessoa desigrejada é tão somente não mais se identificar com a igreja
evangélica contemporânea. É até relativamente simples ser desigrejado, basta
estar insatisfeito com os rumos da (pluri)igreja evangélica. Portanto, se os
desigrejados não tomarem cuidado, é muito provável que estes se tornem na
próxima curva do rio, lá embaixo, atraindo e acolhendo toda sorte de lixo que
não mais quer se emporcalhar com os evangélicos. Afinal, é quase improvável que
um ex-evangélico vá (ou volte) para alguma outra religião, por questão
indenitária, conforme dito anteriormente.
Se a igreja evangélica
brasileira se tornou um escombro de tranqueira a culpa é de todos nós,
inclusive dos desigrejados. Até porque para ser desigrejado precisou ser, algum
dia, igrejado. Contudo, ao contrário do que possa parecer, mesmo a despeito de
todo lixo existente no contêiner igreja, acredito plenamente que Deus queira
que a igreja evangélica seja esta curva no rio: suja, fedida e atrapalhada. É
através das nossas limitações e desvirtudes que podemos desvelar Cristo, o
perfeito. Não é quando somos bons que honramos Deus, mas sim quando
reconhecemos que somos maus e que necessitamos diariamente da Graça. Não
precisamos de um novo movimento, precisamos é de consciência de nossa podridão
e importância do Caminho único, o Salvador. Não há necessidade do triunfalismo de
sermos uma igreja de “santos lutando contra o pecado”, precisamos de uma igreja
de pecadores lutando para ter
santidade no presente século. E sobre todo este lixo evangélico, é bom que
esteja ai, pois assim, cotidianamente, seremos seduzidos pelo lixo e isto desvelará
as reais intenções dos nossos corações.
Não há apenas uma curva no
rio. Há outras curvas mais atraentes, outras curvas com maior fluidez e outras
curvas com belas flores, outras com galhos vigorosos. O rio é longo, e não
estar engastalhado na curva dos evangélicos não torna alguém ou algum movimento
mais aceitável, mais plausível perante Deus. Descer rio abaixo à procura de um
novo movimento nas águas é coisa antiga, tem sim suas vantagens e também tem inúmeras
limitações. Entretanto, o que poucos sabem é que cada vez que um lixo se
desprende de uma curva do rio, este leva um pouco (quando não muito) da sujeira
daquela referida curva. Da ilusão de pureza já tivemos demonstração suficiente
do horror que é possível ser feito sob tais pressupostos, basta nos lembrar da
curva do rio lá na Alemanha (refiro tanto a Lutero, quanto a Hitler – resguardo
às devidas proporções e intenções).
Enfim, tenho convictas
dúvidas se Deus quer que descemos o rio a procura de uma nova curva, que
igualmente vai se emporcalhar. Talvez, nossa atual missão seja sermos o sal da
igreja, retardando a putrefação desta. Talvez, nossa missão neste presente
século seja ser a luz da igreja, evitando a cegueira total desta. Talvez, neste
mundo tão evangelizado, precisemos voltar nossos olhos para a igreja e
reenvangelizar. Talvez, seja o tempo de olharmos para trás ao invés de olhar
pra frente. Talvez, seja o momento de pegarmos as enxadas, foices e rastelos, e
então, começamos a limpar a nossa curva no rio, a começar de minhas próprias
sujeiras e corrupções. Afinal, ainda há sete mil que não se dobraram a Baal (cf. 1 Rs 19:18). E convenhamos, sete mil
enxadas, juntas, poderiam fazer uma boa limpeza...
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 20 de Setembro de 2015