sábado, 1 de julho de 2017

A morte em desencanto


“O pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu”.
Eclesiastes 12:7 (NVI) 

Olá, Dona Morte, há um bom tempo que não conversamos. Para ser mais exato desde 19 de Agosto de 2015 (referência ao texto “A morte que foge”). Talvez, este tempo longe tenha feito você ficar enciumada frente às seduções da Dona Vida, mas não se iluda... o seu fascínio ainda é mais latente e o seu sussurro ainda escuto nas noites silenciosas e escuras de minha alma. Insisto, desde nossa primeira correspondência, em 16 de Março de 2013 (referência ao texto “em diálogos com a morte”), que não temo a ti, Dona Morte, mas temo sim a Dona Vida, pois esta sabe desorientar os errantes do caminho, esta sabe esbofetear a esperança e torna-la desprezível, esta sabe transformar o abandono em algo tão palpável e horrendamente vivido, capaz de assombrar os mais lúcidos. Enfim, Dona Morte, que dia nos veremos realmente? Que dia você responderá ao chamado? Por que você não diz nada? Nossos diálogos continuam mais parecidos como um monótono monólogo esquizofrênico de mim mesmo para mim mesmo.

Sei que você está ai, Dona Morte, te vejo nas frestas do tempo. Você tenta se esconder para tentar surpreender os desapercebidos, porém a mim você não engana. Você se mistura junto aos demais, se fazendo como um dos tais, mas nós dois sabemos que você não pode negar a sua própria natureza, sua própria existência, sua própria missão. Por isto, insisto, não temo o fim que te traz, pois estes adjetivos temporais não mais me seduzem. Ter vivido um dia, um mês, um ano, uma década, um bocado de décadas... tudo tão mensurável, quantificável, produtivo, útil... Disto, estou farto! E você fica daí, quietinha, só esperando o momento exato para que como num soluço desatento aparecer de repente e por fim a tudo que a vida tenta manter. Há quem diga que a vida continua, mesmo quando você passa, mas será que a Dona Vida sabe disto? Será que ela quer continuar? Ou quem sabe apenas seguimos em frente, deixando a vida pra trás com tudo aquilo que ela traz. Seguindo apenas com os ecos de uma vida distante, com o impulso gradual daquilo que resta. Não sei... talvez, você Dona Morte saiba responder, mas você não é muito dada ao diálogo, como todos nós já percebemos.

Dona Morte, alguns me questionam porque dou tanto moral para ti. Acho que eles pensam que você anda junto com o suicídio, dai temem quando alguém fica a conversar contigo. Mas, não acredito que isto seja uma verdade. O suicídio não é uma arte sua, é sim da Dona Vida, é o resultado de uma incompatibilidade da própria vida com a vida. Obviamente que por ter o arquétipo da morte, todos pensam que você é a autora de tamanha façanha, mas não... a vida também mata, e mata mais que a morte. Talvez, em vários momentos a Dona Vida entre em colapso existencial e começa a fazer o seu papel, Dona Morte. Contudo, a Dona Vida é desajeitada demais para por fim com beleza e sublimidade. Por que você, Dona Morte, não ensina a Dona Vida a serenidade dos finais? Por que insiste em deixa-la a surrupiar os suspiros finais de histórias inconclusas? Por que você não intervém? Não entendo... Ainda sim você, Dona Morte, permanece em silêncio... Não entendo. Talvez... Você também não saiba como convencer a Dona Vida. Ou quem sabe... Vocês duas só ficam a brincar por aí sem se aperceberem que pessoas se vão sem terem morrido e outros tantos permanecem mesmo estando mortos.

Nesta desatenta valsa da morte com a vida fico a esperar o meu tempo de embalar-me ao som dos últimos acordes, da última canção, da última festa, do último sorriso, do último olhar, do último sonho. Fico a esperar o selar de uma obra, de um intento de toda uma vida, do emoldurar de uma história. Não temo a ti, Dona Morte, já te disse isto várias vezes. Contudo, parece que você está longe o bastante para responder minhas correspondências e produzir diálogos consistentes. Talvez, a música esteja alta demais e você não tenha escutado, mas sei que um dia nos veremos e você me conduzirá para a grande mesa, junto ao grande Rei, e lá descansarei minha desafortunada alma cansada. Neste dia, nem você, Dona Morte, nem a Dona Vida, terão importância alguma, serão meros figurantes no espetáculo. Continuo esperando, ansiosamente, por este glorian day, não me precipitarei, apenas aguardarei, certo que o grande Poeta ainda está escrevendo o poema, mas um dia terá um ponto final, na última linha da página. Até lá, Dona Morte, vamos seguindo em nossos diálogos silenciosos.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 29 de Junho de 2017