sábado, 13 de fevereiro de 2016

A família não é um patrimônio


“...escolham hoje a quem irão servir...Mas, eu e a minha família serviremos ao Senhor"
Josué 24:15 (NVI)

É corrente ouvir pelos lajeados rincões evangelicais a expressão: “família é o seu maior patrimônio”, ou “família é o seu maior tesouro”, ou ainda, “família é seu maior bem”. Em todas estas expressões há algo que deveria nos incomodar profundamente, que é a utilização de termos próprios do campo do capitalismo, consumismo e empreendedorismo, aplicados a vivência familiar. Patrimônio refere-se claramente ao acumulo de capital em forma de um bem imóvel ou móvel, então, referendar desta forma a família é no mínimo estranho. Tesouro é outra expressão que conota apropriação de valor mensurável e palpável, sendo igualmente esquisito associar a família a um processo com tal distinção financeira. E o termo bem refere-se diretamente aquisição de algo que agrega valor monetário perante a sociedade, portanto, é igualmente perverso atribuir a família esta conotação. Por isto, é preciso aperceber que a família não é um patrimônio, nem um tesouro ou um bem.

Família é uma construção social-afetiva entre pessoas. Família é quando se escolhe não mais caminhar sozinho. Família é o estado de grandeza da solidariedade e amabilidade inexplicável. Família é o porto seguro de nossas inevitáveis desventuras de ser humano. Família é a certeza de que seremos aceitos apesar de quem somos. Família é agir com a perfeição do amor mesmo sabendo que tal prática será tateada por imperfeitos agentes. Portanto, o conceito de família está mui além das noções de patrimônio, tesouro e bem. Rebaixar a família ao status de mercadoria ou de fetiche de consumo é dissimular as reais bases do estar e ser família. Associar a família à lógica mercantil é parametrizar polos universalmente distintos e antagônicos. Por esta razão, quase sempre, começa-se uma família sem que haja patrimônio, tesouros ou bens, demonstrando de forma audível que a união familiar sobressai aos acúmulos que a própria união familiar pode gerar.

A absorção de conceitos do capitalismo consumista para dentro do campo da família é uma etapa consciente de desmoralização da própria família, provocado por um movimento quase imperceptível de naturalização do estado de mercadoria. Sendo assim, aceita-se no seio familiar, com muita facilidade, as percepções de utilidade, de benefícios, de acumulo, de aparência, de sinergia, entre outros. Portanto, tristemente, há quem fique em família, pois esta se constitui, nesta modernidade tardia, num patrimônio, e afastar-se deste patrimônio significa empobrecer, literalmente. Há quem fique em família, pois esta se tornou um baú de tesouros com claras intenções de manutenção daqueles que se desarranjaram na vida. Há quem se estabeleça em família, pois esta evoca o principio do agrupamento, sendo assim juntos sempre se vai mais longe, se consegue mais bens, mesmo que ainda seja por “comunhão parcial de bens”.

Família não é um patrimônio, pois patrimônio se troca, se negocia, se vende, se desvaloriza. Não é um tesouro, pois tesouro se gasta ou se acumula para si próprio. Não é um bem, pois não é tangível. Família, a bem da verdade, é totalmente o oposto destas negociáveis noções empreendedoras. Família é um convite para reaprender a viver, a partilhar, a perder para que outros ganhem, a sorrir de coisas simples e a chorar por coisas mais simples ainda. Família, a exemplo da critica do filme “o Diabo Veste Prada” (20th Century Fox, 2006), não é um ativo estratégico nas vidas dos grandes empresários. Talvez, por isto, estes, com o intento de justificarem os seus próprios fracassos, então, rebaixam a família ao estado de naturalização de patrimônios, tesouros e bens. O triste de tudo isto é saber que a igreja evangélica brasileira absorveu tais atrocidades e a reproduzem domingo a domingo, talvez com boas intenções, mas inquestionavelmente com maus resultados.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 12 de Fevereiro de 2016