“Portanto,
como povo escolhido de Deus, santo e amado, revistam-se de profunda compaixão,
bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportem-se uns aos outros e perdoem
as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes
perdoou. Acima de tudo, porém, revistam-se do amor, que é o elo perfeito. Que a
paz de Cristo seja o juiz em seus corações, visto que vocês foram chamados a
viver em paz, como membros de um só corpo. E sejam agradecidos”.
Colossenses
3:12-15 (NVI)
Discorrer
sobre humildade é sempre uma aventura. O problema inicial reside na essência
filosófica do ser humilde. Perceba que quem é humilde não ousa ensinar sobre
humildade, pois isto é conceitualmente contraditório. Então, quem é humilde não
se preocupa em ser reconhecido como tal e tem profunda rejeição de serem
rotulados com esta tamanha grandeza. Estes fazem isto não para serem vistos ou
percebidos pelos que rodeiam, o fazem por simplesmente serem humildes.
Portanto, aprender/ensinar sobre humildade é um desafio de projeções
gigantescas, pois só de adjetivar alguém de humilde já se perde a essência do
ser humilde. A situação agrava quando você
pessoalmente olha para si mesmo e se
juga como humilde, pois isto denuncia que tal característica não faz parte de seus atributos. Antagonicamente, os que
não buscam reconhecimento se o fazem intencionalmente
já se contradiz com a bendita busca da humildade, pois fazer algo para ser
humilde é basicamente não ser humilde. O humilde não quer ser humilde, ele simplesmente o é. O humilde não faz nada para
não aparecer, ele simplesmente não aparece. O humilde não contabiliza bondade, pois
o faz naturalmente. O humilde não sabe
que é humilde, pois ele é humilde.
O problema
filosófico acerca da humildade destacado no paragrafo anterior dificuldade a
continuidade da escrita deste artigo, pois se eu alcancei tamanha
humildade ao ponto de ensinar sobre tal conceito isto desnuda que estou mui longe do que é ser humilde. Se
contrariamente, reconheço que não sou humilde
torna as linhas abaixo um ultraje desprezível até mesmo para os mais orgulhosos
leitores, além de soar como um belo discurso farisaico. Ciente deste conflito eu seguirei a escrever sobre humildade
não por tê-la como um de meus
adjetivos, reconheço tamanha ausência – digo isto não para dar um tom de
humildade neste texto, o faço por pura consciência de minhas desvirtudes. Contudo, seguirei nesta pensata sobre humildade
como que tentando encontrar um lampejo de esperança acerca da transformação que
o Evangelho pode fazer no interior de pecadores, que assim como eu, estão desafortunadamente necessitados
de encontrar o Cristo que abale as bases do meu/nosso
caráter. É ali aos pés da cruz que te
convido a uma jornada de reflexão sobre perdas, fraternidade, amor, bondade,
gratidão e perdão, ou se você
preferir, substitua todos estes distintivos anteriores pelo termo “humildade”.
É nesta busca que debruço meu
orgulho, prepotência, maldade, arrogância e inveja. Se você é humilde o suficiente te convido a tolerar os próximos
parágrafos. Se lhe falta humildade, então, te convido a uma jornada que,
espero, encontremos a assombrosa Graça do Carpinteiro que insiste forjar humildade
nos corações humanos.
A humildade está na contramão da autossuficiência.
O sentimento de autossuficiência surge da presunção de pensar ser mais do que o
é, por isto Paulo adverte: “...digo a todos vocês: ninguém tenha de si mesmo um
conceito mais elevado do que deve ter; mas, pelo contrário, tenha um conceito
equilibrado...” Romanos 12:3 (NVI). Tristemente, não poucas vezes, a autossuficiência
surge sorrateiramente a partir dos louvores dos outros que preferem impulsionar
uns usando como combustível o elogio. Nada é mais corrosivo a humildade do que
aplausos. Endossando esta premissa o compositor e cantor Valter Júnior, no álbum
“Momentos e Canções” (1992), na canção “Pedro”, reflexiona: “Pensar ser forte foi o erro meu, apoiar-me
em minhas próprias forças, desejei eu. Embasado em elogios, aplausos,
qualidades, ilusão de quem é adulto, mas ainda não cresceu. Se eu me visse como
o pó que sou fácil seria: O Mestre juntaria Sua saliva e, o milagre então, de
milhares que o veria através de mim, se realizaria. Mas penso ser rocha e, ao
fim, sou tropeço. Pedro também pensava assim. Pedro, Petros, Pedra. Puro
engano. Pedro apenas pó (...)”. Por esta razão o Carpinteiro instruía alguns
que após o milagre não dissesse nada aos outros (cf. Mt. 8:4; Mc. 1:44; Lc. 5:14).
A humildade requer renuncia sem
retribuição. O anonimato é uma virtude dos humildes, que mesmo longe dos
holofotes fazem mais que os astros que desfilam nos palanques da vida. No
contexto de igreja isto também é válido de ponderação, pois, infelizmente,
resumiram a fé em apenas dois ministérios, a saber: pregação e louvor – ambos ministérios
enamoram existencialmente e indissociavelmente com as platéias. Contudo, ser Igreja
é muito mais que discursar ou cantar, requer entrega, doação e abnegação – aqui
se encontra todos os outros indispensáveis ministérios que fazem a igreja ser
Igreja, e que subsistem por detrás das câmeras. Catastroficamente, muitos
servem o Mestre com segundas intenções, quase sempre do gênero reconhecimento/retribuição.
Estes confundem justiça de Deus com meritocracia, pois julgam que Deus tem que beneficiar
os bons; confundem amar com tratar bem o próximo, pois afinal um dia pode-se
precisar daquela pessoa. Confundem bondade com a lei da semeadura, estes fazem o bem não por caráter, mas por acreditar
que num futuro terão a bondade retornável;
confundem paciência com investimento, estes toleram o próximo não por causa do
amor, mas pelo medo de perder aliados.
A humildade dispensa vestimentas de piedade. Às vezes, na
jornada nos é fornecido um traje de
piedade que vem pré-formatado com programas sociais. Ali, onde se estabeleceu
um processo planejado de bondade
todos ficam “iluminados” pela luz da humildade. Os pobres que recebem os
donativos imediatamente olham para os abastados e deduzem que estes são
humildes, pois se misturaram com os necessitados. Mas, ser piedoso na
coletividade pode ser apenas um disfarce para acalmar os gritos da consciência que
acusa acerca da injustiça social global – isto soa tipo Miss Universo com o previsível
discurso pela “paz mundial”. Piedosos de verdade são aqueles que extrapolam os
programas sociais e torna causa de vida a vulnerabilidade social, independente
dos programas ou da coletividade. Entenda, humildade não vem em um kit de combate
a pobreza com datas e horários a cumprir, não se pode ser humilde apenas por
algumas horas ou dias previamente estipulados. Obviamente, que não estamos
desmerecendo os esforços, porém não podemos confundir humildade/piedade com
voluntariado. A piedade é uma característica cristã proveniente da Graça, como
entoa o cantor Jesus Adrian Romeiro na canção “es por tu gracia” (álbum “El
Aire de Tu Casa” – 2005): “Quando
ninguém me vê, na intimidade. Onde não posso falar mais que a verdade. Onde não
existem aparências. Onde meu coração está aberto. Ali sou sincero, ali minha aparência
de piedade se vai. Ali é Tua graça que conta. Teu perdão é o que me sustenta
para estar de pé. E não poderia continuar se não fosse revestido pela graça e
justiça do Senhor (...) É por Tua graça e Teu perdão que podemos ser chamados
de instrumentos do Teu amor (...)” – tradução livre.
Para finalizar este artigo valerei
das palavras de Ricardo Gondim na celebre reflexão “Tributo ao humilde” –
escrito em 05 de Abril de 2012, quando afirma: “Humildade e desejo de
onipotência não combinam. Petulância não admite fragilidade, não reconhece
limites, não aceita inadequações. O insolente nunca se dispõe imitar os passos
de Jesus que, sendo Deus, não considerou apegar-se ao poder. Ele preferiu
vulnerabilizar-se no amor (...) Humildade equivale a esvaziamento. O prepotente
não consegue amar porque não sobra espaço em seu mundo. Só ama quem abre mão de
controle e se deixa invadir pela companhia do outro. O humilde busca esse bem
querer feito de renúncia. Ele sabe da impossibilidade de coerção e amor se
misturarem. O pretensioso vive inflexível, impaciente e raivoso. Sua vontade
deve prevalecer a qualquer custo. O humilde não se envergonha de recuar.
Derrotas não representam para ele fracassos pessoais; insiste em não reprimir
com violência. Sem se impor, o humilde não se vê esmagado pelas frustrações. O
humilde é discretíssimo e elegante. Prefere esconder dos olhos o que as mãos
fizerem. Nunca se acostuma com ovações. Assim, quando nutre o desejo de
perseguir a humildade, ninguém percebe; e quando escreve, sabe que está longe
de tê-la alcançado (...)”.
Por tudo isto, humildemente me
despeço de você leitor, torcendo para
que nós, em algum dia, sejamos
surpreendido pelo Autor da Vida com a sentença: “...minha graça é suficiente
para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”, e seguidamente concluir
como Paulo: “...Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas
fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim” – 2 Coríntios 12:9 (NVI).
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 02 de Janeiro de 2013
Olá querido!! Que benção é poder ler seus textos, sempre me edificam, que o Senhor continue trabalhando em suas fraquezas pra que continue sendo benção!! Nossa quando eu era criança escuta essa música "Pedro, Petros, Pedra..." me emocionei ao descobrir quem canta e em poder ouvi-la novamente!! Obrigada!!! E a tradução da música do Romero está muito boa!!
ResponderExcluirA Paz do Senhor!
Ola, Jessica. Agradeço pelo incentivo. E é sempre mui gratificante saber que os textos tem sido relevantes para a jornada de outras pessoas. Sobre a música "Pedro" (de Valter Júnior), realmente é um clássico, merece que voltemos a canta-la em nossas igrejas.
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