“A democracia de amanhã se prepara na democracia da escola."
Célestin Freinet – pedagogo e escritor francês (1896-1966)
A educação escolar é um direito de
todos, sendo por tanto, de responsabilidade pública. É encargo de a República
Federativa Brasileira fornecer a população uma estrutura básica de saúde,
educação e segurança, caso contrário não se justifica haver governo
democrático. A Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo 26 garante
que: "§1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como
a instrução superior, baseada no mérito".
A realidade pós-moderna capitalista não
mais aceita no mercado de trabalho pessoas com apenas graus elementares e fundamentais, como assegura a Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Atualmente é necessário pelo menos um curso
superior (tecnológico, sequencial ou bacharelado) para ser competitivo no
século XXI – sendo esta responsabilidade primariamente do poder público.
Contudo, quer seja por ocasião da omissão, ou pela notória incapacidade
educacional, ou por mero desinteresse político, o fato é que o Estado não foi e
não é capaz de atender a demanda populacional dos brasileiros “aptos” a
ingressar no ensino superior. Por consequência, o Governo facilitou para a
iniciativa privada a abertura de novas Instituições de Ensino Superior que teve
a dificílima (e tentadora) tarefa de conciliar o capitalismo com o ensino.
O autor Ristoff endossa o evidente
parto dos modelos educacionais de nível superior emergentes na rede privada em
decorrência da fragilidade do ensino universitário público: "Fica evidente que
as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), na forma em que estão
estruturadas, instrumentalizadas e sub-financiadas, não têm a menor condição de
atender as presentes demandas por expansão, sem colocar em sério risco o seu
padrão de qualidade. Fica, por outro lado, também evidente que ou as IFES se
instrumentalizam, com apoio financeiro do governo, para enfrentar o desafio ou
estarão condenadas a serem marginalizadas do processo de expansão da educação
superior, ficando esta tarefa entregue às instituições particulares" (RISTOFF,
1999, p.12).
Da dicotomia privado versus público estampou a gigantesca
discrepância de dois mundos aparentemente com o mesmo objetivo, mas
indubitavelmente diferentes. O conflito de interesses era iminente. O sistema capitalista
fez os professores universitários da rede privada se tornaram duplamente
reféns. Primariamente dos empresários, que encontraram no “ensino” uma fonte de
enriquecimento; e paralelamente dos alunos, que de forma arrogante afrontam os
docentes como se estes fossem empregados deles (discentes). Neste clima onde o
dinheiro é o mais importante à relação educacional se torna meramente
comercial. Esta é a razão do porque surgiu um sombrio cenário onde alunos se
tornam “clientes”, professores se tornam “empregados” e gestores educacionais
se tornam “empreendedores”.
Há uma forte corrente informal que
conseguiu tornar aceitável a proposição de que os alunos são clientes pelo
simples fato de pagarem altas mensalidades. Tal alínea desconstrói a relação
educacional que deve ter primazia entre docentes e discentes. Nesta perspectiva
mercantil os alunos se tornam expectadores ao invés de interagirem, pois estão
pagando para o professor trabalhar (dar
aula). Neste triste cenário os alunos não se veem responsável pelo aprendizado,
pois estão pagando para que professores os façam aprender – relação unilateral.
Nesta caótica realidade os alunos se tornam intolerantes a seminários temáticos
ou outras formas de integração, pois estão pagando para o professor explicar a matéria
(leia-se aula expositiva – e nada mais).
Definir a relação professor-aluno como
empregado-cliente por haver um fator monetário presente é no mínimo ultrajante.
Para tanto é valido arrazoar que: um pai ao pagar
a mesada para o filho não os torna empregado-cliente (filho-pai), pois entre
ambos há uma relação que supera a troca monetária – relação familiar; um
motorista que repassa um determinado
valor financeiro para mendigos não os torna empregado-cliente
(mendigo-motorista), pois entre estes o valor monetário é a manifestação de um
sentimento maior – caridade; um conjugue que retira parte do salário para repassar para seu respectivo conjugue
não configura a relação empregado-cliente (esposa-esposo), pois o valor trocado
entre ambos não supera o que há entre estes – amor. Por tanto, definir
professor como empregado e aluno como cliente somente pelo fato de haver uma troca de valores financeiros é ignorar o
que de fato os une em classe – educação, aprendizado e capacitação teórico-prática
(isto é maior que dinheiro).
A rede privada de ensino superior sofre
com este estereótipo da relação empregado-cliente
em que se vê o professor-aluno. Contudo, é válido ressaltar e pontuar de forma
categórica a distinção: ser aluno é maior que o ser cliente, igualmente, ser
professor é maior que o ser empregado. Contudo no cenário educacional do século
XXI é notório que as coisas foram embaralhadas, como pondera Picanço: "A demanda
por formação tem despertado, em especial, o interesse de grupos que vêem na
educação as características de um grande mercado potencial. Esses são os
‘sacoleiros do ensino’ para os quais é difícil fazer uma distinção entre
conhecimento e ‘mercadoria’, estudantes e ‘clientes’, escola e ‘empresa’"
(PICANÇO, 2003, p. 78).
A educação superior da rede privada por
ter se tornado um grande negócio empresarial causou outro gigantesco prejuízo à
educação, a superlotação das salas. O princípio é obviamente lucrativo: Quanto
mais pessoas por sala, maior o lucro. Sendo assim, não resta outra opção aos
professores que, então, tem que fazer um verdadeiro “aulão show” cotidianamente. Portanto, a consequência óbvia é que haja uma
drástica redução das interações entre professores-alunos e aluno-alunos em
classe – um dos principais fundamentos para que a aprendizagem seja efetiva.
Neste contexto capitalista as aulas se tornam medíocres palestras (tipo monólogos).
Salas grandes, uma multidão de alunos e professores de auditório, esta é a
combinação suicida onde a educação se torna a única vítima.
Enfim, o ser professor na rede privada
apresenta uma discrepância enorme frente à rede pública, como considera a
professora Rita (apud Capelli): "A
professora Rita explica que há muito mais ingerência, por parte de pais e
diretores, no trabalho do professor da escola particular. 'Por não se tratar
apenas de um estabelecimento educativo, é também um negócio. Os pais, como
pagantes, acabam tendo mais poder de pressão sobre o método pedagógico da
escola. Há diretores que cedem aos apelos dos pais por medo de perder alunos, o
professor fica condicionado ao conteúdo, programa e questões burocráticas. Na
escola pública isso não acontece. Tenho liberdade total das escolhas
pedagógicas e há um bom canal para explicarmos estas escolhas para os pais',
disse" (Rita apud CAPELLI, 2002, p. 3).
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 25 de Junho de 2013
Bibliografia utilizada:
RISTOFF, Dilvo. I. A Tríplice Crise da Universidade Brasileira, Revista Avaliação. V.4, n.3, p.9-14, 1999.
PICANÇO, Alessandra de Assis. Educação superior para professores em exercício: formando ou improvisando? In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação, 26ª, Caxambu 2003. DC ROM 26ª Reunião Anual da Anped.
CAPELLI, James. O professor na rede pública e na rede privada. O Diário do Grande ABC. São André, 30 de Agosto de 2002. O Diário na Escola, p. 3.
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