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domingo, 9 de março de 2025

Uma fé silenciosa


“Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará.” Mateus 6:6 (NVI)

Vivemos tempos de exposição excessiva. Tudo precisa ser dito, mostrado, compartilhado. A fé, que antes era uma caminhada íntima entre o Criador e a criatura, hoje parece ter se tornado um espetáculo público, uma vitrine de religiosidade. Orações se tornam postagens, devoções viram hashtags, e a espiritualidade, antes silenciosa, é substituída por uma necessidade de validação coletiva.

Todavia, há uma fé que não grita. Ela não busca aplausos, nem precisa de plateia. É uma fé que não precisa ser estampada em camisas, transformada em bordões ou propagada aos quatro ventos. É a fé dos que caminham na presença de Deus sem holofotes. Aquela que resiste ao tempo, à provação e ao anonimato. É a fé silenciosa que se fortalece quando ninguém está olhando.

Jesus nos ensinou que o lugar mais poderoso de oração não é o púlpito, mas o quarto secreto. Não é na praça pública que a fé se prova, mas nos desertos da vida, onde só Deus pode ouvir os clamores do coração. A verdadeira fé não precisa ser anunciada, pois sua autenticidade se revela na vida transformada, e não na exibição de discursos religiosos.

Talvez seja tempo de voltarmos ao silêncio da fé genuína. De não buscarmos reconhecimento por nossa espiritualidade. De deixarmos que a luz de Cristo brilhe por meio de nossas ações e não de nossas palavras ensaiadas. A fé silenciosa não é omissão, mas profundidade. Não é fraqueza, mas maturidade. É a convicção inabalável de que Deus vê, mesmo quando ninguém mais vê.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra
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Texto escrito em: 06 de Março de 2025

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Ao Rei, com carinho!


“Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês, diz o Senhor, planos de fazê-los prosperar e não de lhes causar dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro”.
Jeremias 29:11 (NVI)

O reino já foi estabelecido, os limites são nada menos e nada mais que tudo que existe, quer seja no passado mais remoto ou no mais distante futuro que ainda haverá de existir. A eternidade para o Rei não tem início ou fim, sinalizando para os tempos que nada é possível existir sem que Ele já não estivesse lá e que, então, por meio dEle viessem todas as coisas a existir. O Rei detém todo poder e não há nenhuma força capaz de ameaçar Aquele que detém todo poder sobre todas as coisas, sobre todas as pessoas e sobre toda história. Não estamos, portanto, em guerra, pois Seu domínio jamais será destituído, permanecerá para todo o sempre.

De longe, bem de longe, pode dar a impressão, às vezes, que o Rei não mais é tão grandioso e majestoso como outrora se contavam nas rodas de conversas, mas não se enganem, Ele permanece absoluto para todo o sempre. Contudo, por vezes, o Rei se silencia para que os Seus possam resignificar a forma de relacionar com Ele próprio, pois mesmo sendo tão poderoso, Ele, não é grotesco ao ponto de ter para Si uma glória desprovida de gratidão, rendição e arrependimento por parte daqueles que estão de passagem pelo reino. Portanto, nos dias em que não mais conseguir ver o Rei na janela, ou não percebê-lo nas flores do campo, não se constitua a si mesmo rei sobre si mesmo. Ele, somente Ele, é o Rei. O trono nunca ficará vago.

O Rei que constituiu a eternidade como palco de sua intervenção não se preocupa muito com a nossa excessiva paixão por esta temporalidade do hoje, como se tudo tivesse que ter sentido no agora, que tivesse que ter razões momentâneas justificáveis, não! A História do Rei é maior que nossas histórias e Ele esta conduzindo todas as coisas para o fim que Ele já havia proposto em Seu próprio coração, regendo nossas vidas com maestria peculiar de um grande poeta que usa as palavras para embotar esperança aos que ficam aos frangalhos pela vida. Por esta razão, não há outra razão, a não ser tributar ao Rei todos os sucessos e fracassos, todos os sonhos e desilusões, todas as alegrias e tristezas, todas as músicas e silêncios... porquê nEle, nossas almas se completam e saciam plenamente. Então, ao Rei, com carinho! Pois, Tu nos “seduziu” com o amor que, indivisivelmente, Te constituiu por Rei.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra
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Artigo escrito em: 18 de Fevereiro de 2018

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Na tirania da felicidade


“...pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância”.
Filipenses 4:11 (NVI)
 

Em tempos de supervalorização das redes sociais virtuais a felicidade é um valioso objeto de desejo pessoal e também de representação coletiva. Na grande maioria das vezes, as fotos que se postam são de momentos felizes, semelhantemente, os posts com letras garrafais evocam o pedido de ser feliz acima de qualquer coisa. Desta forma, tristemente, vivemos em um tempo onde ter que ser feliz é uma obrigação social e um sufocante compromisso individual (e individualizante). Portanto, é preciso (re)encontrar a vida para além das predicas da felicidade moderna.

Não há de se questionar a importância da felicidade para se viver bem, disto não há o que se contrapor, de fato. Contudo, a felicidade é, antes de qualquer outro atributo moderno, um sentimento. Sendo assim, a partir do estado peculiar dos sentimentos, a felicidade é por definição temporal, assim como a infelicidade o é. Desta forma, ninguém consegue ser feliz o tempo todo, e de igual modo é impossível ser infeliz o tempo todo. Tanto a felicidade como a infelicidade não são mais importantes que a própria vida. A felicidade e a infelicidade são meras hospedeiras da vida, ou seja, dependem da vida para se ressignificar.

A felicidade e a infelicidade são momentos distintos de uma mesma gangorra chamada vida, talvez por esta razão, os três termos são etimologicamente, sintaxicamente e ortograficamente independentes, porem inegavelmente interligados: felicidade, infelicidade e vida. Logo, é preciso aprender a viver feliz e aproveitar estes momentos com toda intensidade que merece, porém também é preciso aprender a viver infeliz, e igualmente, aproveitar estes momentos com todo prudência que lhe é peculiar. Portanto, querer viver sempre feliz é um exercício de aleijamento da própria alma que não suporta tamanha desproporcionalidade; e, estar sempre infeliz é, semelhantemente, uma mutilação da própria condição de se estar vivo.

Viver é preciso, quiçá sendo feliz, mas não fugindo do sendo infeliz. O segredo aqui não é viver feliz, é apenas viver, e sempre que possível, sendo feliz. Quando não for possível ser feliz seguimos vivendo, sabendo que por mais rotineiro que a vida seja jamais os sentimentos são perpétuos, sendo assim, inevitavelmente após dias felizes virão dias infelizes, mas sempre após os dias infelizes também virão dias felizes. Portanto, assim como o choro pode durar uma noite e alegria virá pela manhã (referência ao Salmos 30:5), é preciso ter maturidade suficiente para saber que a noite voltará em breve, no findar do dia, e talvez esta traga consigo a infelicidade.

Saber viver, estando feliz ou não, é um visível sinal de maturidade. Por isto, é no mínimo insanidade esforçar-se incomensuravelmente para ser feliz a todo custo, até porque a felicidade é uma amante da espontaneidade. Então, é preciso compreender que não se é feliz por estar sorrindo muito, a felicidade nem sempre se representa nos sorrisos. Não se é feliz por fazer sempre o que gosta, a felicidade é uma passageira da vida e se permite ser contraditória nas sensações e gostos. Não se é feliz por ter liberdade, a felicidade é que produz a sensação de liberdade, sendo que isto não implica em descomprometer-se. Não se é feliz por que se é feliz em si mesmo, a felicidade é como um parasita, precisa sempre do hospedeiro (leia-se, vida) para continuar existindo.

Enfim, não se submeta a tirania da felicidade visível de redes sociais modernas, há outros estágios da vida com maior nobreza, a saber: paz, amor, esperança e salvação. Paz para saber permanecer firme, ainda que feliz ou infeliz; Amor para continuar a jornada, ainda que feliz ou infeliz; esperança para acreditar, ainda que feliz ou infeliz; e, salvação, para descansar a alma, ainda que feliz ou infeliz.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra
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Artigo escrito em: 15 de Setembro de 2017

sábado, 1 de julho de 2017

A morte em desencanto


“O pó volte à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o deu”.
Eclesiastes 12:7 (NVI) 

Olá, Dona Morte, há um bom tempo que não conversamos. Para ser mais exato desde 19 de Agosto de 2015 (referência ao texto “A morte que foge”). Talvez, este tempo longe tenha feito você ficar enciumada frente às seduções da Dona Vida, mas não se iluda... o seu fascínio ainda é mais latente e o seu sussurro ainda escuto nas noites silenciosas e escuras de minha alma. Insisto, desde nossa primeira correspondência, em 16 de Março de 2013 (referência ao texto “em diálogos com a morte”), que não temo a ti, Dona Morte, mas temo sim a Dona Vida, pois esta sabe desorientar os errantes do caminho, esta sabe esbofetear a esperança e torna-la desprezível, esta sabe transformar o abandono em algo tão palpável e horrendamente vivido, capaz de assombrar os mais lúcidos. Enfim, Dona Morte, que dia nos veremos realmente? Que dia você responderá ao chamado? Por que você não diz nada? Nossos diálogos continuam mais parecidos como um monótono monólogo esquizofrênico de mim mesmo para mim mesmo.

Sei que você está ai, Dona Morte, te vejo nas frestas do tempo. Você tenta se esconder para tentar surpreender os desapercebidos, porém a mim você não engana. Você se mistura junto aos demais, se fazendo como um dos tais, mas nós dois sabemos que você não pode negar a sua própria natureza, sua própria existência, sua própria missão. Por isto, insisto, não temo o fim que te traz, pois estes adjetivos temporais não mais me seduzem. Ter vivido um dia, um mês, um ano, uma década, um bocado de décadas... tudo tão mensurável, quantificável, produtivo, útil... Disto, estou farto! E você fica daí, quietinha, só esperando o momento exato para que como num soluço desatento aparecer de repente e por fim a tudo que a vida tenta manter. Há quem diga que a vida continua, mesmo quando você passa, mas será que a Dona Vida sabe disto? Será que ela quer continuar? Ou quem sabe apenas seguimos em frente, deixando a vida pra trás com tudo aquilo que ela traz. Seguindo apenas com os ecos de uma vida distante, com o impulso gradual daquilo que resta. Não sei... talvez, você Dona Morte saiba responder, mas você não é muito dada ao diálogo, como todos nós já percebemos.

Dona Morte, alguns me questionam porque dou tanto moral para ti. Acho que eles pensam que você anda junto com o suicídio, dai temem quando alguém fica a conversar contigo. Mas, não acredito que isto seja uma verdade. O suicídio não é uma arte sua, é sim da Dona Vida, é o resultado de uma incompatibilidade da própria vida com a vida. Obviamente que por ter o arquétipo da morte, todos pensam que você é a autora de tamanha façanha, mas não... a vida também mata, e mata mais que a morte. Talvez, em vários momentos a Dona Vida entre em colapso existencial e começa a fazer o seu papel, Dona Morte. Contudo, a Dona Vida é desajeitada demais para por fim com beleza e sublimidade. Por que você, Dona Morte, não ensina a Dona Vida a serenidade dos finais? Por que insiste em deixa-la a surrupiar os suspiros finais de histórias inconclusas? Por que você não intervém? Não entendo... Ainda sim você, Dona Morte, permanece em silêncio... Não entendo. Talvez... Você também não saiba como convencer a Dona Vida. Ou quem sabe... Vocês duas só ficam a brincar por aí sem se aperceberem que pessoas se vão sem terem morrido e outros tantos permanecem mesmo estando mortos.

Nesta desatenta valsa da morte com a vida fico a esperar o meu tempo de embalar-me ao som dos últimos acordes, da última canção, da última festa, do último sorriso, do último olhar, do último sonho. Fico a esperar o selar de uma obra, de um intento de toda uma vida, do emoldurar de uma história. Não temo a ti, Dona Morte, já te disse isto várias vezes. Contudo, parece que você está longe o bastante para responder minhas correspondências e produzir diálogos consistentes. Talvez, a música esteja alta demais e você não tenha escutado, mas sei que um dia nos veremos e você me conduzirá para a grande mesa, junto ao grande Rei, e lá descansarei minha desafortunada alma cansada. Neste dia, nem você, Dona Morte, nem a Dona Vida, terão importância alguma, serão meros figurantes no espetáculo. Continuo esperando, ansiosamente, por este glorian day, não me precipitarei, apenas aguardarei, certo que o grande Poeta ainda está escrevendo o poema, mas um dia terá um ponto final, na última linha da página. Até lá, Dona Morte, vamos seguindo em nossos diálogos silenciosos.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra
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Artigo escrito em: 29 de Junho de 2017