segunda-feira, 30 de junho de 2014

Deus, uma kombi e vários "se"


“...se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo”.
Tiago 4:15 (ACRF)

No dia 21 de Junho de 2014 tivemos o infortúnio de perdermos a Kombi (2013/2014) de nossa Instituição (Missão Tocando as Nações) para dois ladrões que, a mão-armada, levaram a Kombi para algum lugar desconhecido por nós. Deste fato horrendo, a semelhança das coisas do gênero das (des)graças, suscitou vários questionamentos, dúvidas e inquietações. Frases estas que quando verbalizadas sempre vinham com o perturbador “se”. E desta ausência material (Kombi) vagueamos nossos corações entre Sherlock Holmes, mãe Diná e Capitão Nascimento. Nos hiatos existenciais entre desesperança e fé, frustração e soberania de Deus, percebe-se nossos medos teológicos, desnuda nossa visão de Deus e ratifica nossas percepção sobre o Cristianismo. Tudo depende de onde colocamos o “se”.

Se Deus estiver querendo nos ensinar algo... Esta é a principal via quando somos assolados por perdas. Temos a visão de um Deus que se assemelha a um rígido professor que ensina pela perda, pela dor e pela palmatoria. Deus este que sempre está a ensinar uma lição de vida, uma frase de efeito, um jargão para ser guardado. Então, desmistificando esta posição, e contrariando o senso-comum cristão, Deus sempre está nos ensinando, não apenas quando perdemos, mas principalmente quando ganhamos. Deus é o professor por excelência e nos ensina no cotidiano, nas coisas simples da vida. Só não vê isto quem ainda espera o dia da prova como auge do ensino, para estes tudo se limita às provas.

Se Deus estiver pesando a mão... Esta é uma posição não muito rara, porém pouco verbalizada, pelo menos na frente dos envolvidos na trama do roubou. Para estes “The Avengers” (referência ao filme da MARVEL, 2012) Deus é mais que um cruel professor, é acima de tudo um vingador perverso. Para estes o mal é bem visto, principalmente porque aconteceu com o outro. Aqui desnuda o nosso mais vil evangeliquês que sempre acredita que Deus está pronto a punir o outro, que sempre é o outro o grande pecador, que o outro é alvo da ira desenfreada de Deus. O que está por detrás desta afirmação é a super espiritualidade destes que resumem toda coisa ruim na frase “Deus está pensando a mão”. O irônico é quando a coisa ruim acontecem a estes, dai a frase muda é fica assim: “foi o Diabo quem fez isto”. E é dai que sai o próximo “se”.

Se foi o Diabo quem roubou a Kombi para atrapalha a obra de Deus... Como dito no parágrafo anterior, geralmente quem verbaliza está afirmação o faz acreditando na seriedade e comprometimento cristão dos envolvidos no desfortúnio. Esta parece ser uma confortável argumentação, principalmente por creditar ao Diabo todo mal e sorrateiramente supervalorizar homens. Então, esta é uma argumentação no mínimo perigosa. Atribuir tudo ao Diabo é fuga de responsabilidade, tentativa de demonizar os fatos e propagar uma cultura de raiva (guerra) – tudo isto ofusca a beleza da ação de Deus que age na história de forma nada lógica ou consensual. Pior ainda é acreditar que nós somos importantíssimos (imprescindíveis) na obra Deus e que agora, sem a Kombi, tudo está prejudicado – isto sim é infantilizar a fé, pois esquecem que Deus é maior que a obra, se esquecem que para Deus nada é impossível, e , esquecem que Deus é o maior interessado na continuidade da expansão do Reino.

Se a Kombi tivesse seguro ou rastreador... Esta também é uma das vias mais comuns de argumentação. Ouvir tal questionamento de quem não convive com o dia-a-dia da Missão Tocando as Nações é até entendível, mas o estranho é perceber tal construção entre aqueles que convivemos. A Missão Tocando as Nações é uma Instituição pequeninhinha, nunca recebemos nenhum tipo de verba governamental ou de empresas privadas, todo o nosso sustendo se dá por ofertas voluntarias e recebimentos de alunos em nossos cursos. O resultado é que vivemos numa dificuldade financeira de proporções gigantescas. Pagar uma conta de luz é quase viver um milagre, pagar a conta do telefone é da ordem do mistério, colocar combustível para ir aos projetos é sempre uma aventura. Então, termos condição de pagar seguro ou rastreador é quase uma fusão mística-cósmica. Ah! Só a título de informação, a referida Kombi foi um presente que ganhamos, pois não tínhamos (nem temos) dinheiro para comprar Kombi.

Se a Kombi tivesse bloqueador resolveria o problema... Esta é uma afirmação tanto quanto controversa. O bloqueador pode ser uma boa solução para evitar o roubo, porém no nosso caso o roubo se deu na porta da casa de um integrante de nossa Instituição, o que poria em risco a família deste, pois os ladrões sabem onde ele mora e com certeza voltariam, e acredito que não seriam gentis. Tanto o postulado do seguro, como no caso do rastreador, e ainda na ausência do bloqueador, são soluções possíveis, que poderíamos ter tentado fazer uma vaquinha e pagar os referidos custos. De fato neste caso fomos omissos (mesmo com a realidade financeira exposta no parágrafo anterior). Milagre por milagre já vemos isto todos os dias, mais um não seria novidade. Contudo, o que se descortina destes dois últimos parágrafos são dois perigosos postulados: 1) de que precisamos culpar alguém quando as coisas dão errado; e, 2) acreditar que tudo se resume á esfera humana. Ao contrário dos primeiros “se”, aqui Deus parece estar longe.

Basicamente estes são os clássicos “se” que ouvimos e proferimos. Se há verdade em cada um destes “se” o tempo nos dirá. Ao que parece o problema está no fracionamento de Deus nas posições anteriores, dificultando perceber uma ação divina mais completa e complexa. Por esta razão, aventurarei propor nos próximos parágrafos outros “se” que beiram ao ilógico, utópico e a heresia. Contudo, já que este espaço fora reservado para tantos “se” porque não tentar vislumbrar algo fora do comum. Meio que tentando tatear algo mais nobre na (des)graça. Tentar perceber mais de Deus nesta história que a nós é da ordem do horror, mas que pode ser uma bela obra de arte do Autor da Vida. Tentar encontrar mais perguntas que despertem o interesse por Deus, do que encontrar respostas prontas e requentadas de uma religiosidade que cheira ao humano.

Se esta foi a vontade de Deus... pura e simples, sem explicações, sem lições ou sem moral. É fato que nos perdemos muito em tentar responder as ações de Deus. Temos que reconhecer que quase sempre não entendemos o que Deus está fazendo. Os intentos dEle são infinitamente superiores ao nosso, e Ele não tem que ficar explicando nada para nós, humanos. Ele rege a história como lhe apraz. Deus não está brincando de charadas, em que nós temos que ficar criando respostas por tentativa e erro. E, por mais que soe entranho, temos que admitir a possibilidade de Deus ter sido o protagonista do roubo da Kombi por razões que acredito nunca entenderemos. Quem sabe, fico apenas a imaginar, se com este roubo aqueles ladrões vão de alguma forma se encontrar com Cristo, e então, o roubo da Kombi se torna insignificante e ao fim tenha a Kombi se tornado mais útil ao Reino.

Se este roubo na verdade foi é um livramento... O fim desta história poderia ter sido pior, poderia estar escrevendo sobre a morte do condutor da Kombi, ou quem sabe relatando sobre visitas a UTI de um hospital. Então, por esta razão, este seria o momento oportuno para dar graças a Deus por ter sido apenas a Kombi a vitimada. E por mais que não se diga por ai, pessoas ainda são mais importantes que coisas. Após uma semana do roubo parei para analisar as interpelações dos que recebiam a notícia que a Kombi havia sido roubada, e poucas foram as pessoas que interromperam o discurso perguntando se alguém se feriu (inclusive eu mesmo não fiz este questionamento no momento que recebi a trágica notícia). É perceptível a diferença entre o desespero dos que restringem a informação ao fato da Kombi ter sido roubada, e o suspiro de alívio dos que percebem que ninguém se feriu.

Se o roubo da Kombi fora para novamente nos angustiarmos pela compra de outra... Digo angustiar, pois para comprar a nossa primeira Kombi em dezembro de 2009 (Kombi usada, muito usada – 2000/2000, R$ 15,000.00 reais) tivemos que fazer por mais de um ano rifas, cantinas, jantares, pedir ofertas publicamente, nos humilharmos (na época pessoas postaram no site dizendo que era vergonhoso o que estávamos fazendo, pedindo dinheiro para a compra de uma Kombi - entre outras forma de depreciação de nossa incapacidade financeira). Angustiar, pois já fazia quase um ano que estávamos tentando comprar outra Kombi quando a primeira pifou de vez (julho de 2013). Angustiar porque ficamos meses em silêncio sem saber o que fazer, quando inesperadamente recebemos de presente uma Kombi nova, zero km, tirada da concessionaria em novembro de 2013 (Kombi esta que foi roubada em junho de 2014). Angustiar por ter que outra vez depender da generosidade dos irmãos. Angustiar por mais uma vez ter que esperar a ação de Deus. Angustiar por não saber o que fazer. Angustiar por ter que esperar.

E por fim, se tudo que escrevi neste texto não seja o que de fato é... Disto não saberemos por agora. Somos pessoas finitas que olham para os fatos a partir de nossas experiências e de como entendemos que Deus se relaciona. E nisto, não temos certezas, apenas especulações. Deus não é muito dado a revelar o que Ele está fazendo, não que isto deponha contra Ele, pelo contrário, isto só denuncia que “...os meus [de Deus] pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus [de Deus] caminhos, diz o Senhor. Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus [de Deus] caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus [de Deus] pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” - Isaías 55:8-9 (ARCF) – destaque do autor.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 30 de Junho de 2014

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Jesus, Judas e eu

“Então, Judas, que haveria de traí-lo, disse: ‘Com certeza não sou eu, Mestre!’ Jesus afirmou: ‘Sim, é você’. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Eu te saúdo, Rabi; e beijou-o”.
Mateus 26:25,49 (NVI)

Há personagens bíblicos que ocupam lugar de destaque nas homílias dominicais: Davi, Paulo, Abraão, Estevão, Moisés, Pedro, Isaias, João, para citar alguns. De contrapartida há figuras na narrativa bíblica que são relegadas ao gênero demonizante do mau, da ordem do desprezo, personagens a quem nos referimos sempre de forma pejorativa, a saber: Saul, Judas, os amigos de Jó, o outro ladrão na cruz (o que zombou de Jesus), Caim, os religiosos dos tempos bíblicos (fariseus, saduceus, zelotes, etc). É obvio que preferimos o primeiro grupo, pois fomenta os discursos de vitória, conquista, superação, fé, convicção, espiritualidade, entre outras virtudes. Contudo, não podemos negar que em nós mesmos habita o traidor, o orgulhoso, o independente, o corrupto, o maldoso, o assassino, o ganancioso, o prepotente, coisas das quais julgamos que se não forem ditas (verbalizadas) não terão consequências, nem serão perceptíveis aos demais. Ledo engano, somos o que somos – o Carpinteiro sabe disto, e, todos a nossa volta vêem isto.

Na galeria dos “indesejados da fé” (referência inversa à galeria dos “heróis da fé” de Hebreus 11), se destaca Judas Iscariotes, pois fazer o que ele fez, trair e vender o Mestre, merece ocupar o top one na lista dos piores, até porque há suicídio envolvido na trama da história e isto faz ganhar ares de inferno (razão esta que não se têm notícias de alguém, após ele, ter recebido, ao nascer, o nome de Judas). Ele é o pior, fora corrupto, traidor, ganancioso, mentiroso, farsante, sínico, agente duplo, entre outras desvirtudes notórias no texto bíblico. Contudo, ao olhar no espelho percebo que tais desalentos não são sombras de um passado neotestamentário distante como, às vezes, se prega nos domingos. Existe mais de Judas em mim do que admito. Há mais deste pervertido pecador em mim do que reconheço publicamente. Tem mais deste suicida perverso em mim do que gostaria que tivesse. Talvez esta seja a razão porque desdenhamos tanto Judas, ele se parece muito conosco (se parece comigo!), e sempre tentamos não parecer com quem somos, pois achamos que isto escandaliza a fé – dai surgem às máscaras que tanto embelezam o teatro eclesiástico tupiniquim.

Judas é mais que um personagem, é uma tipificação do ser gente. Judas denuncia nossas contradições existências, que mesmo estando tão perto de Jesus vivemos tão longe dEle. Judas faz transparecer nossa falsa espiritualidade e comprometimento, que ao ver pecadores banhar os pés de Jesus com o perfume do arrependimento, propõem algo mais nobre aos moldes dos padrões crenteiro, como se fosse possível haver algo mais especial que ver pecadores quebrantados. Judas demonstra nossa fácil corruptibilidade, que barganha o inestimável convívio com o Mestre por qualquer migalha, tipo 30 moedas de prata (dinheiro equivalente na época ao valor de um terro de médio porte, nada muito grande ou pomposo), ou por qualquer outra sensação de adrenalina pecaminosa. Judas é mais que uma pessoa para apontarmos dedos acusadores e borrifarmos nossa pretensa superioridade de santidade, ele é um espelho que não gostamos de olhar, mas que reflete com exatidão quem somos.

Judas clarifica o quanto é possível conviver, ouvir, integrar ao rol dos discípulos, ocupar cargos de destaque no Reino e mesmo assim ser um farsante. Contudo, o mais estranho em toda narrativa acerca de Judas é perceber que Jesus sabia de tudo isto. Todas as mazelas interiores do Judas não causaram surpresa para Cristo, Ele sabia quem era Judas deste o início – provavelmente esta seja a razão por que Cristo o escolheu, ou seja, para entalhar na história humana o conceito mais emblemático de todos os tempos: a Graça. Não há nenhum relato de Cristo tratando Judas de forma distinta (negativa) em relação aos demais apóstolos (mesmo sabendo quem Judas era), Ele o amou como amou João, Maria Madalena ou qualquer outro dos pequeninos. E, mesmo quando no auge do drama, o beijo da morte que afagou o rosto de Cristo, ainda o Carpinteiro exalou Graça para gente como Judas, gente como eu ou você, leitor.

Enfim, Judas suicidou. Não porque ficou com medo de sofrer retaliação dos grupos pró-cristo da época; não porque teve consciência de que 30 moedas era pouco pelo feito; não porque sentiu remorso ou arrependimento por ter entregado Jesus. A verdade é que Judas não suportou a certeza do amor de Cristo; não conseguiu conviver com a não meritocracia do perdão do Mestre; ele, então, descobriu as Boas Novas. O espanto e a consciência de que a Graça insiste em perseguir gente como ele, o fez entrar em profunda crise que teve seu fim na forma mais trágica de desespero/angústia, o suicídio - esta foi à tentativa de fugir da Graça que o iria atormentar pelo resto da vida. Por tudo isto, a história de Judas é fascinante, pois denuncia quem eu sou, e quem Jesus é.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 11 de Junho de 2014