“Os passos do homem são dirigidos pelo
Senhor. Como
poderia alguém discernir o seu próprio caminho?”
Provérbios 20:24 (NVI)
Provérbios 20:24 (NVI)
Oh! Dona Morte, passado algumas semanas de nosso inconcluso diálogo (referência
ao artigo “em diálogos com a morte”) nos encontramos outra vez. Nosso lance
agora foi arquitetado por ocasião do falecimento do meu avô, vovô Sally, como o
chamava (o outro avô, vovô Floro, como era conhecido, tivera seu encontro final
em meados de 2004) – a partir de hoje só serão lembranças e uma inquietante
saudade sobre a figura de avô. Por esta razão me atreverei a rascunhar umas poucas
linhas de desatino frente a seu atrevimento mortal e daqui desferir minhas insanas reflexões sobre você, Dona Morte.
Afinal nosso encontro ainda vai acontecer, data esta que só o Carpinteiro sabe.
Até este dia chegar (!), só me resta te ver pelas frestas da história, e é
exatamente desta fissura que estaco as afirmações que se seguirão sobre o culto
fúnebre, redefinindo seu papel nesta celebração narcisista da morte,
reconfigurando os verdadeiros protagonistas desta homilia mórbida e
redescobrindo a sutileza amorosa do plano maior dAquele que é atemporal.
Primeiro, Dona Morte, o culto fúnebre não deveria ter este nome, nomenclatura
que enfinca no pedestal a sua pessoa. Não é você a personagem a ser celebrada,
mas sim a Dona Vida. Se houve morte é porque houve vida. Neste sentido, você
nunca será causa, por isto não
deveria ser um culto a sua pessoa. A morte não anula o que se viveu, simplesmente
fecha o livro, como que se fosse um hábil escritor que após ter concluído sua
obra prima fecha-a com gratidão, anseio e serenidade, sabendo que a obra está
belamente concluída. Se nos reunimos envolta de um caixão não é por você, Dona
Morte, mas sim porque como bons leitores da vida ao chegarmos ao fim de uma
literatura existencial ainda queríamos mais uns capítulos, mais uma lauda quem
sabe, ou apenas mais umas poucas palavras – coisas da Dona Vida. Contudo, você,
Dona Morte, outra vez tenta roubar a cena e se exibe aos olhos temerosos da
plateia, espalhando sua dor nos corações dilacerados e semeando desestabilidade
rente aos planos de papel feito por
homens e mulheres – coisas da Dona Morte.
Segundo, Dona Morte, nestes cultos fúnebres mesmo com tamanha e inevitável
dor ainda sim você recebe apenas um lugar de coadjuvante na celebração, pois o
poder da vida e da morte pertence ao Único. Então, a Ele rendemos nossa gratidão
pelo tempo de vida que aprouve a Ele conceder, pois como bem asseverou Jó: "Saí
nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou;
louvado seja o nome do Senhor" – cf.
Jó 1:21 (NVI). Dona Morte, você com sua mortífera pretensão se achava o centro
da liturgia. Ledo engano. Reunimo-nos aos pés da cruz, sob a certeza da Graça;
refugiamos nossa esperança na misericórdia dEle, choramos junto ao Consolador;
cantamos o Evangelho, fixamos nossos olhos na eternidade; Gritamos nossas impotências
de ser, recebemos abrigo no Grande Eu Sou; Lamentamos o fracasso de nossos
planos, encontramos o Caminho sobre modo excelente; Labutamos ante nossa
fragilidades, esbarramos nossa humanidade no Sacrifício perfeito. Oh! Dona Morte,
mesmo no fim os nossos olhos estão fixos no Autor da Vida.
Terceiro, Dona Morte, lá no culto fúnebre, às vezes (pouquíssimas vezes
– não se gabe), parece que você só está num cantinho, acanhada e tímida como
que dizendo para os presentes: difícil não é morrer, mas sim viver. Até porque
se morte não é causa, torna-se imprescindível
rever como se vive. Quem sabe, dentro de seus dotes esta seja uma das mais
valorosas virtudes, fazer os vivos repensarem. Salomão sabia disto e afirmou: “É
melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o
destino de todos; os vivos devem levar isso a sério!” – cf. Ec 7:2 (NVI). Numa sociedade de expectadores assistir a morte trabalhar pode fazer-nos
dar as mãos em solidariedade e tolerância; num mundo de capitalismo animalesco comprar o ingresso de um culto fúnebre pode fazer-nos entender que há algo de
mais valioso na vida que o dinheiro; num contexto de conquista individuais a
coletividade de um culto fúnebre pode fazer-nos descobrir a fraternidade do
ombro amigo. Enfim, Dona Morte, termino esta reflexão com a mesma certeza inconclusa
de outrora de que ainda não te entendi muito bem. Mas, sei que ainda teremos outros
diálogos, então, até lá...
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 16 de Maio de 2013
Artigo escrito em: 16 de Maio de 2013