sexta-feira, 17 de maio de 2013

Palavras antes do adeus


“Os passos do homem são dirigidos pelo Senhor. Como poderia alguém discernir o seu próprio caminho?”
Provérbios 20:24 (NVI) 

Oh! Dona Morte, passado algumas semanas de nosso inconcluso diálogo (referência ao artigo “em diálogos com a morte”) nos encontramos outra vez. Nosso lance agora foi arquitetado por ocasião do falecimento do meu avô, vovô Sally, como o chamava (o outro avô, vovô Floro, como era conhecido, tivera seu encontro final em meados de 2004) – a partir de hoje só serão lembranças e uma inquietante saudade sobre a figura de avô. Por esta razão me atreverei a rascunhar umas poucas linhas de desatino frente a seu atrevimento mortal e daqui desferir minhas insanas reflexões sobre você, Dona Morte. Afinal nosso encontro ainda vai acontecer, data esta que só o Carpinteiro sabe. Até este dia chegar (!), só me resta te ver pelas frestas da história, e é exatamente desta fissura que estaco as afirmações que se seguirão sobre o culto fúnebre, redefinindo seu papel nesta celebração narcisista da morte, reconfigurando os verdadeiros protagonistas desta homilia mórbida e redescobrindo a sutileza amorosa do plano maior dAquele que é atemporal.

Primeiro, Dona Morte, o culto fúnebre não deveria ter este nome, nomenclatura que enfinca no pedestal a sua pessoa. Não é você a personagem a ser celebrada, mas sim a Dona Vida. Se houve morte é porque houve vida. Neste sentido, você nunca será causa, por isto não deveria ser um culto a sua pessoa. A morte não anula o que se viveu, simplesmente fecha o livro, como que se fosse um hábil escritor que após ter concluído sua obra prima fecha-a com gratidão, anseio e serenidade, sabendo que a obra está belamente concluída. Se nos reunimos envolta de um caixão não é por você, Dona Morte, mas sim porque como bons leitores da vida ao chegarmos ao fim de uma literatura existencial ainda queríamos mais uns capítulos, mais uma lauda quem sabe, ou apenas mais umas poucas palavras – coisas da Dona Vida. Contudo, você, Dona Morte, outra vez tenta roubar a cena e se exibe aos olhos temerosos da plateia, espalhando sua dor nos corações dilacerados e semeando desestabilidade rente aos planos de papel feito por homens e mulheres – coisas da Dona Morte.

Segundo, Dona Morte, nestes cultos fúnebres mesmo com tamanha e inevitável dor ainda sim você recebe apenas um lugar de coadjuvante na celebração, pois o poder da vida e da morte pertence ao Único. Então, a Ele rendemos nossa gratidão pelo tempo de vida que aprouve a Ele conceder, pois como bem asseverou Jó: "Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor" – cf. Jó 1:21 (NVI). Dona Morte, você com sua mortífera pretensão se achava o centro da liturgia. Ledo engano. Reunimo-nos aos pés da cruz, sob a certeza da Graça; refugiamos nossa esperança na misericórdia dEle, choramos junto ao Consolador; cantamos o Evangelho, fixamos nossos olhos na eternidade; Gritamos nossas impotências de ser, recebemos abrigo no Grande Eu Sou; Lamentamos o fracasso de nossos planos, encontramos o Caminho sobre modo excelente; Labutamos ante nossa fragilidades, esbarramos nossa humanidade no Sacrifício perfeito. Oh! Dona Morte, mesmo no fim os nossos olhos estão fixos no Autor da Vida.

Terceiro, Dona Morte, lá no culto fúnebre, às vezes (pouquíssimas vezes – não se gabe), parece que você só está num cantinho, acanhada e tímida como que dizendo para os presentes: difícil não é morrer, mas sim viver. Até porque se morte não é causa, torna-se imprescindível rever como se vive. Quem sabe, dentro de seus dotes esta seja uma das mais valorosas virtudes, fazer os vivos repensarem. Salomão sabia disto e afirmou: “É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a sério!” – cf. Ec 7:2 (NVI). Numa sociedade de expectadores assistir a morte trabalhar pode fazer-nos dar as mãos em solidariedade e tolerância; num mundo de capitalismo animalesco comprar o ingresso de um culto fúnebre pode fazer-nos entender que há algo de mais valioso na vida que o dinheiro; num contexto de conquista individuais a coletividade de um culto fúnebre pode fazer-nos descobrir a fraternidade do ombro amigo. Enfim, Dona Morte, termino esta reflexão com a mesma certeza inconclusa de outrora de que ainda não te entendi muito bem. Mas, sei que ainda teremos outros diálogos, então, até lá... 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 16 de Maio de 2013

terça-feira, 14 de maio de 2013

Teologia é do Capeta (!?!)


"Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto; Os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns. Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade”.
II Timóteo 2:15-19 (ACF)

O título deste artigo é propositalmente polêmico a fim de atrair para uma inquietante conversa dois grupos incomunicáveis que coexistem na Lavoura de Deus. De um lado, os que entendem que o estudo teológico prejudica a fé das pessoas e as tornam mais frias na igreja, para estes “teologia é do Capeta”; do outro lado do ringue estão os teólogos, que defendem ter na teologia a cura para o câncer eclesiástico que corrói as doutrinas bíblicas, para estes “teologia é de Deus”. Esta tentativa de dialética que se desdobrará nas linhas que se seguirão pode ser útil para entender as razões e os porquês de a teologia ser objeto de ódio para alguns e de esperança para outros. A rotulação simplista de categorizar “do Capeta” ou “de Deus” não é suficiente para saciar a dúvida dos muitos evangélicos que povoam as igrejas tupiniquins. É preciso ir além, é necessário por um lado, sair da superficialidade determinista e do legalismo autocrático; e é necessário por outro lado sair do tecnicismo teórico e do superego do saber.

Teologia é do Capeta! Esta exclamação é pertinente quando se senta ao lado de pastores que tiveram suas igrejas dilaceradas por grupos de teólogos (e/ou seminaristas) que, no ímpeto de propagar as novas descobertas acerca do Evangelho em suas comunidades locais, se esqueceram de que enfiar guéla abaixo alimento sólido em quem só comia papinha é provocar reações tipo: rejeição, indigestão, quando não engasga e sufoca. Estes teólogos da indigestão se esquecem de que há tempo para tudo nesta terra (cf. Ec. 3), tempo inclusive para desconstruir heresias e tempo para construir o alicerce para o entendimento da verdade. É, portanto, passivo de compreensão quando se escuta pastores afirmarem serem contra o estudo teológico, pois uma teologia que não é capaz de produzir edificação aos cristãos e nem responder aos anseios sociais dos que os rodeiam não poderia ser chamada de teologia.

Teologia é do Capeta! É mais real para alguns líderes eclesiásticos acreditarem nesta proposição do que admitirem ser a teologia algo de Deus, pois alguns estudiosos da Bíblia se esquecem de que mais importante que saber o que é certo, é fazer o que é certo. Tristemente, há aqueles que são amantes do discurso, são estes os que têm solução para todos os problemas da igreja na pós-modernidade, mas nunca fazem nada em suas igrejas locais; são estes os que se sentam em suas cátedras teológicas e dali desmerece o esforço dos missionários/evangelistas que foram para as periferias, mas jamais ousaram sujar seus sapatos anunciando o evangelho aos pobres; são estes os que apontam o dedo, mas encolhem a mão. Por isto, não é mais tão estranho quando se ouve alguns grupos cristãos se posicionarem contra os teólogos afirmando serem estes os precursores da Besta, pois afinal de contas, as pessoas escutam mais o que fazemos do que o que falamos.

Teologia é do Capeta! Enfim, há alguns que preferem acreditar em tal alínea não por causa dos maus exemplos de alguns teólogos ou seminaristas, mas sim porque historicamente um povo sem instrução é mais fácil de ser manipulado. Para alguns mercenários da fé o fato de proibir os membros de estudar teologia é a maneira ideal de fazê-los não conhecerem a Verdade e viverem assim dependentes das pregações dominicais e da (des)orientação pastoral. Neste ambiente alienado uma afirmação do tipo, “teologia é do Capeta”, proferido pelo ditador eclesiástico é absorvida de forma plena, irrevogável e irracional pelas massas evangelicais. Para estes donos de igrejas a demonização dos cursos de teologia é a fuga perfeita para evitar pessoas críticas que não tolerarão a barganha espiritual e nem cederão ao canto da sereia dos que usam a igreja como meio de corrupção sacerdotal. A assombrosa realidade é que algumas igrejas se tornaram o ponto de encontro de pessoas que rejeitam suas faculdades intelectuais por erroneamente julgarem isto contrário ao pressuposto da fé, estes se tornam presas vulneráveis aos abutres da fé que se deliciam com o cheiro fétido da carniça eclesiástica.

Teologia é do Capeta? É no mínimo antagônico e completamente contrário admitir que o estudo teológico seja obra do Diabo, pois em linhas gerais a teologia é a ciência que se ocupa do estudo acerca de Deus e da sua relação com a criação. Como, então, poderia ser isto fruto do Maligno? O estudante da bíblia é por essência alguém com profunda sede de Deus e com demasiado interesse de melhor servi-lO na fraternidade da Igreja; estes são pessoas que escolheram atender o chamado de Deus e sendo assim intencionalmente optaram em se oporem ao mundo e seus prazeres a fim de honrar o Criador com suas vidas de forma racional e espiritual; estes são aqueles que sentiram tamanho constrangimento frente à obra salvífica de Cristo no Gólgota que não lhes restou outra resposta a não ser ofertar suas próprias vidas a fim de conhecer (leia-se interagir, imergir) mais dEle com o propósito único de agradá-lO, honrá-lO e reverenciá-lO.

Teologia é do Capeta? Como poderia ser, se a figura do teólogo é algo análogo à figura do apologista (defensor da fé) tão fortemente destacado no contexto do Novo Testamento. Ser teólogo é engrossar a fileira dos que lutam pela fé evangélica (cf. Fp. 1:27) e fazem de seus discursos uma afronta aos que querem usar do Evangelho como fonte de enriquecimento em detrimento da boa fé dos fiéis; ser teólogo é ter a coragem de criticar os movimentos megalomaníacos que engorduram as estratégias de liderança para o crescimento de igrejas sem levar em consideração a genuína conversão como fator primordial para o ingresso destes na comunidade batismal. Ser teólogo é ousar não se calar frente às injustiças sociais provocadas pela sociedade capitalista, bem como pelas igrejas capitalistas, que insistem em usar do Evangelho como fonte de discriminação, racismo, preconceitos e demonização das classes sociais menos favorecidas.

Teologia é do Capeta? Definitivamente não é! Contudo, alguns por falta de conhecimento de causa são tendenciosamente levados a acreditar nesta mentira do Capeta. Alguns preferem endiabrar os teólogos, pois na verdade querem rejeitar o estudo (i.e. pensar), pois acreditam em uma fé subjetiva, mística e empírica, assim, encontram uma irracional religiosidade que configura no caminho perfeito para fugir da responsabilidade, da consciência e do raciocínio. O desafio do cristão é estar “...sempre preparado para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós...” – I Pe. 3:15. O texto é sumariamente importante, pois enfatiza a necessidade de se estar preparado, de ser capaz de responder com temor aos que questionam sobre a fé, e de estar apto a argumentar acerca da razão da esperança que fundamenta a crença. Postulados estes que só serão adquiridos por meio de uma metodologia intencional de estudo, mediante a dedicação acadêmica e de esmero na interpretação bíblica. É exatamente para isto que existem os seminários teológicos, ou seja, para formar cristãos que sejam teólogos, preparando-os para os desafios do presente século.

A igreja brasileira precisa urgentemente voltar a estudar a Palavra de Deus antes que seja tarde demais e cheguem dias em que os tupiniquins serão destruídos pela ira de Deus e os nossos sacerdotes serão rejeitados pelo Dono das Ovelhas (cf. Ez. 34). Algo muito semelhante com o que houve no contexto de Oséias: “O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos” – Os. 4:6. Então, o assustador/temor não é admitir, erroneamente, que teologia é do Capeta, mas sim que teologia é de Deus, pois sendo assim reportaremos nossa consciência, nossos discursos e nossas vidas a Ele, e “horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo” – Hb. 10:31. Por isto, para ser teólogo é necessário mais que aptidão acadêmica, é imprescindível ter reverência; é necessário mais que boa oratória, é imperativo vivenciar a Palavra; é necessário mais que a crítica, é mister se autocriticar; é necessário mais que discussões sobre Deus, é preciso conhecê-lO.

Então, “teologizai-vos”. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 30 de Março de 2011

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Entendendo o analfabetismo bíblico no Brasil


“Por essa razão, desde o dia em que o ouvimos, não deixamos de orar por vocês e de pedir que sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual”.
Colossenses 1:9 (NVI) 

Nas periferias brasileiras se encontram a maioria dos aglomerados de analfabetos. Fato este que agrava a desigualdade social e abafa as perspectivas de vidas destes que vivem marginalizados. Paradoxalmente (e divinamente) foi neste cenário educacional caótico que a Igreja Brasileira conseguiu se estabelecer e crescer, principalmente a linha evangélica denominada Pentecostal. Há pesquisadores que admitem que a Igreja se tornou o ponto de referência para estas comunidades em estado de vulnerabilidade social, pois nas periferias há ausência do Governo, pouca infra-estrutura e distanciamento dos centros acadêmicos, entre outras faltas. Assim, nas periferias brasileiras surgiu a Igreja, como que sendo uma “luz no fim do túnel” do analfabetismo e combatendo a desigualdade social.

A Igreja se estabeleceu nas periferias como um ponto de reconstrução e reintegração social. Assim sendo, a proposta eclesial se demonstrou nobre e satisfez pressupostos bíblicos. Contudo, para que tal iniciativa pudesse influenciar de forma significativa as comunidades carentes seria necessário um grupo de pessoas capacitadas intelectualmente e teologicamente, o que invariavelmente não aconteceu. As grandes igrejas que tinham condições de fazer algo para diminuir o analfabetismo ou de minimizar as discrepâncias sociais não quiseram sair da redoma de conforto presente nas igrejas dos centros metropolitanos. O resultado era inevitável, surgiu nas periferias um novo modelo de analfabetismo, que será denominado: analfabetismo bíblico.

O analfabetismo bíblico surge originalmente desta incapacidade intelectual e teológica dos grupos religiosos das periferias, que por vez foram intencionalmente “esquecidos” pela própria cristandade mais abastada. Por uma ausência de discipulado, os líderes evangélicos das periferias tiveram que aprender sozinhos como entender a bíblia, mesmo sem entender de língua portuguesa. Estes analfabetos igreijeiros de baixa classe social às vezes conseguem ler o texto bíblico e quase sempre não conseguem interpretar. E então, por falta de orientação espiritual e lingüística, eles distorceram e distorcem os textos bíblicos, ou pior, como não sabem interpretar, a “válvula de escape” mais tangível foi espiritualizar o texto por meio das famosas “revelações”.

Estes analfabetos bíblicos são frutos do desapreço da Igreja Brasileira. As igrejas deveriam ter desenvolvido um bom plano educacional de alfabetização, e posteriormente um excelente plano educacional de teologia. Por esta ausência lingüística e teológica tem-se que admitir que interpretar erroneamente os textos bíblicos foi o único caminho que estes cristãos da periferia conseguiram trilhar para não perderem a fé. Culpar os marginalizados por não usarem os princípios hermenêuticos para corretamente interpretar as Sagradas Escrituras é no mínimo fingir não ver a realidade social em que estes estão inseridos. Os analfabetos bíblicos da periferia são antes de qualquer coisa analfabetos lingüísticos, ou seja, eles erram por falta de conhecimento e por serem indubitavelmente limitados gramaticalmente.

O caminho de volta para refazer as lacunas do analfabetismo bíblico nas periferias parece ser dificílimo, pois várias destas igrejas desfrutaram de um crescimento numérico. E, tristemente, a numerolatria – veneração por crescimento numérico na igreja – se tornou o “fiel da balança” para mensurar se algo está certo ou errado na cristandade tupiniquim. Sendo assim, tristemente, os olhos estão postos no fim, não no meio, e como o fim é distante demais para se realmente ver é mais cômodo acreditar que “vai dar tudo certo” e que este analfabetismo bíblico das periferias é apenas a “multiforme graça de Deus” e/ou maneiras de se viver a “liberdade cristã”. Assim, um grande erro eclesiástico se tornou mais aceitável pelas cegas massas evangelicais brasileiras.

Os que ingenuamente são analfabetos bíblicos por falta de iniciativas sociais podem reescrever uma nova história nas periferias do Brasil, pois o que lhes faltam é somente qualificação, e isto se adquire em cursos. Contudo, há outro tipo de analfabeto bíblico que não se encontra nas periferias brasileiras, mas sim nos grandes centros urbanos do país. O segundo tipo de analfabetos bíblicos é o que realmente destroem a Igreja, pois estes têm conhecimento da verdade, mas intencionalmente distorcem a mensagem bíblica a fim de ludibriar os fiéis. Estes são analfabetos por convicção e conseguem tornar rentável a distorção de textos sagrados, anulando completamente os princípios básicos da hermenêutica bíblica. Os analfabetos bíblicos das periferias o são por falta de oportunidades, os analfabetos bíblicos dos centros urbanos o são por desmoralização.

Os analfabetos bíblicos dos centros urbanos são pessoas altamente instruídas linguisticamente, mas completos ignorantes no que tange à teologia e estudo bíblico. A premissa básica para que haja a proliferação destes analfabetos bíblicos é simples, pois um povo sem instrução bíblica é facilmente manipulável. Um povo sem direção teológica acredita em tudo sem questionar as reais intenções por detrás das engenhosas oratórias dos líderes. Uma igreja sem conhecimento profundo das Sagradas Escrituras precisa ficar motivando as pessoas todos os domingos, o que os torna altamente dependentes de programas eclesiásticos dominicais.  Um arraial sem cultura teológica prefere sentir a ter que pensar, preferem música a ter que ouvir pregações, preferem o lúdico a ter que utilizar a caneta.

Os analfabetos bíblicos dos centros urbanos são enfermos demasiadamente perigosos e autodestrutivos para a cristandade. Estes vivem numa pandemia degenerativa, pois desconstroem a centralidade bíblica no seio da igreja, incitam uma neurose desmedida aos líderes, se valem da fé como meio de satisfação pessoal e contaminam a verdade salvífica de Cristo Jesus. Estes analfabetos bíblicos dos centros urbanos visam enfraquecer as massas com a ausência de Bíblia nos cultos, evitando assim que as pessoas sejam seres pensantes e agentes de transformação. Estes sempre discursam mensagens que não tem implicação fora do ambiente eclesiástico dominical, o que provoca um retardo espiritual incalculável nos ouvintes.

Os analfabetos bíblicos dos centros urbanos são cristãos sem os pilares da teologia o que favorece imperceptivelmente a proliferação do sincretismo religioso. Por exemplo: a oração pelo copo com água – prática do espiritismo que visa à fluidificação da água o que supostamente ajuda no equilíbrio do corpo físico e espiritual; o comércio de relíquias sagradas (e.g. arca da aliança, cruz e etc) – práticas do catolicismo romano medieval que visam a personificação do sagrado e a aproximação com o divino; a veneração pelo templo como Casa de Deus – prática do judaísmo que entendia que Deus habitava literalmente e limitadamente no Templo, por isto o salmista carinhosamente o chamou de Casa de Deus (cf. Sl 122:1).

As causas deste analfabetismo bíblico dos centros urbanos são inúmeras, mas todas têm uma mesma origem: líderes despreparados teologicamente. Algumas mudanças comportamentais poderiam ajudar, por exemplo, o simples fato das igrejas exigirem dos candidatos a vocação pastoral um curso de teologia reconhecidamente competente já minimizaria substancialmente este problema. Tal alínea merece uma ressalva por atualmente haver vários cursos de teologia no Brasil que são meras fachadas acadêmicas, pois não estimulam o pensar teológico, não “provocam” os alunos a produzirem um saber bíblico e não constroem uma teologia útil para a edificação da Igreja.

A banalização do título de pastor no Brasil foi outro fator que corroborou de forma expressiva para a sedimentação dos analfabetos bíblicos nas igrejas tupiniquins. Há tempos atrás era exigido um compêndio de exigências morais, éticas, familiar, espirituais e teológicas dos candidatos ao episcopado. Atualmente, as ordenações em muitas denominações evangélicas brasileiras se resumem em nepotismos e interesses políticos. A falta de exigências intelectuais e espirituais favoreceu a banalização do título de pastor, mas não anulou o poder de influência deste sobre as massas. Daí tem-se analfabetos bíblicos pastoreando ovelhas que por “tabela” o serão também.

E por fim, há analfabetos bíblicos no Brasil, pois os brasileiros por natureza confundem incapacidade crítica com ser receptivo, confundem falta de convicção com ser compassivo e confundem desinteresse social com ser tolerante. O que a igreja brasileira está precisando é de bons pastores-professores de teologia que sejam apaixonados pela Igreja ao ponto de não desistirem dela. Precisamos é de educadores teológicos que sejam capazes de criticar os erros da igreja brasileira, mas que descortinem um caminho melhor, possível e mais bíblico. Pastores-professores que sejam alfabetizados biblicamente ao ponto de se disporem a lutar por uma (re)construção intelectual e espiritual no seio da Eclésia, quer estes estejam na periferia ou nos centros urbanos. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 20 de Setembro de 2009

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Brasil que não vejo

Que grande inutilidade! diz o Mestre. Que grande inutilidade! Nada faz sentido! O que o homem ganha com todo o seu trabalho em que tanto se esforça debaixo do sol?”
Eclesiastes 1:2,3 (NVI)
 


Ontem (1° de Maio de 2013 – Dia do Trabalhador), a presidente Dilma Rousseff fez, como é costumeiro, o discurso para os trabalhadores brasileiros. E, como não poderia ser diferente, discursou com um sorriso peculiar aos comerciais de Bancos e com um otimismo utópico e até folclórico. Acredito que o referido discurso deva ter bases estatísticas comprováveis e fundamentação em pesquisas reais, mesmo que ao assistir o pronunciamento fiquei a perguntar que país é este que esta presidente se refere com tanto entusiasmo. Digo isto não desmoralizando a presidente e nem as pesquisas que embasaram seu lúdico discurso. Minha indagação e indigestão se dão pelo fato de que não é este o Brasil que eu vejo diariamente – não que isto torne a homilia presidencial errônea, são apenas brasis diferentes, muito diferentes, estratosfericamente diferentes.

A primeira inquietação se dá a partir das pesquisas que embasaram o discurso de Dilma. Obviamente que não tenho acesso as mesmas fontes, e nem precisaria para afirmar o que farei. Há questões que precisam ser respondidas sobre as pesquisas, perguntas do tipo: quem fez a pesquisa? Se o governo financia uma pesquisa sobre si mesmo é no mínimo questionável e tendencioso – não digo que forjam os dados, digo que estes não tem imparcialidade necessária para interpretar os dados. O que me preocupa não são os resultados da pesquisa, mas sim sua interpretação e intenção interpretativa. Outra questão: Aonde foram feitas as pesquisas? O Brasil é territorialmente imenso o que faz surgir vários brasis diferentes, contraditórios e paradoxais. Fazer “médias matemáticas” pode não ser um caminho viável, pois exclui e mascara as fragilidades dos marginalizados e das minorias étnicas-sociais. Por isto ratifico, pesquisas são importantes para diagnósticos, mas é preciso pesquisar as bases da pesquisa.

Pelo exposto no parágrafo anterior arriscarei a descrever o Brasil de cá. A Dilma afirma que melhoramos a qualificação acadêmica de nossos trabalhadores. Ela deve se referir a mais gente ter curso superior, se for isto, a afirmação está coerente. Contudo, se a intenção for afirmar que mais gente tem qualificação, que mais pessoas têm competências conceituais, que mais gente está preparada para o mercado de trabalho... se for isto, ai tenho minhas convictas dúvidas. O MEC tem autorizado cursos superiores de um ano de duração, que devido as férias dão na verdade apenas 10 meses – a duração em si não é o problema, pois este tempo bem estudado, com boas referências bibliográficas e com discentes comprometidos academicamente, talvez, daria certo nos padrões da objetividade moderna. Este comentário se aplica também a Educação a Distância, que em sua maioria tem provas e questionários avaliativos infantis e decorativos. Outro problema neste viés é que parece que não se pode reprovar mais alunos. Nas Instituições Privadas reprovar a aluno é convida-los a desmotivar nos estudo (frágil ser estudantil) e provavelmente desistir (ameaça e melodrama financeiro) – leia-se perca de receita. Nas Instituições Públicas as reprovações agregam índices numéricos que interferem diretamente no redirecionamento de verbas publicas, benefícios governamentais e eleições internas.

O fato de ter mais pessoas com curso superior não nos torna um país melhor, não necessariamente. Ainda tem que se questionar o nível acadêmico-social em que nossos alunos estão chegando às Universidades. Em nossa peregrinação fraterna por meio de nossa Organização não Governamental (Missão Tocando as Nações) temos acompanhado alunos da educação infantil e juvenil em comunidades em estado de vulnerabilidade social. Neste Brasil de cá em que convivemos é normal encontramos jovens de 16 anos que não sabem ler, nem escrever, muito menos interpretar textos – mesmo estando frequentando a escola; por aqui é comum crianças que só sabem folear um livro para encontrar um resposta óbvias e acrítica para perguntas sem sentidos; no Brasil de cá o “mais educação” é apenas uma bola no pátio para distrair crianças que os pais não querem tolerar o dia inteiro; neste Brasil de cá é normal escutar pais exortarem a escola a não passar atividades para casa, pois segundo estes, lugar de estudar é na escola não em casa. Dai, como que num soluço do destino, estes aparecem na educação superior, e provavelmente terminaram o breve curso superior com as mesmas deficiências – e assim vão trabalhar.

Há outra questão no discurso da Dilma que merece atenção especial é o fato de orgulhar dum país com aumento nas contratações no regime da CLT – Consolidações das Leis Trabalhistas – ou seja, trabalhar de carteira assinada. No Brasil de cá existe os dois universos, ambos com seus desafios antagônicos. Tem aqueles que conseguiram emprego com carteira assinada, mas não porque o empregador valoriza o empregado e nem porque o Brasil melhorou, é que para cá não assinar a carteira é dar margem para o trabalhador processar a empresa, fato comum já que por não haver documentação comprobatória se corre o risco de perder muito mais dinheiro num processo trabalhista, além de ter as possíveis multas que, às vezes, faz sair mais caro não assinar a carteira do trabalhador brasileiro. Também há para cá os que sonham com a carteira de trabalho, este são os verdadeiros pobres tupiniquins, que por não ter escolha preferem topar qualquer trabalho, em qualquer condição, a qualquer preço, pois precisam alimentar os da família, para cá assinar carteira é uma utopia inviável – na maioria dos casos de cá estes nem tem documentos pessoais como RG ou CPF – sendo assim nem existem para serem pesquisados.

De acordo com a Dilma o salário do trabalhador melhorou, estamos, segundo ela, erradicando a pobreza do país. Se tal proposição se refere ao quesito valor, sim – especialmente para a maioria esmagadora de trabalhadores que recebem apenas um salário mínimo, afinal todo ano o valor sobe. Entretanto, se tal afirmação quis se referir ao poder de compra dos brasileiros, ai temos que discordar invariavelmente. Esta política monetária de subir o salário mínimo todo ano não ajuda a melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, pois os produtos de necessidade básica, os serviços de entreterimento e o custo de vida sobem muito mais que o mínimo estipulado. Dai o que dava para comprar no ano passado não dá para comprar este ano, mesmo recebendo mais. Por esta razão, no Brasil de cá, os pobres estão trabalhando mais, ganhando mais, porém não estão conseguindo sobreviver. Temos assistido semanalmente famílias carentes que mesmo trabalhando tem que desligar o chuveiro e tomar banho no frio para economizar energia; famílias com crianças e adolescentes desnutridos e raquíticos no crescimento físico, pois só conseguem comer uma vez por dia – geralmente alimentos nada nutritivos. No Brasil de cá ganhar mais não significa viver melhor.

Dilma, no Brasil de cá muitas pessoas não chegam a votar, pois morrem assassinadas antes de completar a maioridade. São mortas quase sempre por causa de drogas, que no Brasil de cá está brotando da terra assim como o capim. São mães desesperadas por verem seus filhos viciando, e que tem que conviver com o roubo de suas próprias casas por seus próprios filhos para bancar o vício. São pais que de tanta descrença em medidas públicas preventivas desistem de seus filhos e enveredam pelos caminhos do alcoolismo – não sendo obviamente esta a única causa. São meninos que descobrem muito cedo que no Brasil de cá roubar e traficar dá mais dinheiro que ser honesto, e provavelmente não terão que viver na miséria que seus pais coexistem. São meninas que muito jovem conhecem a sexualidade precoce por meio da sedução dos coronéis do tráfico, preferem serem usadas como objeto sexual a terem que mendigar o pão nosso de cada dia para os reféns do mercado de drogas.

Dilma, no Brasil de cá, assistindo você de lá, não consegui entender porque seu sorriso, empolgação e entusiasmo – será que estamos no mesmo Brasil? De cá a pobreza não é estatística, é verdade. De cá a desnutrição não é gráfico, é visível. De cá o trabalho não é número, é raridade. De cá o analfabetismo não é índice, é humilhação. De cá o ensino superior não é dígito positivo, é ser mitológico lendário raro de se ver por aqui. De cá a prostituição infantil não é contabilizada, é vivência. De cá o tráfico de drogas não são indicativo, é triste certeza da morte precoce. De cá a escola não é sinônimo de educação, é um meio para receber o “bolsa família”. De cá o Dia do Trabalhador não uma homenagem, é apenas um dia de descanso, quando não o é dia de trabalho normal. De cá a fome não é contábil, é triste som que ecoa diariamente no interior de vidas secas. De cá o dinheiro não é qualidade de vida, é apenas manutenção dos carnês intermináveis em lojas diversas. De cá o sofrimento não é representado nas tabelas, é dura certeza de lágrimas que ensopam travesseiros. De cá... você, Dilma, de lá... que tal vir para cá!

De cá é muito diferente de lá! Por esta razão, de cá, alguns como nós da Missão Tocando as Nações (entre tantas outras ONG’s, igrejas e movimentos sociais) escolheram dedicar parte de suas vidas aos outros. Esperançosos em minimizar a dor de pais que perderam seus filhos para as drogas; quem sabe diminuir as mazelas existenciais de crianças que desde pequenas aprendem a se acostumar com a pobreza; quiçá intentando tatear um pouco de alegria para estes filhos da dor; eventualmente conseguindo tornar a vida menos caótica neste cenário de esquecidos; insistindo em mostrar que o amor não é uma dádiva dos abastecidos, mas sim uma opção acessível a todos; enfim, escolhemos os de cá sem nada ganhar com isto – inclusive não queremos verbas governamentais (isto mesmo que você leu!), pois temos aprendido a doar do que temos para que não sejamos assistencialistas parasitas do governo que só ajudam quando estão mamando no Governo, pessoas que fazem doação sem doar de si mesmo. Não somos contra receber verbas públicas, mas não é isto que define nossa capacidade de doação – o fazemos por causa do que somos.

Dilma...

Deve existir este lugar que você discursou, espero que exista, precisa existir... 

Mas, não é este o Brasil de cá, definitivamente... 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 02 de Maio de 2013