“Vaidade de vaidades, diz o
pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”.
Eclesiastes
1:2 (ACRF)
A percepção
normal da vida é que ao fim sejamos embalados pela morte, como que num último
ato poético da vivência. Há o entendimento que a morte é sintoma, apenas,
daqueles que desistiram de viver, como se morrer fosse um sinal de desistência
intencional. Compreende-se que a morte é
algo que ninguém quer, a não ser pelos devassos suicidas, que permanecem
destoantes dos discursos espelhados. Entendemos, então, que fomos criados para
viver isto que chamamos de vida, restringindo à morte o fim de todas as coisas,
desconhecendo os limites e intenções dAquele que nunca morrerá, e que nos
convida para à vida eterna.
A Dona Morte
não é tão demonizante como a
rotulamos historicamente e religiosamente. Talvez, a morte seja apenas um
instrumento da Graça. Uma espécie de passaporte para a verdadeira vida, tipo um
convite para algo verdadeiro. A Dona Morte bem poderia ser a agente promotora da
libertação de nossas próprias futilidades humanas. Talvez, esta seja a visão do
Eterno sobre a nossa brevidade temporal-histórica, que precisava se findar de
alguma forma, para desvelar a Verdade, dai, a coadjuvante morte aparece na
história, roubando a cena entre os mortais.
Salomão,
especialmente no livro de Eclesiastes, ao olhar para a vida, percebeu o quanto
tudo aqui, debaixo do sol, é inútil, desmetido, fútil, desvairado e incontível.
Por isto, para ele, amar a vida é tão anêmico quanto odiar a morte. É preciso
que nos reconectemos com a eternidade e dali perceber que viver ou morrer é
apenas uma questão insignificante que temos que enfrentar nos dilemas
existenciais. Portanto, viver não é tão belo como se encena, e nem morrer é tão
terrível como se teatraliza.
O Deus que
não tem início nem fim, que existe antes da eternidade, Ele que gerou vida no
Éden e predestinou o fim de todas as coisas. Ele mesmo, ao contemplar nossa
presunção de vida-morte nos convida a perceber nossa pequenez, como fez com Jó.
Qual sentido de viver? Qual o proposito em morrer? Estas questões não se
respondem pelo que conhecemos, pois não somos autônomos ou independentes de uma
História maior, incognoscível a nós. Afinal, ninguém voltou da morte para dizer
como se vive lá, nem ninguém deixou de viver para contradizer a morte. É por
isto, que toda esta espetacularização da vida-morte é pura vaidade, reitera Salomão.
Desejar
morrer não é querer suicidar (no que tange aos postos padrões categorizáveis da
sociedade contemporânea), e nem constitui num ato de desrespeito ao Autor da
Vida (como se Deus e a morte vivessem a lutar numa batalha épica pela
humanidade). Desejar o encontro com a Dona Morte é ato de bravura indômita de
gente que entende que a morte pode ser um ato de profunda reverência ao
Carpinteiro e preservação da história cristã, para além de nós mesmos.
A morte é
bem-vinda quando o pecado já é indivisível a nossa personalidade, tornando a
existência uma tormenta insuportável, com dores alucinógenas de consciência. E
não é simples abandonar os pecados que nos definem, pois os próprios pecados
são submetidos a critérios de avaliação coletiva que julga entre pecados
aceitáveis e pecados não aceitáveis. Para Deus pode até não haver diferença
entre ambos, mas para a sociedade, e para a igreja, há enorme distinção. Há
pecados com consequências diferentes, apesar da mesma natureza. Contudo, para
aqueles mortais que carregam o estigma do pecado não tolerável, a estes a busca
pela morte é uma questão de vida.
Ao conhecer
a Cristo, a vida se resignifica. Entretanto, o difícil não se converter, mas
sim permanecer convertido. E desta distinção entre um momento sui generis como a conversão para um
cotidiano convertido, há um abismo gigantesco. Então, há aqueles que percebem
que não tem para onde ir, só Jesus tem as palavras de vida eterna (conforme
acentua Pedro em Jo 6:68), porém
estranhamente seus corações e intenções vão se distanciando do Reino. Quando
estes se apercebem do quanto suas histórias perderam sentido, então buscam a
morte. Buscam-na não por demérito ou fraqueza, mas por zelo em não corromper a
eclesia em artimanhas sutis de manutenção do status quo e, principalmente, para que haja preservação dos santos
que conseguiram permanecer firmes.
A morte pode
ser um refúgio para aqueles que muito tentaram e quase sempre fracassaram. Há
quem consiga superar os mais improváveis desafios da vida e ainda sim
permanecer em pé. Parabéns para estes, mas isto não quer dizer que todos
conseguem. E contra argumentar que se alguém conseguiu, então, outros podem
conseguir, é considerar todos iguais. O que definitivamente não o somos. A
nossa idiossincrasia nos permite não conseguir o que muitos conseguem
facilmente, pois somos diferentes. Criados com propósito diferentes. Inclusive,
alguns criados como “vasos de desonra” (cf.
Rm 9:21).
Entretanto, para estes pode até ser que aceitem o destino inglório, mas não
significa que tem prazer nesta vida. Para estes a morte se torna num descanso
para uma história de desonra ao Mestre, a semelhança de Judas (cf. Mt. 27:3-5).
Há muitas
pessoas que buscam a morte, diariamente, de forma disfarçada para não serem
identificados como suicidas ou outras designações depreciativas frente aos abutres sapiens. Arriscam suas vidas de
diversas formas, esperam um acidente qualquer, aguardam um erro do sistema,
torcem para algo dar erro. Mas... ainda sim a morte foge para longe e acomete
em lugares distantes com pessoas improváveis. Isto acontece, pois a morte (assim
como a vida) não está a serviço de nossas histórias, intenções e desejos. Viver
ou morrer não são opções disponíveis a nossa temporalidade.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 19 de Agosto de 2015