domingo, 28 de outubro de 2012

Um convite para gente cansada




“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”
Mateus 11:28

A dogmática eclesiástica pós-moderna encenada pelos lideres neófitos torna-se excludente para com os fracos e de contra partida levanta-se a bandeira de um evangelho engordurado de positivismo empírico. Para os que comungam deste “soluço evangelical” o teor da mensagem do evangelho se limita ao subjetivo que invariavelmente acaba gerando sensacionalismo, intuicionismo, relativismo e misticismo. Nestes recintos não há lugar para gente cansada, fracassada, sobrecarregada ou desanimada, só há espaço para pessoas vitoriosas, corajosas e heróis. Conseqüentemente, demoniza-se os desencontros das vivências e pinta-se uma existência desprovida de imprevistos tempestivos.

Ter desejo de vencer na vida, anelar conquista maiores e buscar ser bem sucedido é inquestionavelmente uma atitude nobre. Contudo, quando esta busca por vencer se tornar fator de exclusão de outros do convívio religioso e social, torna-se imperativo questionar tal anseio. E por ser muito sutil tal segregação é quase imperceptível, pois raramente se sente falta de gente fracassada. As pregações de vitória que deveria inspirar as pessoas se tornam o fator primordial de afastamento, pois para muitos a tal “vitória” nunca passa de uma música eufórica ou de um bravejo dominical distante demais do cotidiano. Sendo assim se constrói uma religiosidade que mais se parece com um mosaico de cristal, ou seja, intocável pela maioria e inatingível por quase todos.

A estrita relação entre vitória e Deus pode culminar numa astuta homilia que intencionalmente afasta os “derrotados” da igreja, criando um corpo aparentemente imune às desventuras da vida. Entretanto, tal posição se torna danosa aos pequeninos na fé, pois se cria um postulado quase que axiomático de que vencer é ser espiritual. Portanto, quem não vive em vitórias carrega o estereótipo de uma pessoa esquecida e castigada por Deus, conseqüentemente os tais são marginalizados pelos fieis. Com certeza nada é mais maléfico a Eclésia do que a simplista posição de um Deus que ama os vitoriosos e que despreza os fracassados. A postura bíblica se apresenta contraria a tal postulado e reconstrói um Deus que insiste em buscar o doente, o fraco, o indesejado, o ladrão, o avarento, o inconstante e etc.

A vida de Jesus de Nazaré foi um exemplo clássico da manifestação deste Deus que busca encontrar o “cansado”. Quando indagado sobre o porquê convivia com gente pecadora, fracassada e doente, o Mestre responde: “Os sãos não necessitam de médico, mas, sim, os que estão doentes; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento” – Mc. 2:17. Em outra passagem o Carpinteiro endossa de forma imperativa: “Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônio...” – Mt. 10:8. Jesus queria que os discípulos entendessem que o Cristianismo se justifica quando há inclusão dos cansado e fracassados no plano salvífico de Deus. Por isto, é imprescindível entender que a Igreja existe não para ser uma vitrine de vitoriosos, mas sim um convite para gente cansada.

O ministério de Jesus foi desenvolvido quase que totalmente entre aqueles que viviam nas margens da sociedade e, conseqüentemente, marginalizados pelos religiosos da época. Agindo assim, Jesus estava ensinando para os seus seguidores que as Boas Novas devem ser anunciadas para aqueles que acostumaram com as más noticias. Estava instruindo os discípulos a entender que a práxis da Graça deve ser alcançar quem vive na desgraça. Estava doutrinando os discípulos a semear esperança nos corações desesperados. E, estava treinando os primeiros cristãos a tatear um amor que não se limita ao discurso. Conforme é notório na história da mulher com o fluxo de sangue (Lc. 8:43-48), na cura do paralítico de Betesda (Jo. 5:1-9), na purificação do leproso (Mt. 8:2-4) e na cura de um surdo e gago (Mc. 7:31-37).

A pessoa de Jesus Cristo é o modelo máximo a ser seguido pela cristandade sendo, portanto, a fôrma modelável do caráter do ser Igreja. Baseado nisto, é desatino limitar a fé cristã nas conquistas terrenas, pois isto minimiza o sacrifício de Cristo na cruz. É equívoco tentar balizar a esperança evangélica numa mera euforia dominical, pois isto tornar raquítico o plano redentor de Deus. E sendo a Igreja a principal precursora da fé evangélica não pode anunciar outro evangelho diferente daquele que foi vivido e anunciado por Cristo. Evangelho este que é muito mais que vitória, é salvação; muito mais que sorrisos, é alegria eterna; muito mais que prosperidade, é plenitude.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 14 de Abril de 2009

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Igrejas inglórias e fé cambaleante




“Admiro-me de que tão depressa estais passando daquele que vos chamou pela graça de Cristo, para um evangelho diferente, o qual não é outro; senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o Evangelho de Cristo”.
Gálatas 1:6-7

O presente artigo é mais um daqueles que fogem aos padrões cultos da norma portuguesa e se classifica no gênero “desabafo pessoal” – se assim, você leitor, preferir denominá-lo. Sendo, portanto, necessário o uso da linguagem na primeira pessoa do singular. Contudo, as linhas que se seguirão não perdem seu valor teológico ou acadêmico, pois reflexiona acerca da espiritualidade brasileira e seus impactos nas vivências cristãs. O que inicialmente me impulsionou a escrever este artigo foi fazer um comparativo entre as melancólicas músicas gospel da atualidade que engorduram as rádios denominacionais brasileiras em contraposição aos momentos despretensiosos de louvor coletivo (Hinário e Harpa Cristã) que ouvia em minha infância na chácara dos meus avôs aos sábados à tarde debaixo de uma velha árvore. Não quero ser saudosista, apenas entender o porquê as igrejas acostumaram as pessoas a ser tão inconstantes na fé. Portanto, nada melhor que observar o que as pessoas andam cantando por ai.

Nos últimos meses, devido a um probleminha técnico no som do meu carro, tenho tido o dissabor (ou o sabor amargo) de só ter a opção de ouvir músicas por meio de emissoras de rádios gospel, e sendo assim comecei a observar as letras destes louvores evangélicos. Não precisou de muito tempo para ficar demasiadamente claro que atualmente o conteúdo destas músicas evangelicais tocadas nas rádios esbravejam um “triunfalismo” de se voltar para Deus e um “determinismo” das bênçãos. De fato tais músicas não seriam tão perturbadoras se estas não fossem um reflexo exato da imaturidade dos cristãos pós-modernos. O que estou querendo dizer é que nos acostumamos com o fato das pessoas converterem e desconverterem, inúmeras vezes, pelas razões mais banais. Isto justifica o porquê de tantas músicas triunfalistas, pois são inconstantes na fé! Parece paradoxal, mas esta é a lógica. O triunfalismo é como uma válvula de escape, como que uma fuga da realidade e da responsabilidade, portanto, cantam o mais utópico possível se auto-afirmando, tentando convencer sua própria imatura consciência cristã, nem que seja por um domingo apenas.

As músicas que ocupam nossos louvores eclesiásticos se amoldam as pedidas de hits em rádios gospel. E é ai que a história fica ainda mais triste, pois nestes últimos meses foram raras às vezes em que ouvi em rádios uma música evangélica que fora escrita e cantada para glorificar a Deus. Isto sim é paradoxal! Em tese todas as músicas evangelicais deveriam exaltar a Deus, mas o que se percebe é uma grande odisséia antropocêntrica. Músicas feitas para chamar a atenção de Deus, como que uma criança mimada num supermercado. Músicas que afirmam a prosperidade financeira, como que se Deus fosse um caixa bancário. Músicas que esbravejam a cura, minimizando a fé salvífica ao milagre. Músicas que tornam os “crentes” superiores aos demais, esquecendo que somos servos uns dos outros. Por tudo isto, fico excessivamente indignado, e, portanto afirmo que estas músicas emporcalham a fé cristã, pois tornam as pessoas mais distantes de Deus, fazem do culto um lugar para homens serem servidos e para líderes serem aplaudidos.

O meu sentimento é de profunda perturbação, pois as músicas refletem a teologia (espiritualidade e fé) de uma geração, e ao ouvir estas rádios gospel sinto uma falta enorme da velha árvore na chácara de meus avôs. Sinto falta das músicas que ali eram cantadas com apenas um violão e muita paixão. Sinto falta de ouvir músicas que declamem sobre o amor de Deus, que contagie pela esperança de ir morar com Cristo, que reafirma a grandeza de Deus, que impulsione os ouvintes a pregar o evangelho, que relembre a simplicidade da fé cristã e que faça as pessoas se embebedar com a misericórdia do Rei dos reis. Por tudo isto, fico a me perguntar: Por que a igreja brasileira atual se contenta com uma igreja fraca e com uma fé rasa? A resposta é tristemente óbvia: nos acostumamos! Isto aconteceu de forma quase imperceptível – disfarçada como estratégia de Deus – assim foi fácil convencer uma grande maioria dos cristãos a se acostumarem com igrejas inglórias e com cristãos de fé cambaleante.

Então, voltando à pergunta do parágrafo anterior, eis algumas alíneas que demonstra como nos fizeram a acostumar a cantar músicas tão vazias (lembrando que as músicas são o termômetro exato para ouvir a espiritualidade e a maturidade de uma igreja): Primeiro, anularam a participação dos “idosos” na igreja, e de contra partida super valorizamos os jovens que quase sempre eram neófitos – valorizaram a força, ao invés de primar pela resistência. Segundo, banalizaram o estudo teológico e de contra partida ofereceram uma gama de cursos denominacionais supostamente “bíblicos” que visavam domesticar os membros – preferiram adestrar as pessoas, ao invés de capacitar. Terceiro, tornaram o culto um grande show de entreterimento que encanta as multidões de espectadores que se contentam em ter uma vida cristã passiva – escolheram os aplausos, ao invés de buscarem os corações.

Por fim, ao contrário do que alguns leitores, precipitadamente, podem concluir não estou frustrado com a Igreja, muito pelo contrário amo e vivo para a Igreja, por isto estou escrevendo este artigo apologético (i.e. em defesa da fé). Minha decepção é com os líderes, e neste momento especialmente com os músicos, que fizeram da Igreja um reino humano recheado de positivismo, acomodação e mediocridade, aceitando e tornando as igrejas inglórias e fazendo a fé das pessoas cambalear ao som de músicas vazias. Meu profundo desejo é que cada igreja encontre sua “velha árvore” e ali possam somente abrir os corações para Deus e viver um cristianismo simples.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 18 de Fevereiro de 2010

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Aos Saul’s: reinando ainda que rejeitados por Deus



 “...Por que você não obedeceu ao Senhor? (...) Assim como você rejeitou a palavra do Senhor, ele o rejeitou como rei (...) Agora eu lhe imploro, perdoe o meu pecado e volte comigo, para que eu adore o Senhor (...) O Senhor rasgou de você, hoje, o reino de Israel, e o entregou a alguém que é melhor que você...”
1 Samuel 15:19,23,25,28 (NVI)

A história do rei Saul desnuda uma intrigante inquietação acerca do caráter de Deus, ao mesmo tempo em que provoca uma imprescindível releitura na cosmovisão do cristianismo na contemporaneidade. Percorrer a jornada de Saul é descortinar uma nova, solitária e perturbadora visão de Deus que invariavelmente não se encaixa nos moldes pré-formatados das importadas literaturas cristãs que insiste em amenizar quem Ele é com fins a suavizar os fardos impostos aos seus. O rei Saul conheceu na prática de vida o quanto Deus pode ser misericordioso, mas também provou o quanto Ele também pode ser incisivo. Esta é a história de um homem que conheceu a Deus de uma forma tão profunda que talvez lhe fosse menos doloroso se não tivesse alcançado tamanho vislumbre. Esta e a narrativa de um homem que mesmo sendo rei percebeu que não lhe cabia reinar, pois o próprio Deus o havia rejeitado, definitivamente e irreversivelmente.

No relato de I Samuel há o registro de que o próprio Deus escolheu Saul para reinar (cf. I Sm 9:15-17; I Sm 10), não fora uma escolha voluntária de Saul, este não se ofereceu para tal cargo, apenas fora escolhido por Deus. Contudo, no decorrer do relato bíblico se percebe que Saul cometeu um erro, ele desobedeceu a uma ordem expressa de Deus (cf. I Sm 15:1-11). Tal prática é algo relativamente normal e desenfreadamente praticado no cristianismo do século XXI sem grandes consequências aparentes. Era óbvio que Saul em alguma coisa e em algum momento iria errar, mas por alguma razão no relato bíblico fica expresso que o tal erro não alcançaria perdão. A história registra que o rei Saul ao perceber que havia errado se desespera e se arrepende, não há razões para crer no contrário baseado no trecho bíblico (cf. I Sm 15: 24,25,30), mas foi surpreendido por Deus que lhe retirou o Espírito o retirou-lhe o reinado (cf. I Sm 15: 23; I Sm 16:1). Não haveria uma segunda chance! Não haveria perdão! Saul foi rejeitado! E como que para brindar tamanho fracasso o próprio Deus envia espíritos para atormentar Saul a partir desta data (cf. I Sm 16:14,15,23).

A sentença de Deus fora severa, a partir do ocorrido Saul reinaria sem Deus, até o fim de seus dias. No decorrer da narratividade se percebe que Saul tenta desesperadamente encontrar Deus, mas tais iniciativas não passavam de esforço humano inútil e invariavelmente o resultado da busca se revertia em algo desastroso (cf. I Sm 26:21; 28:6). Não adiantava Saul tentar nada, Deus o havia rejeitado. A morte lhe cairia bem neste momento, mas Deus preferiu fazer de Saul um estandarte, uma espécie de espetáculo ambulante de vergonha e dor, para que todos saibam que Deus, às vezes, não perdoa mesmo quando as pessoas se arrependem. Alguém poderia argumentar que Saul não se arrependeu verdadeiramente, por isto Deus não o perdôo, mas para tal postulado não há fundamento, é apenas um arranjo hermenêutico para não contradizer as normas confeccionais da contemporaneidade que se enraíza numa roda gigante interminável de pecar e perdoar, impondo a Deus a obrigação de perdoar e autorizando os homens para libertinamente pecarem. Por que Deus não perdoo Saul? Por que Deus não deu mais uma chance para Saul? Estas são perguntas que precisavam de respostas, mas que permanecem na categoria do silêncio divino. Ouve-se apenas um desconcertante: “Eu (Deus) o rejeitei” (cf. I Sm 16:1).

Há aqueles que se categorizam junto aos fariseus e que insistem em simplificar a rejeição de um rei numa banal acusação de que Saul não mereceria o perdão, então, para estes o chamado final é que “vejam o Saul em si mesmos”. Vislumbre sendo escolhido por Deus, levantado por Ele como rei, e posteriormente rejeitado, irreversivelmente, pelo próprio Senhor. Por tudo isto, o assombroso convite é para que se vista de Saul e se desespere, pois afinal Deus achou “alguém que é melhor que você...” (cf. I Sm 15:28). Tempos de Saul, tempos modernos! Tempos estes em que homens reinam, lutam e conquistam, ainda que rejeitados por Deus... até que sejam transpassados pela espada (cf. I Sm 31:4).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 15 de Setembro de 2012