terça-feira, 26 de março de 2013

O crente de água parada



“Para a árvore pelo menos há esperança: se é cortada, torna a brotar, e os seus renovos vingam. Suas raízes poderão envelhecer no solo e seu tronco morrer no chão; ainda assim, com o cheiro de água ela brotará e dará ramos como se fosse muda plantada”.
Jó 14:7-9 (NVI) 

O Brasil tem feito inúmeras campanhas contra a Dengue, uma enfermidade causada pela picada de um mosquito conhecido como Aedes Aegypti. Há vários casos de pessoas infectadas que não apresentam nenhum sintoma, porém o tipo mais comum em terras tupiniquins é Dengue Clássica que é uma forma mais leve da doença e se assemelha à gripe. Nestes casos os sintomas são febre alta (39° a 40°C), dores de cabeça, cansaço, dor muscular e nas articulações, indisposição, enjoos, vômitos, manchas vermelhas na pele, dor abdominal, entre outros. O mosquito nasce e se reproduz em água parada, limpa, e de preferência em recipientes fabricados pelo homem, como latas, pneus, vasos etc., dentro ou perto das habitações humanas. Estas informações são maciçamente disseminadas pela mídia como forma de prevenção e orientação à população a fim de tentar erradicar ou pelo menos minimizar possíveis epidemias de Dengue. Paralelamente, e de forma figurativa, a igreja também está em perigo, pois há um tipo de Dengue Espiritual que está sendo desenvolvida em algumas igrejas com água parada.

O crente aedes aegypti nasce e se reproduz naquelas igrejas que são por natureza água parada. Contudo, diferentemente do criadouro do mosquito que é fácil de detectar por conta da inquestionável água parada, tal alínea no tipo Dengue Espiritual é dificílimo de ser diagnosticado, pois há muita agitação nas igrejas em nome daquele que é a Água Viva. Portanto, se faz necessário distinguir ações práticas da fé em contraposição a dominical euforia espiritual coletiva. O clamor do evangelho bíblico é que a fé dos cristãos não seja simplesmente espiritual, mas principalmente prático, a saber:  “...pelas obras a fé foi aperfeiçoada” - Tg. 2:22; “Conheço as tuas obras, e o teu trabalho...” - Ap. 2:2; “...não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra...” - 1 Jo. 3:18. Sendo assim, é desnudado o pano espiritualístico subjetivo e fica notório que as igrejas com água parada são aquelas que resumem a fé dos fieis em cultos dominicais, que limitam a liturgia há alguns clérigos, que minimizam o cristianismo a atos profético-espirituais, que banham os membros de palavras positivistas e que geram cristãos com ricos em discursos farisaicos. Portanto, igrejas com água parada são aquelas que espiritualizam tudo, tornando o evangelho num amuleto mágico sem implicações práticas para a vida em comunidade.

O crente aedes aegypti só fica batendo asas por ai, vive voando, “distante” da terra, quando pousam é para picar e enfermar os que estão trabalhando na seara. Estes são aqueles que não contribuem para a edificação do Reino, mas sempre tem um discurso positivista engordurado de orgulho espiritualista. Estes se acham grandes e fortes, mas são apenas mosquitos olhando por cima. Este tipo de crente, por ser fruto de igrejas de água parada, sempre buscarão outras igrejas com água parada para poder procriar (leia-se discipular). De certa forma é fácil encontrar os crentes-agypti’s, pois estes fogem da prática cristã, preferem apenas um discurso distante. Entretanto, e aparentemente paradoxal, uma igreja cheia destes mosquitos espirituais pode se passar despercebido em sua comunidade local, pois se acostumam com os sintomas da doença (Dengue Espiritual) e já não sabem distinguir os sãos dos doentes. Aliás, algumas vezes dá a impressão que quanto mais doente a pessoa está mais provável é que ela seja coroada como líder do bando – principalmente por causa dos delírios espirituais ocasionado pela alta febre igrejeira.

O triste cenário de igrejas com água parada que produzem os crentes aegypti´s são uma realidade no contexto brasileiro. Todavia, é válido relembrar que estes não se enquadram na proposta de cristianismo desenhada no Novo Testamento. O padrão de igreja neotestamentária se assemelha a um rio que tem sua fonte existencial na Água Viva e cujas correntes desaguam para/no Eterno. É neste modelo de igreja rio que há vida; é neste lugar que a operosidade da fé se manifesta como refrigério; é neste cristianismo que o sedento encontra água para lavar seus pecados; é neste ambiente que o simples escutar do movimento das águas produz cura para a alma cansada. Enfim, como que vislumbrando uma bandeira de esperança, pode-se afirmar que há vida cristã longe da água parada. Portanto, o convite é que se aproxime do Rio da Vida. 

Ps.: conforme prometido, dedico este artigo ao Pr. Dalton Rios, pastor da Igreja Evangélica Missionária Maranata em Goiânia (Go), que durante uma aula no Seminário Evangélico de Teologia da América Latina deu o “insight” necessário para a presente reflexão. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 30 de Maio de 2010

segunda-feira, 18 de março de 2013

Em diálogos com a morte


“...o dia da morte é melhor do que o dia do nascimento. É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a sério! A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto triste melhora o coração. O coração do sábio está na casa onde há luto, mas o dos tolos, na casa da alegria”.
Eclesiastes 7:1-4 (NVI) 

Dona Morte, que tal conversarmos um pouco. Afinal, um dia vamos nos encontrar e desta nossa sorrateira colisão a vida me deixará. Isto não quer dizer que você venceu, não se gabe Dona Morte, você nunca ganhará. A minha inevitável certeza póstuma não te torna vitoriosa, apenas demostra sua fragilidade moral e sua previsibilidade medíocre. Seres como você são desprezíveis, pois se alimentam da virilidade alheia, são incapazes de existir sem destruir. Tenho a impressão que você deve ser muito infeliz por esta razão insiste em semear tristeza nos corações, talvez os sorrisos te incomodem. Fico a pensar... será que algum dia você vai morrer? Penso que sim, seu dia também chegará, pois há Alguém superior a todos, e dEle ninguém escapa (cf. I Co. 15:54,55). Este seria um dia em que queria estar vivo para ver você provar do seu próprio veneno mortal. Enquanto este glorian day não chega, sigo a te esperar. Então, permita-me dialogar contigo alguns ranços de incertezas que permeiam meu imaginário obituário contraditório.

Dona Morte, qual o critério de escolha sua? Deve haver algo de errado na sua lista, pois você busca pessoas boas e deixa aqui pessoas de índole ruim. Bem que você poderia levar apenas os maus, quem sabe assim o mundo seria melhor, e desta maneira você faria um importante papel de utilidade pública. Mas, não é assim que você trabalha. E nem seria possível agir desta maneira categórica que, infantilmente sugeri a pouco, pois sejamos sinceros, somos todos “maus”. A questão é que alguns deixam sua maldade florescer a tal ponto que interferem nos padrões sociais – estes são intoleráveis pela sociedade. Outros de contra partida, escondem suas maledicências no coração achando que escondido não germinará, ledo engano, alias, às vezes tenho a impressão que desta maneira o coração se torna uma incubadora do mal que acelera o crescimento, que na grande maioria das vezes fica como um câncer corroendo por dentro – mas mesmos assim, estes são toleráveis e admirados pela sociedade. Dona Morte, reconheço que não sei como você escolhe suas vítimas, mas sei que aos que ficam a dor é uma certeza que escâncara um inquietante POR QUÊ.

Dona Morte, por que você não avisa quando virá? Seria tão mais funcional se você avisasse com um certo tempo a sua horrenda chegada, desta maneira poderia programar meus compromissos, sonhos e acertos. Mas, novamente tenho que reconhecer que mesmo com o memorando antecedente de sua chegada não faria com que naquele instante da morte eu tivesse um sentimento diferente do vazio de algo inacabado, pois você Dona Morte, sempre interromperá a vida. Talvez você sempre chegue de surpresa para que ninguém tenha a pretensão de controle sobre as vivências, fato é que somos como barcos a deriva num temporal. Saber o dia da morte não ajudaria muito, quem sabe até atrapalharia, pois limitaria sonhos, restringiria conquistas e minimizaria a pedagogia do fracasso. Para que saber o dia da morte se nada sei de dia nenhum da minha vida, aquele triste dia é apenas mais um dia qualquer, de incertezas. Para alguns a morte será um basta, mas para outros o fim será apenas um sussurro de que “já é suficiente”, tipo um convite ao descanso.

Dona Morte, tem como arrumar uma forma de levar pessoas sem deixar um vazio nos que ficam? Seria uma ótima idéia não sentir saudades, dor, vazio, solidão e desamparo – sentimentos tão presentes nos que desafortunadamente ficam. Mas, outra vez preciso me contradizer e reconhecer que a morte não encerra nossa ligação com os falecidos, pois diariamente seremos assolados pelas lembranças vividas. A morte não nos faz esquecer dos que foram, apenas aguça nossa percepção da vida, e isto é bom – por mais estranho que pareça. Não sentir nada na morte de alguém seria um sintoma de morte nos que ficam. Estar vivo é sentir, mesmo que tal sentimento não seja agradável. Não seriamos mais felizes se nos esquecêssemos dos que morreram talvez a dor fosse até maior. Não sentir nada é mais aterrorizante do que o sentimento de perda, o vazio seria muito maior e a solidão seria mais assombrosa. Ter o que se lembrar de alguém é um indicativo que este foi importante para nós, e, pessoas importantes precisam ser lembradas, ainda que com dor pelos que ficam.

Dona Morte, para quem você trabalha, para Deus ou para o Diabo? Numa visão simplista do morrer diria que você é diabólica, pois o resultado final que provoca é tristeza. Mas, preciso repensar a lógica da morte, então, me lembro do jardim do Éden e recordo que antes da sedução da Serpente os habitantes do jardim se alimentavam da Árvore da Vida. Privilégio este que fora retirado após o comer do fruto proibido (árvore do conhecimento do bem e do mal). Após este infortúnio erro, Deus colocou querubins para impedir o homem de chegar perto da Árvore da Vida (cf. Gn. 3:22-24). Provavelmente a partir deste instante a morte começa sua saga, tanto o é que longe do Éden registra-se o primeiro da lista, Caim mata Abel (cf. Gn. 4:8). Pensando assim parece que Deus permitiu a morte para que os seres humanos não vivam eternamente com o peso do pecado – contraído no jardim e herdado por todos. Seria então a morte uma dádiva de Deus para que a momentânea jornada terrena não eternize o pecado e do outro lado da vida encontremos um lugar onde o mal não habite, eternamente. Dona Morte, você só nos é tão assombrosa porque facilmente nos esquecemos de que nossa verdadeira habitação não é neste globo terrestre, nos esquecemos de que nossa morada é a eternidade junto ao Criador, e, para ir para lá precisamos morrer, não há outra forma. (ps. mais uma vez o Diabo é apenas um coadjuvante na história, Deus é quem rege todas as coisas para o fim que Lhe agrada – cf. Cl 1:16-18)

Dona Morte, o que você conversou com o Autor da Vida quando o encontrou na cruz? Fico a imaginar você, com toda sua prepotência julgando ser capaz de sufocar a vida dEle. Mas, penso que talvez você já soubesse o desfecho desta história, pois o Carpinteiro te contrariou inúmeras vezes enquanto cumpria Seu ministério terreno fazendo pessoas mortas ressuscitarem. O mais irônico é que Ele te menosprezava dizendo que as suas vítimas só estavam dormindo (cf. Lc. 8:52, Jo. 11:11) E como que num golpe final de superioridade do Mestre, lá da cruz, quando findou o último suspiro dEle, ressuscitou inúmeros mortos (cf. Mt. 27:52,53). De duas uma, ou você achou que podia vencer o Autor da Vida e então após o espetáculo da cruz só te restou reconhecer quem Ele é, ou você já O conhecia deste outrora e então você ansiava por este encontro para que o mundo soubesse que existe uma força maior que a morte, a força do amor de Deus, e assim você cumpriria seu papel de glorificar o Senhor.

Dona Morte, percebo agora que você não é muito de conversar, e o que era para ser um diálogo ficou mais parecendo um monólogo com poucas certezas. E não daria para ser diferente, pois quando nos encontramos de verdade, deste nosso diálogo, um de nós não sairá vivo, e indubitavelmente o vitimado será eu. Então, vou aprendendo a viver com estas incertezas mortais. Permita-me mudar o rumo desta nossa prosa... acho que vou procurar dialogar é com a Dona Vida, pois ela ao contrário de você, Dona Morte, permite encontros. Certezas ela também não me dá, mas me ensina a me preparar para o fim inevitável. Então, para que fique registrado, não tenho medo de você, Dona Morte – já tive, e muito. Hoje temo mais a Dona Vida. Enfim, cada um cumpre seu papel, a morte mata, a vida vivifica, e eu coexisto entre eles. Só espero ter vivido o suficiente para morrer e quem sabe ao fim ouvir as doces palavras do Senhor dizendo: “Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco; eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!” – Mt. 25:21 (NVI). 

Fortalecido pela cruz de Cristo, 
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 16 de Março de 2013

terça-feira, 12 de março de 2013

Aprendendo o caminho da cruz


"...livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus. Pensem bem naquele que suportou tal oposição dos pecadores contra si mesmo, para que vocês não se cansem nem se desanimem”.
Hebreus 12:1-3 (NVI) 

A vida cristã não poucas vezes se apresenta de forma contraditória ao ser cristão, isto só é possível, pois constantemente se prefere trilhar caminhos distantes da cruz de Cristo. Infelizmente, busca-se o sucesso quando deveria se aquietar na simplicidade do Carpinteiro. Persevera-se na grandiosidade quando deveriam se esconder as sombras do Calvário. Insiste em palavras de triunfalismo espiritual quando deveriam ser proferidas palavras de arrependimento. Persiste na superioridade quando deveria procurar uma bacia com água e uma toalha para lavar os pés daqueles que estão a caminho da cruz.

A cada pôr-do-sol os cristãos devem fazer um auto-exame e olhar em volta e dentro de si para ver se ainda estão no caminho da cruz. Cada passo rumo à cruz é uma atitude de fé, coragem e de negação própria. Não é fácil viver no caminho da cruz, especialmente quando a maré evangélica parece estar em uma marcha contrária. Isto fica notório quando se assiste um culto qualquer, pois o foco não é mais a cruz, mas sim a benção, a prosperidade, a cura, a vitória, as estratégias, o templo e o próprio homem. Neste esquema eclesiástico muitos sido induzido para um vicioso ativismo religioso, onde não há tempo para parar aos pés da cruz e ali, em silêncio, quebrantar-se. 

Caminhar rumo à cruz de Cristo é enveredar por uma jornada de vislumbres da misericórdia de Deus que ainda insiste em encontrar corações quebrantados que precisam desafortunadamente de perdão. O sacrifício salvífico que emana da cruz é um convite para que os Seus desnudem-se de toda altivez e simplesmente rendam-se como escravos, em gratidão e entrega, ao senhorio dAquele que é o Senhor dos senhores. Frente à cruz de Cristo as máscaras caiem e ali se derrama tudo que os holofotes escodem. É neste lugar que se é surpreendido ao olhar para cima e perceber que o Mestre ainda está de braços abertos. 

A cruz sempre foi, e continua a ser, o ponto de encontro entre perdidos e cristãos perdidos. Ali é onde se encontra a ancora para dar firmeza na fé. É onde os fracassados, massacrados, rejeitados e desprezados podem encontrar um Carpinteiro que com ferramentas de amor consegue restaurar vidas e polir sonhos. (re)aprender o caminho da cruz é (re)aprender a ser cristão. Que espelhemos nossas vidas na jornada da Via Crúcis, olhando para Aquele que fez da cruz o Seu palco, expondo-se ao mundo, para uma platéia que não são espectadores, mas sim alvos desta história de amor. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,  
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 03 de Outubro de 2007

segunda-feira, 4 de março de 2013

Um discurso prático da fé


"Irmãos, sigam unidos o meu exemplo e observem os que vivem de acordo com o padrão que lhes apresentamos. Pois, como já lhes disse repetidas vezes, e agora repito com lágrimas, há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo”.
Filipenses 3:17-18 (NVI) 

A quase espontânea capacidade de incriminar alguém é proporcional ao interesse de outro em se safar de um erro, pois quando se culpa alguém os olhos se voltam para o acusado, não para o acusador. Por esta razão um dos mais inquietantes discursos de Jesus Cristo foi acerca da hábil facilidade do ser humano de estender o braço e erguer o dedo indicador para outrem e culpá-lo de algo. Isto fica notório em Mateus 7:3: “E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?”. Observe que Jesus repreende os fariseus não por terem a capacidade de apontar as falhas alheias, mas sim de serem incapazes de observar seus próprios desacertos. Portanto, o cerne da questão não é o motivo do julgamento, mas sim as vivências de quem está julgando.

O erro dos fariseus não era o fato de acusar, mas sim o de não terem capacidade de praticar o que acusavam. Isto fica explícito no texto de Mateus 23:4: “Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles (fariseus), porém, nem com o dedo querem movê-los” – destaque do autor. Por esta razão Jesus adverte os fariseus: “Não julgueis, para que não sejais julgados” - Mateus 7:1. Ao contrário do que se diz por ai, Jesus não queria recriminar o fato de se julgar, mas sim a incompatibilidade prática (ações/obras) daqueles que acusam. Por isto os fariseus seriam julgados, por não viverem aquilo que exigiam dos outros. Em concordância a este postulado o versículo subseqüente afirma: “Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós” - Mateus 7:2.

A inquietante advertência de Cristo aos fariseus se resume da seguinte maneira: antes de apontar os erros de alguém atente primeiramente se você está praticando o que exige dos outros, pois é isto que igualmente exigirão de você. Portanto, o conceito de “fariseu” não é sinônimo de acusador (julgar), mas é aplicável para com aqueles que culpam os outros de algo que ele próprio não vive. Então, contextualizando, pode-se afirmar que nas vivências eclesiásticas a história farisaica se repete, pois há muitos que impõem aos demais diversas obrigações sem que os mesmos as pratiquem. A semelhança dos fariseus, muitos cristãos tem se munido de belos discursos espirituosos e de um puritanismo desmedido, pois assim podem se esconder atrás de suas vidas inglórias e culpar outros pelos seus fracassos ministeriais.

Os fariseus pós-modernos se mostram nas igrejas evangélicas estampando uma superioridade espiritual inatingível, pois assim evitam que outros julguem na medida em que estes estão julgando – já que no ambiente eclesiástico as pessoas tem medo de julgar os “espirituais” (leia-se lideres religiosos, semelhantes ao “encargo” de fariseus nos tempos bíblicos). Estes confundem (de forma intencionalmente) o termo insubmissão com o conceito de contestação. Segundo os dicionários o termo “insubmisso” se refere a alguém que seja altivo e independente. Contrariamente, o termo “contestação” se refere à capacidade de negar a rigorosidade de alguém. Por tanto, não é insubmissão questionar aqueles que estão nos pedestais exigindo algo das massas, é contestação – isto é bom para o cristianismo, mas ruim para os fariseus.

Os fariseus dos tempos contemporâneos gostam de apontar inúmeras falhas eclesiásticas, são capazes de propor muitas estratégias evangelísticas, se alegram com sugestões inovadoras para o culto e se rejubilam com o fato de poderem fazer melhor do que já é feito. Entretanto, estes são incapazes de colocar em prática a menor das homilias – por esta razão são fariseus. Devido à presença indiscutível dos fariseus no seio das igrejas é que, por fim, se aprende a não mais dar tanto valor para o que as pessoas dizem, e então, se aprende a arte de escutar o que as pessoas fazem. Esta é a gritante diferença entre fariseus e cristãos, o primeiro se limita ao falar, o segundo se satisfaz em fazer.

Os fariseus eclesiais da atualidade sempre tendem a ter “dois pesos e duas medidas” – sobre os outros é pesado, sobre si próprio é leve. Portanto, é válido relembrar o poema: “Quando outra pessoa não faz algo, é preguiçosa; quando eu não faço, estou ocupado. | Quando outra pessoa reclama, é intrigante; quando eu falo, é crítica construtiva. | Quando uma pessoa teima, é cabeça-dura; quando eu faço, estou sendo firme e coerente. | Quando outra pessoa fala de si mesma, é egocêntrica; quando falo, preciso desabafar. | Quando outra pessoa encara os dois lados do problema, é indeciso e fraco; quando eu o faço, sou compreensivo. | Quando outra pessoa faz algo sem ordem superior, estava excedendo suas funções; quando eu o faço, é iniciativa” – texto de autor anônimo.

Enquanto as igrejas ainda continuarem sendo o recôndito para os fariseus, então, a frase de Margaret Mead (antropóloga, 1901-1978) continuará a ecoar: “O que as pessoas dizem, o que as pessoas fazem e o que elas dizem que fazem, são coisas inteiramente diferentes”. Portanto, a igreja evangélica brasileira precisa de cristãos que ousem questionar (julgar) sem medo de igualmente serem julgados na mesma medida; cristãos que não sejam espirituosos, mas sim espirituais, ao ponto de entenderem que são seres humanos passivos de erros; cristãos pensadores que ousem romper a medíocre linha do discurso e arrisquem sofrer as conseqüências do fazer.

Por fim, é válido criar um diálogo entre dois grandes pensadores ativistas, Martin Luther King (1929-1968), que afirma: “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”. E, Edmund Burke (1920-2001), que completa: “Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só podia fazer pouco”. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 23 de Fevereiro de 2010