sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Na tirania da felicidade


“...pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância”.
Filipenses 4:11 (NVI)
 

Em tempos de supervalorização das redes sociais virtuais a felicidade é um valioso objeto de desejo pessoal e também de representação coletiva. Na grande maioria das vezes, as fotos que se postam são de momentos felizes, semelhantemente, os posts com letras garrafais evocam o pedido de ser feliz acima de qualquer coisa. Desta forma, tristemente, vivemos em um tempo onde ter que ser feliz é uma obrigação social e um sufocante compromisso individual (e individualizante). Portanto, é preciso (re)encontrar a vida para além das predicas da felicidade moderna.

Não há de se questionar a importância da felicidade para se viver bem, disto não há o que se contrapor, de fato. Contudo, a felicidade é, antes de qualquer outro atributo moderno, um sentimento. Sendo assim, a partir do estado peculiar dos sentimentos, a felicidade é por definição temporal, assim como a infelicidade o é. Desta forma, ninguém consegue ser feliz o tempo todo, e de igual modo é impossível ser infeliz o tempo todo. Tanto a felicidade como a infelicidade não são mais importantes que a própria vida. A felicidade e a infelicidade são meras hospedeiras da vida, ou seja, dependem da vida para se ressignificar.

A felicidade e a infelicidade são momentos distintos de uma mesma gangorra chamada vida, talvez por esta razão, os três termos são etimologicamente, sintaxicamente e ortograficamente independentes, porem inegavelmente interligados: felicidade, infelicidade e vida. Logo, é preciso aprender a viver feliz e aproveitar estes momentos com toda intensidade que merece, porém também é preciso aprender a viver infeliz, e igualmente, aproveitar estes momentos com todo prudência que lhe é peculiar. Portanto, querer viver sempre feliz é um exercício de aleijamento da própria alma que não suporta tamanha desproporcionalidade; e, estar sempre infeliz é, semelhantemente, uma mutilação da própria condição de se estar vivo.

Viver é preciso, quiçá sendo feliz, mas não fugindo do sendo infeliz. O segredo aqui não é viver feliz, é apenas viver, e sempre que possível, sendo feliz. Quando não for possível ser feliz seguimos vivendo, sabendo que por mais rotineiro que a vida seja jamais os sentimentos são perpétuos, sendo assim, inevitavelmente após dias felizes virão dias infelizes, mas sempre após os dias infelizes também virão dias felizes. Portanto, assim como o choro pode durar uma noite e alegria virá pela manhã (referência ao Salmos 30:5), é preciso ter maturidade suficiente para saber que a noite voltará em breve, no findar do dia, e talvez esta traga consigo a infelicidade.

Saber viver, estando feliz ou não, é um visível sinal de maturidade. Por isto, é no mínimo insanidade esforçar-se incomensuravelmente para ser feliz a todo custo, até porque a felicidade é uma amante da espontaneidade. Então, é preciso compreender que não se é feliz por estar sorrindo muito, a felicidade nem sempre se representa nos sorrisos. Não se é feliz por fazer sempre o que gosta, a felicidade é uma passageira da vida e se permite ser contraditória nas sensações e gostos. Não se é feliz por ter liberdade, a felicidade é que produz a sensação de liberdade, sendo que isto não implica em descomprometer-se. Não se é feliz por que se é feliz em si mesmo, a felicidade é como um parasita, precisa sempre do hospedeiro (leia-se, vida) para continuar existindo.

Enfim, não se submeta a tirania da felicidade visível de redes sociais modernas, há outros estágios da vida com maior nobreza, a saber: paz, amor, esperança e salvação. Paz para saber permanecer firme, ainda que feliz ou infeliz; Amor para continuar a jornada, ainda que feliz ou infeliz; esperança para acreditar, ainda que feliz ou infeliz; e, salvação, para descansar a alma, ainda que feliz ou infeliz.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 15 de Setembro de 2017