1 Pedro 1:23 (NVI)
No Brasil, cada vez mais
evangélico, os modismos são bem característicos e exacerbadamente caricaturados,
inclusive com tons de veracidade/superioridade bíblica. De tempos em tempos,
nas terras tupiniquins, aparece uma visão
nova, uma profecia clichê chiclete,
uma música mantra, uma estratégia de
crescimento mercadológica, um livro best
seller motivacional gospel, um
pregador reveleixon, um exegeta à cuspir grego e hebraico dominicalmente,
um novo título sacerdotal diferenciador... e por aí vai – por aqui, este tipo de
evangelho do espetacular é como capim
em dias chuvosos, brota com certa facilidade em quase todos os tipos de solo. E
destes memes, todos nós, de certa
forma, compactuamos, quer seja pelas vias do academicismo dos Históricos, quer
seja pelas vias do misticismo Pentecostal, quer seja pelas vias do capitalismo
dos Neopentecostais. Há de se concordar, valendo-se de um pouco de sobriedade,
que somos transformados (leia-se
deformados) mutuamente a partir da nossa própria não identidade religiosa, ou
quiçá, deformados (leia-se
transformados) exatamente por nossa identidade religiosa.
Houve um tempo em que Pentecostais
eram Pentecostais, Históricos eram Históricos, e Neopentecostais eram Neopentecostais.
Atualmente, tais distintivos não são mais tão fáceis de rotular como outrora,
em tese. E talvez, quem mais vai sofrer com esta perda de identidade são as
igrejas Históricas (também chamadas de Tradicionais), isto porque no
Centro-Oeste brasileiro a moda agora é dizer que se é Reformado, pouco se
importando no que efetivamente isto signifique. Para cá, no Centro-Oeste
brasileiro, quando se quer ofender alguém se diz: “ele é Neopentecostal!” –
esta é, na atualidade, a forma mais desrespeitosa de xingar um evangélico comedor de pequi; de contrapartida, quando se
quer enobrecer alguém se diz: “ele é Reformado!” – esta é a forma mais sutil (e
perigosa) de dizer que alguém é inteligente, coerente, bíblico, reflexivo,
exegeta, equilibrado teologicamente... entre outros distintivos com ares de verdade e superioridade.
Entretanto, é necessário usar adequadamente o termo Reformado para não
desgasta-lo ou supervaloriza-lo.
As igrejas de confissão calvinista
sempre se valeram do termo Reformado para identificar e delimitar os seus aspectos
teológicos, assim como os seus pressupostos de interpretação bíblica. Aliás, de
uma forma generalista, dizer que se é Reformado, para este grupo de cristãos, é
sinônimo de ser calvinista. Nisto não há novidade, desde sempre foi assim. Contudo, nos últimos anos tem havido uma enxurrada gospel de gente com toda sorte
de crendices igrejeiras que estão a esbravejar por aí, nos supostos seminários teológicos, que são
Reformados. Tristemente, não poucas vezes estes papagaios teológicos somente estão repetindo o que alguns
professores (e/ou ídolos gospeis) falaram
em sala de aula ou no YouTube. É válido considerar que boa parte dos
professores com titulação adequada para ensinar, especialmente no início das
convalidações de Teologia no Brasil, eram (ou foram, ou simpatizavam) de
igrejas de confissão calvinistas, ainda que ensinando em instituições (a)(anti)(in)calvinistas. O resultado
era, é, e foi, o previsível, o surgimento de um novo mutante gospel, um novo X-Men-Gospel estilo a la Reformed Azusa Street, a
saber: arminianos Reformados! Discípulos de Cassiane’s enamorando com as
Institutas! Filhos de Malafaia’s predestinados! Ou seja, muita gente dizendo
que mudou de percepção teológica, mas que na verdade só fizeram um puxadinho na tradição cristã que já se
tinha (deram uma passada de batom/maquiagem na doutrina que já se tinha).
É oportuno considerar, a partir de
tais dizeres, que os exageros e percepções em ambos os casos, calvinistas e
arminianos, são demasiadamente tendenciosos e relativamente míopes, cada qual
em sua própria limitação teológica em consonância com sua própria tradição
protestante e convergente com os intentos socioculturais de cada época. Por
exemplo: nos estudos sócio-religiosos de Max Weber (1864-1920), as premissas calvinistas
não ocupam lá uma posição muito confortável; de contrapartida a
supervalorização humana dos arminianos, nos estudos modernos, também provocam
desconfortos bíblicos. Tais desconfortos não deveriam ser entendidos como
depreciativos, mas apenas como demonstração de nossa incapacidade/limitação
humana de compreender plenamente a superioridade do texto bíblico, que vai além
de percepções particularizadas. E isto é muito bom para o Reino, pois visto
desta maneira, tais prorrogativas, calvinistas e arminianas, se reordenam a apenas
estilos religiosos, a cosmovisões pré-hermenêuticas e pressupostos teológicos. Há
de se considerar que tal discussão é meramente marginal aos ditames de ser
Reformado. Ser Reformado, portanto, deveria superar o calvinismo em si mesmo.
No presente tempo religioso
tupiniquim, especialmente junto aos pequizeiros, dizer que se é Reformado não
necessariamente quer dizer que se é calvinista, e talvez, nem tenha também relação
com a Reforma Protestante (século XVI). Ser Reformado, neste evangelicalismo
moderno é emanar um raio gourmetizador
sobre uma pessoa, igreja, seminário e etc, e assim iluminar tais oráculos.
Afirmar que se é Reformado, para as bandas de cá, é como se colocasse um crachá gospel no pescoço das pessoas
para identifica-las como boas de Teologia.
Ser Reformado, da maneira como se tem usado o termo em nossos dias, é uma forma
de encerrar um assunto e distinguir entre os inteligentes e os “bocós”. Por esta
razão, é imprescindível que se critique, efetivamente, o que significa ser
Reformado para estes novos re-formados
brasilianos. Para os cristãos de tradição calvinista o assunto parece estar
relativamente consolidado, pois ser Reformado, para estes, significa estar em
consonância com os pressupostos da Reforma Protestante, mais especificamente
com João Calvino. Entretanto, para os atuais Pentecostais e os Neopentecostais
o termo Reformado ainda parece ser apenas uma forma de classificar,
desclassificar e reclassificar – tudo meramente simbólico, porém não menos
agressivo teologicamente.
Por fim, afastando-se um pouco do
dualismo entre calvinismo e arminismo, a expressão Reformado bem que poderia
(deveria) evocar tão somente que se está em congruência com a Reforma
Protestante. Logo, é até redundante tal afirmação, pois para ser protestante é indispensável
estar em convergência com a Reforma Protestante. Por isto, quando alguém diz
que está num seminário teológico Reformado, é preciso questionar se seria
possível, efetivamente, haver outra possibilidade; quando alguém diz que
frequenta uma igreja Reformada, é preciso questionar se seria possível haver
igreja evangélica não-Reformada; quando uma pessoa diz que é cristão Reformado,
é preciso indagar se haveria outra forma de ser evangélico. Portanto, ser
Reformado é o mínimo que se espera daqueles que são cristãos evangélicos
protestantes. Enfim, restringir e igualar o conceito de Reformado ao calvinismo
é minimizar a extensão teológica de tal termo, especialmente em solos
brasileiros; e aplicar o termo Reformado como um raio gourmetizador é mera infantilidade e fetiche gospel.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 15 de Fevereiro de 2017