sábado, 18 de fevereiro de 2017

Sou Reformado! O novo fetiche gospel tupiniquim


“Pois vocês foram regenerados, não de uma semente perecível, mas imperecível, por meio da palavra de Deus, viva e permanente”.
1 Pedro 1:23 (NVI)

No Brasil, cada vez mais evangélico, os modismos são bem característicos e exacerbadamente caricaturados, inclusive com tons de veracidade/superioridade bíblica. De tempos em tempos, nas terras tupiniquins, aparece uma visão nova, uma profecia clichê chiclete, uma música mantra, uma estratégia de crescimento mercadológica, um livro best seller motivacional gospel, um pregador reveleixon, um exegeta à cuspir grego e hebraico dominicalmente, um novo título sacerdotal diferenciador... e por aí vai – por aqui, este tipo de evangelho do espetacular é como capim em dias chuvosos, brota com certa facilidade em quase todos os tipos de solo. E destes memes, todos nós, de certa forma, compactuamos, quer seja pelas vias do academicismo dos Históricos, quer seja pelas vias do misticismo Pentecostal, quer seja pelas vias do capitalismo dos Neopentecostais. Há de se concordar, valendo-se de um pouco de sobriedade, que somos transformados (leia-se deformados) mutuamente a partir da nossa própria não identidade religiosa, ou quiçá, deformados (leia-se transformados) exatamente por nossa identidade religiosa.

Houve um tempo em que Pentecostais eram Pentecostais, Históricos eram Históricos, e Neopentecostais eram Neopentecostais. Atualmente, tais distintivos não são mais tão fáceis de rotular como outrora, em tese. E talvez, quem mais vai sofrer com esta perda de identidade são as igrejas Históricas (também chamadas de Tradicionais), isto porque no Centro-Oeste brasileiro a moda agora é dizer que se é Reformado, pouco se importando no que efetivamente isto signifique. Para cá, no Centro-Oeste brasileiro, quando se quer ofender alguém se diz: “ele é Neopentecostal!” – esta é, na atualidade, a forma mais desrespeitosa de xingar um evangélico comedor de pequi; de contrapartida, quando se quer enobrecer alguém se diz: “ele é Reformado!” – esta é a forma mais sutil (e perigosa) de dizer que alguém é inteligente, coerente, bíblico, reflexivo, exegeta, equilibrado teologicamente... entre outros distintivos com ares de verdade e superioridade. Entretanto, é necessário usar adequadamente o termo Reformado para não desgasta-lo ou supervaloriza-lo.

As igrejas de confissão calvinista sempre se valeram do termo Reformado para identificar e delimitar os seus aspectos teológicos, assim como os seus pressupostos de interpretação bíblica. Aliás, de uma forma generalista, dizer que se é Reformado, para este grupo de cristãos, é sinônimo de ser calvinista. Nisto não há novidade, desde sempre foi assim. Contudo, nos últimos anos tem havido uma enxurrada gospel de gente com toda sorte de crendices igrejeiras que estão a esbravejar por aí, nos supostos seminários teológicos, que são Reformados. Tristemente, não poucas vezes estes papagaios teológicos somente estão repetindo o que alguns professores (e/ou ídolos gospeis) falaram em sala de aula ou no YouTube. É válido considerar que boa parte dos professores com titulação adequada para ensinar, especialmente no início das convalidações de Teologia no Brasil, eram (ou foram, ou simpatizavam) de igrejas de confissão calvinistas, ainda que ensinando em instituições (a)(anti)(in)calvinistas. O resultado era, é, e foi, o previsível, o surgimento de um novo mutante gospel, um novo X-Men-Gospel estilo a la Reformed Azusa Street, a saber: arminianos Reformados! Discípulos de Cassiane’s enamorando com as Institutas! Filhos de Malafaia’s predestinados! Ou seja, muita gente dizendo que mudou de percepção teológica, mas que na verdade só fizeram um puxadinho na tradição cristã que já se tinha (deram uma passada de batom/maquiagem na doutrina que já se tinha).

É oportuno considerar, a partir de tais dizeres, que os exageros e percepções em ambos os casos, calvinistas e arminianos, são demasiadamente tendenciosos e relativamente míopes, cada qual em sua própria limitação teológica em consonância com sua própria tradição protestante e convergente com os intentos socioculturais de cada época. Por exemplo: nos estudos sócio-religiosos de Max Weber (1864-1920), as premissas calvinistas não ocupam lá uma posição muito confortável; de contrapartida a supervalorização humana dos arminianos, nos estudos modernos, também provocam desconfortos bíblicos. Tais desconfortos não deveriam ser entendidos como depreciativos, mas apenas como demonstração de nossa incapacidade/limitação humana de compreender plenamente a superioridade do texto bíblico, que vai além de percepções particularizadas. E isto é muito bom para o Reino, pois visto desta maneira, tais prorrogativas, calvinistas e arminianas, se reordenam a apenas estilos religiosos, a cosmovisões pré-hermenêuticas e pressupostos teológicos. Há de se considerar que tal discussão é meramente marginal aos ditames de ser Reformado. Ser Reformado, portanto, deveria superar o calvinismo em si mesmo.

No presente tempo religioso tupiniquim, especialmente junto aos pequizeiros, dizer que se é Reformado não necessariamente quer dizer que se é calvinista, e talvez, nem tenha também relação com a Reforma Protestante (século XVI). Ser Reformado, neste evangelicalismo moderno é emanar um raio gourmetizador sobre uma pessoa, igreja, seminário e etc, e assim iluminar tais oráculos. Afirmar que se é Reformado, para as bandas de cá, é como se colocasse um crachá gospel no pescoço das pessoas para identifica-las como boas de Teologia. Ser Reformado, da maneira como se tem usado o termo em nossos dias, é uma forma de encerrar um assunto e distinguir entre os inteligentes e os “bocós”. Por esta razão, é imprescindível que se critique, efetivamente, o que significa ser Reformado para estes novos re-formados brasilianos. Para os cristãos de tradição calvinista o assunto parece estar relativamente consolidado, pois ser Reformado, para estes, significa estar em consonância com os pressupostos da Reforma Protestante, mais especificamente com João Calvino. Entretanto, para os atuais Pentecostais e os Neopentecostais o termo Reformado ainda parece ser apenas uma forma de classificar, desclassificar e reclassificar – tudo meramente simbólico, porém não menos agressivo teologicamente.

Por fim, afastando-se um pouco do dualismo entre calvinismo e arminismo, a expressão Reformado bem que poderia (deveria) evocar tão somente que se está em congruência com a Reforma Protestante. Logo, é até redundante tal afirmação, pois para ser protestante é indispensável estar em convergência com a Reforma Protestante. Por isto, quando alguém diz que está num seminário teológico Reformado, é preciso questionar se seria possível, efetivamente, haver outra possibilidade; quando alguém diz que frequenta uma igreja Reformada, é preciso questionar se seria possível haver igreja evangélica não-Reformada; quando uma pessoa diz que é cristão Reformado, é preciso indagar se haveria outra forma de ser evangélico. Portanto, ser Reformado é o mínimo que se espera daqueles que são cristãos evangélicos protestantes. Enfim, restringir e igualar o conceito de Reformado ao calvinismo é minimizar a extensão teológica de tal termo, especialmente em solos brasileiros; e aplicar o termo Reformado como um raio gourmetizador é mera infantilidade e fetiche gospel.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
_______________________________
Artigo escrito em: 15 de Fevereiro de 2017