“Livrem-se de toda
amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade.
Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente,
assim como Deus perdoou vocês em Cristo”.
Efésios 4:31-32
(NVI)
A expressão “igreja”
sempre denotou alguma relação com o termo “espiritualidade”, que por sua vez carregava
significados de uma verticalização no relacionamento homem-divindade – estas são
premissas verdadeiras, essenciais e fundamentais a fé cristã. Fazer parte da Eclésia
significava buscar uma aproximação com Deus, uma tentativa de se reconectar com
o Criador e quem sabe resignificar as aspirações seculares com tons cristãos –
pressupostos nobres de qualquer cristão em busca de uma vida aos moldes do caráter
de Cristo. De fato, tudo isto está correto, porém igualmente está incompleto. Estranhamente
aprendemos uma espiritualidade demasiadamente mística e desafortunadamente
humanizadora, dicotomizando a fé em duas porções insolúveis: o sagrado (tudo
que é igrejeiro) e o profano (tudo que se refere à normalidade da vida). É
preciso redescobrir uma espiritualidade mais humana.
Jesus Cristo foi a
própria personificação da necessidade de se des-espiritualizar a religiosidade,
por esta razão Ele fez-se homem, habitou entre a humanidade, se secularizou, se
contextualizou, viveu entre as pessoas, dialogou com as aflições humanas,
fez-se gente (cf. Fp. 2:6-8). Jesus poderia
ter criado uma forma espiritualizadora de reconexão com a divindade, acentuando
e distanciando Deus das pessoas. Contudo, Ele optou por desestabilizar a religiosidade estabelecida (judaísmo) e aproximar-se
das pessoas. Tudo isto para mostrar que o que mais precisamos não é de mais
ritos espirituais unilaterais com Deus, mas precisamos redescobrir uma
espiritualidade acolhedora, humanizadora e fraternal – caminho este desenhado
pelo Filho do Homem.
Na igreja evangélica
brasileira há muitas coisas que precisam ser repensadas com fins a não poluir
mais a espiritualidade. Portanto, arrisco afirmar que não precisamos de mais 12
horas de adoração na igreja, ação esta que na verdade é uma tentativa compensatória
para um cotidiano sem espiritualidade – já temos 24 horas de adoração por dia,
todos os dias; não precisamos mais de músicas lentas (chamadas, estranhamente,
de adoração) que nos fazem fechar os olhos durante o louvor e, então, não perceber
a pessoa ao nosso lado – cantar junto sem estar junto é no mínimo bizarro; não
precisamos mais de campanhas de restituições possessivas para com Deus, pois
estas campanhas só têm nos feito criar uma espiritualidade
bancária (extrativista) – para tristeza de alguns sanguessugas crenteiros, é
preciso que entendam que o melhor de Deus não está por vir, O melhor já veio
(Jesus).
É possível redescobrir
uma espiritualidade mais humanizadora, é sim possível fazer da igreja uma
irmandade que exala uma espiritualidade a partir das normalidades interacionistas
eclesiásticas. Para isto acredito piamente, e axiomaticamente, que o caminho se
dá a beira da mesa. Mesa de comida, digo. Talvez seja por estar razão que a
ceia, ritual litúrgico máximo dos cristãos, se dê com comida (pão e vinho). Talvez
seja por isto que o Cristo ressurreto fez-se registrar comendo peixe e mel com
os discípulos antes de subir aos céus (cf.
Lc. 24:42). A comida é mais que alimento, é ponto de encontro para diálogos,
interações, intervenções, aproximações, abraços, sorrisos, perdão, arrependimento
e etc. A comida é espiritualizadora, pois aproxima os irmãos, tornando-os de fato irmãos, gerando comprometimento/entrosamento
e fortalecendo a fé um dos outros.
O escritor, Tiago,
registra uma inquietante sentença ao ponderar sobre a verdadeira religiosidade
não pelos parâmetros da clássica espiritualidade (homem-Deus), mas nivelando-a
a partir da humanização (homem-Deus-homem), ele afirma: “A religião que Deus, o
nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas
em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” - Tiago 1:27 (NVI). É preciso
reiterar, ao fim deste texto, que igreja é lugar de encontrar Deus, mas também
de encontrar gente, e não podemos esquecer, que estes dois sujeitos (Deus e o
homem) também são encontrados fora da igreja, demonstrando como a fé tem proporções
integrais e integradoras, rompendo os limites geográficos da espiritualidade igrejeira
e resignificando a jornada cristã cotidiana.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 14 de Novembro de 2014