terça-feira, 25 de junho de 2013

Alunos, clientes e uma educação ademocrática


“A democracia de amanhã se prepara na democracia da escola."
Célestin Freinet – pedagogo e escritor francês (1896-1966)

A educação escolar é um direito de todos, sendo por tanto, de responsabilidade pública. É encargo de a República Federativa Brasileira fornecer a população uma estrutura básica de saúde, educação e segurança, caso contrário não se justifica haver governo democrático. A Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo 26 garante que: "§1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, baseada no mérito".

A realidade pós-moderna capitalista não mais aceita no mercado de trabalho pessoas com apenas graus elementares e fundamentais, como assegura a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atualmente é necessário pelo menos um curso superior (tecnológico, sequencial ou bacharelado) para ser competitivo no século XXI – sendo esta responsabilidade primariamente do poder público. Contudo, quer seja por ocasião da omissão, ou pela notória incapacidade educacional, ou por mero desinteresse político, o fato é que o Estado não foi e não é capaz de atender a demanda populacional dos brasileiros “aptos” a ingressar no ensino superior. Por consequência, o Governo facilitou para a iniciativa privada a abertura de novas Instituições de Ensino Superior que teve a dificílima (e tentadora) tarefa de conciliar o capitalismo com o ensino.

O autor Ristoff endossa o evidente parto dos modelos educacionais de nível superior emergentes na rede privada em decorrência da fragilidade do ensino universitário público: "Fica evidente que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), na forma em que estão estruturadas, instrumentalizadas e sub-financiadas, não têm a menor condição de atender as presentes demandas por expansão, sem colocar em sério risco o seu padrão de qualidade. Fica, por outro lado, também evidente que ou as IFES se instrumentalizam, com apoio financeiro do governo, para enfrentar o desafio ou estarão condenadas a serem marginalizadas do processo de expansão da educação superior, ficando esta tarefa entregue às instituições particulares" (RISTOFF, 1999, p.12).

Da dicotomia privado versus público estampou a gigantesca discrepância de dois mundos aparentemente com o mesmo objetivo, mas indubitavelmente diferentes. O conflito de interesses era iminente. O sistema capitalista fez os professores universitários da rede privada se tornaram duplamente reféns. Primariamente dos empresários, que encontraram no “ensino” uma fonte de enriquecimento; e paralelamente dos alunos, que de forma arrogante afrontam os docentes como se estes fossem empregados deles (discentes). Neste clima onde o dinheiro é o mais importante à relação educacional se torna meramente comercial. Esta é a razão do porque surgiu um sombrio cenário onde alunos se tornam “clientes”, professores se tornam “empregados” e gestores educacionais se tornam “empreendedores”.

Há uma forte corrente informal que conseguiu tornar aceitável a proposição de que os alunos são clientes pelo simples fato de pagarem altas mensalidades. Tal alínea desconstrói a relação educacional que deve ter primazia entre docentes e discentes. Nesta perspectiva mercantil os alunos se tornam expectadores ao invés de interagirem, pois estão pagando para o professor trabalhar (dar aula). Neste triste cenário os alunos não se veem responsável pelo aprendizado, pois estão pagando para que professores os façam aprender – relação unilateral. Nesta caótica realidade os alunos se tornam intolerantes a seminários temáticos ou outras formas de integração, pois estão pagando para o professor explicar a matéria (leia-se aula expositiva – e nada mais).

Definir a relação professor-aluno como empregado-cliente por haver um fator monetário presente é no mínimo ultrajante. Para tanto é valido arrazoar que: um pai ao pagar a mesada para o filho não os torna empregado-cliente (filho-pai), pois entre ambos há uma relação que supera a troca monetária – relação familiar; um motorista que repassa um determinado valor financeiro para mendigos não os torna empregado-cliente (mendigo-motorista), pois entre estes o valor monetário é a manifestação de um sentimento maior – caridade; um conjugue que retira parte do salário para repassar para seu respectivo conjugue não configura a relação empregado-cliente (esposa-esposo), pois o valor trocado entre ambos não supera o que há entre estes – amor. Por tanto, definir professor como empregado e aluno como cliente somente pelo fato de haver uma troca de valores financeiros é ignorar o que de fato os une em classe – educação, aprendizado e capacitação teórico-prática (isto é maior que dinheiro).

A rede privada de ensino superior sofre com este estereótipo da relação empregado-cliente em que se vê o professor-aluno. Contudo, é válido ressaltar e pontuar de forma categórica a distinção: ser aluno é maior que o ser cliente, igualmente, ser professor é maior que o ser empregado. Contudo no cenário educacional do século XXI é notório que as coisas foram embaralhadas, como pondera Picanço: "A demanda por formação tem despertado, em especial, o interesse de grupos que vêem na educação as características de um grande mercado potencial. Esses são os ‘sacoleiros do ensino’ para os quais é difícil fazer uma distinção entre conhecimento e ‘mercadoria’, estudantes e ‘clientes’, escola e ‘empresa’" (PICANÇO, 2003, p. 78).

A educação superior da rede privada por ter se tornado um grande negócio empresarial causou outro gigantesco prejuízo à educação, a superlotação das salas. O princípio é obviamente lucrativo: Quanto mais pessoas por sala, maior o lucro. Sendo assim, não resta outra opção aos professores que, então, tem que fazer um verdadeiro “aulão show” cotidianamente. Portanto, a consequência óbvia é que haja uma drástica redução das interações entre professores-alunos e aluno-alunos em classe – um dos principais fundamentos para que a aprendizagem seja efetiva. Neste contexto capitalista as aulas se tornam medíocres palestras (tipo monólogos). Salas grandes, uma multidão de alunos e professores de auditório, esta é a combinação suicida onde a educação se torna a única vítima.

Enfim, o ser professor na rede privada apresenta uma discrepância enorme frente à rede pública, como considera a professora Rita (apud Capelli): "A professora Rita explica que há muito mais ingerência, por parte de pais e diretores, no trabalho do professor da escola particular. 'Por não se tratar apenas de um estabelecimento educativo, é também um negócio. Os pais, como pagantes, acabam tendo mais poder de pressão sobre o método pedagógico da escola. Há diretores que cedem aos apelos dos pais por medo de perder alunos, o professor fica condicionado ao conteúdo, programa e questões burocráticas. Na escola pública isso não acontece. Tenho liberdade total das escolhas pedagógicas e há um bom canal para explicarmos estas escolhas para os pais', disse" (Rita apud CAPELLI, 2002, p. 3). 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 25 de Junho de 2013

Bibliografia utilizada: 
RISTOFF, Dilvo. I. A Tríplice Crise da Universidade Brasileira, Revista Avaliação. V.4, n.3, p.9-14, 1999.
PICANÇO, Alessandra de Assis. Educação superior para professores em exercício: formando ou improvisando? In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação, 26ª, Caxambu 2003. DC ROM 26ª Reunião Anual da Anped.
CAPELLI, James. O professor na rede pública e na rede privada. O Diário do Grande ABC. São André, 30 de Agosto de 2002. O Diário na Escola, p. 3.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Por uma redemocratização tupiniquim


"Ter escravos não é nada, mas o que se torna intolerável é ter escravos chamando-lhes cidadãos".
Denis Diderot - filósofo e escritor francês (1713-1784)

Democracia já! Os políticos corruptos que financiam a mídia televisiva insistem num discurso de categorizar como “vandalismo” aqueles que desiludidos com a ineficiência do pacifismo (palavra pomposa para movimentos inexpressivos) optaram por medidas radicais e até improprias. Tristemente, a quebradeira se torna a voz daqueles que não mais são ouvidos pela razão, se torna o grito daqueles que se cansaram de argumentar sem sucesso e se torna a bandeira dos que vivem marginalizados comendo das migalhas do capitalismo. Os lideres “pacifistas” insistem em não serem identificados com estes “vândalos”, sem perceber estes estão sendo manipulados pelos telejornais que os fizeram acreditar que se ficarem andando pelas ruas serão ouvidos pelas autoridades brasileiras, mentira, ilusão de marionetes da pseudodemocracia. Sejamos sinceros, a mídia só esta dando tanta atenção aos movimentos populares atuais pelo fato de estar havendo quebradeira, jornalismo hoje se resume em noticiar caos (e ainda de forma tendenciosa), passeatas pacifistas nunca foram destaques no Jornal Nacional – o que os repórteres querem é ver o circo pegar fogo, isto é notícia que aumenta o IBOPE. Os políticos querem assistir pela TV o povo quebrando tudo, pois assim vão conseguir desviar mais verbas públicas para reformas do pós-quebradeira. Há ainda os políticos de oposição (nome dado aos que não sabem criticar e que desejam o poder a qualquer custo) que sempre querem ver tudo ruindo para que nas próximas eleições se apresentem como a solução para um Brasil caótico – e o povo acreditará, sem dúvida. Pacifismo não funciona (inexpressão), vandalismo também não (manipulação), é necessário descobrir um novo modo de democratizar.

Democracia já! Sobre a destruição em massa alguns aspectos precisam ser arrazoados. É lamentável perceber que sem agressão pouco se ganha destaque neste Brasil. Contudo, é valido (re)pensar algumas variáveis desta atitude. Quebrar patrimônio público é favorecer o desvio de verbas governamentais (como exposto no parágrafo anterior), além de destruir parte de nossa história artística, cultural e arquitetônica – isto não é bom. Depredar instituições privadas é promover terrorismo aos cidadãos que ficam a orbitar frente às manifestações, impondo medo aos espectadores que assistem a quebradeira assentados num sofá comendo um Big Mac – isto não favorece o ingresso de novos adeptos a causa, pois por aqui puritanismo barato e moralismo farisaico são como capim em dias chuvosos. Há ainda algo inquietante nesta história, se os tais “manifestantes enfurecidos” estão de fato enraivados com o capitalismo, então, deveriam começar a quebradeira com/em seus patrimônios: depredem suas próprias casas, queimem seus próprios carros, atei fogo em suas próprias roupas, parem de comer em restaurantes, desliguem a televisão, parem de ver o jogo do Brasil, parem de comprar, chega de consumir – ai sim seria um bom manifesto contra o capitalismo – mostrem que é possível (se é que é) viver de forma democrática gastando menos, compartilhando mais, e sociabilizando com os marginalizados. Tentar convencer outros de algo que não se está disposto a incorporar no modo de vida é perca de tempo, e não é nada democrático.

Democracia já! Os governadores e prefeitos das cidades que estão sendo “alvo” das manifestações estão discursando que não vão impedir as passeatas pacíficas, dizem isto como se tal discurso fosse democrático. Lego engano. Democracia não é deixar o povo caminhar pelas ruas, isto é liberdade de expressão. Democracia inclui o diálogo, deixar o povo gritando pelas vias é monólogo, descaso e desinteresse. As manifestações coletivas são provas de que não há democracia, pois se saem nas ruas é porque não foram ouvidos (perceba a conjugação verbal no passado); se precisam fazer passeatas é porque não tiveram condições de dialogar com as autoridades (in)competentes (outras vez o verbo está no passado); se necessitam gritar é porque suas vozes foram ignoradas ou não havia espaço para ouvi-las (novamente o verbo insistem em ficar no passado); se carecem de unir forças para lutar contra a minoria dominante é porque foram rechaçados a condição de escravos do sistema sem ter condições de se defenderem (ainda sim o verbo se enamora com o passado). Perceba então que democracia não é deixar o povo manifestar, pelo contrário, isto denuncia nosso frágil sistema opressor rotulado de democrático. Os políticos instem em afirmar que manifestações são normais em países com governo democrático. Mas, isto também não é verdade. Os países que mais tem manifestações públicas são exatamente os que não têm democracia (e.g. vários países no oriente-médio e algumas ditaduras disfarçadas na América Latina). Enfim, o povo faz manifestações para lutar por democracia – se precisa lutar por, quer dizer que não a tem.

Democracia já! Precisamos rever se o Brasil de fato vive num contexto democrático. Se em solos tupiniquins realmente existisse democracia então algumas coisas deveriam ser bem diferentes, segue algumas sugestões: As eleições não deveriam ser obrigatórias, pois se vivo numa democracia tenho que ter o direito de escolher votar ou não, qualquer imposição unilateral está por definição longe do estado democrático. Outra sugestão bem democrática seria que as eleições não fossem por voto secreto, onde o cidadão pudesse livremente expor em quem votou sem medo de retaliações, repreensões ou represarias de outrem. Com o voto aberto (não secreto) o político eleito teria sua candidatura atrelada aos seus eleitores que poderiam a qualquer tempo retirar-lhe o voto, favorecendo a perda do mandato – teríamos um site atrelado aos Tribunais Eleitorais que exporiam numa página da internet quem e quantos votaram, o eleitor que se arrependesse do voto ou mudasse de opinião por insatisfação faria um ofício que protocolaria ao órgão competente retirando assim o seu voto, então, o referido servidor público (político) poderia perder o mandato imediatamente (sem recurso ou fórum privilegiado), isto se o número de eleitores estiver abaixo do estipulado pelo Tribunal Eleitoral. Bom seria se política não pudesse ser carreira, nem profissão, estes devem partir do pressuposto que se está servindo o povo, para o povo, sendo do povo. A República seria uma grande ONG que não pode ter sua diretoria remunerada (como é lei para qualquer ONG – serviço de utilidade pública/social), pois caso contrário haverá conflito de interesses e possível corrupção – algo do tipo que vemos todos os dias no cenário político brasileiro. No dia que ser político não der dinheiro, boa parte dos lobos vai sumir (ou pelo menos vão mudar de matilha).

Democracia já! Finalizo esta pensata democrática pinçando algumas insanidades em meu imaginário apolítico. Imagine... se todos estes manifestantes fosse para Brasília pedir o Impeachment dos políticos (presidente, governadores e prefeitos) – por muito menos e com muito menos pessoas conseguimos tirar Fernando Collor de Mello em 1992); ...se toda esta massa humana fosse escutada e conseguíssemos estabelecer plebiscitos para que o povo escolha, discuta e critique alterações na Constituição, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), entre outras leis – se isto não é possível pela atual legislatura brasileira, então, que se desconstrua as presentes bases legais e restabeleça a lei a partir do povo; ...se todos este vândalos (como estão sendo chamados) fossem nas indústrias multinacionais e fomentassem a nacionalização, valorização do regionalismo e o trabalho justo – a bem da verdade o Estado está rendido aos pés das empresas privadas, o grande vilão são estes multimilionários que usam a máquina governamental para fazerem suas empresas crescerem e enriquecerem acentuando a desigualdade social; ...se toda esta gente aprendesse a se auto-criticar, auto-disciplinar, auto-avaliar e auto-pensar – quem sabe assim poderíamos ter um país que não apenas julga como corrupto o desvio de verbas governamentais, mas igualmente sentiríamos revolta e desprezo para com nossas corrupções civis/cotidianas como atravessar uma cerca para “pegar” (roubar) melancia numa plantação à beira de estrada, ou, como pegar nota fiscal no “valor mais alto” (superfaturar) do que o real num posto de combustível ou no restaurante para repassar para a empresa. Enfim, é necessário descobrir um novo modo de democratizar. Precisamos de uma redemocratização tupiniquim, antes que nos acostumemos com manifestações populares e nos esqueçamos da democracia.

Democracia já! 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 18 de Junho de 2013

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Não quero uma igreja de vencedores


“Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade”.
Filipenses 4:12 (NVI) 

Há algo de errado no rumo que a igreja brasileira está seguindo. Sendo, então, oportuno destacar com letras garrafais que o problema não é a Igreja, mas sim as igrejas. É verdadeiro postular que os fundamentos deixados por Cristo e subseqüentemente preservados pelos apóstolos não são ultrapassados e muito menos ineficazes para a igreja da atualidade. Entretanto, o que me deixa profundamente decepcionado é perceber que inúmeras igrejas estão edificando propositalmente outra Pedra Angular para a Igreja e assim intencionalmente desfocando a esperança cristã dos recônditos eclesiais. Gente esta, que de forma voluntária tentam banalizar a obra da cruz, se esquecendo que a maior vitória que nós podemos ter nesta vida já foi suficientemente conquistada por Cristo no Gólgota, a nossa salvação. Deste modo, em defesa da Igreja, que tanto amo e sirvo, declaro: “não quero uma igreja de vencedores!”

A máxima busca por uma igreja de vencedores tem sido compartilhada pelas diversas denominações evangélicas, e das mais diversificadas linhas teológicas. E por mais distinto que seja o mundo evangelical, uma máxima me parece estar sendo comum, e não seria exagero afirmar que até se tornou um clichê do evangeliquês pós-moderno. Estou me referindo a tão aclamada vitória que é vivificada nas bocas dos líderes que engordurados de positivismo afirmam: “você nasceu para vencer”, ou se apresenta no costumeiro: “hoje a sua vitória vai chegar”, ou então o clássico: “você não vai sair daqui sem sua vitória”. Estes se esquecem que a função básica da igreja é reconciliar o homem com Deus, sendo, portanto, fundamental que a Eclésia prime por modelar os neófitos ao caráter de Cristo, não viciá-los em vitória.

O meu constrangimento surge da intenção de descobrir as razões do porque e o que queremos tanto vencer. E mais instigante ainda, o que seria, então, vencer? Na tentativa de responder a tais questionamentos temos que “cavucar” um pouco mais nos calabouços das igrejas. Inicialmente acredito que uma das principais causas de encontrar algumas igrejas fanáticas por vitória e não mais encantada com a simplicidade das boas novas de Cristo Jesus se justifica pela secularizada literatura cristã sobre o tema liderança. Literatura esta que se caracteriza mais como auto-ajuda motivacional do que necessariamente bases cristãs para a liderança. Fica claro que o modelo de simplicidade, humildade e espiritualidade estampado na pessoa de Cristo não é mais o predileto das mega palestras. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!

Na “crista da onda” deste turbilhão de desconstrução bíblica acerca da liderança está o famoso e aclamado autor John Maxwell que axiomaticamente não escreve livros sobre o assunto liderança pensando em modelos de igrejas, mas sim em gestão empresarial – os livros do referido autor são relevantes desde que faça uma contextualização eclesiástica e algumas pequenas mutilações. Desde antes de meus tempos de estudante de teologia até a presente era os livros de Maxwel ditam o que é um líder (leia-se aqui pastor). E posso afirmar com toda segurança de que não é este o modelo que deveríamos estar ministrando em nossas igrejas, pois não contempla a espiritualidade e nem a dependência em Deus, mas concentra-se na força de vontade, na determinação humana e coerência planeável/organizacional. Para ele, vencer é conseqüência exclusiva da capacidade de influenciar pessoas – nada tem haver com valores cristãos. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!

Outro fator que tem colaborado substancialmente para que algumas igrejas evangélicas prefiram pregar vitória ao invés da mensagem do Carpinteiro Jesus se dá, pelo triste fato, de que as massas só estão buscando Cristo para resolver os seus problemas pessoais. Logo, se fala tanto de vitória nos púlpitos porque as pessoas que estão na plenária (e até o discursador) estão preocupados em como resolver as dificuldades causadas pelas más escolhas que intencionalmente fizeram ao longo da vida. Estes fanáticos por vitória não conseguem entender que estar na igreja é assumir uma nova identidade, é viver como peregrino nesta terra e é desejar ardentemente a pátria superior. Não podemos aceitar que a liturgia dos cultos se tornarem completamente antropocêntrica, visando somente o homeopático alívio do homem nesta terra. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!

Caminhando quase que ainda na mesma linha de pensamento, é oportuno ponderar sobre as descristianizadas músicas do ramo gospel que insistem no tom do vencer. Encabeçando esta frenética busca pela vitória e embalada pelos melancólicos acordes podemos destacar a música de Jamily, intitulada: “Conquistando o Impossível” (álbum: Conquistando o Impossível, 2004, Line Records). Este é o tipo de música que representa com exatidão a vitória que o público evangélico está buscando: “Acredite é hora de vencer, essa força vem de dentro de você (...) nossos sonhos, a gente é quem constrói...”. De repente, lá no fim, quase que sem sentido, aparece a palavra Deus no meio da música, como que em um suspiro de consciência religiosa. No entanto, fica notória que a cantada proposta de vitória centraliza-se na iniciativa humana. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!

Os cultos dominicais, momento este que limitadamente resume a fé de muitos, ali mais uma destorcida razão de vitória nos solta aos olhos. Estou me referindo a tão desejada “numerolatria” – neurose e paixão obsessiva por crescimento numérico. Por motivo de profissão e ministério sempre convivo com pastores e líderes evangélicos e neste ciclo já me acostumei com a pergunta: “quantos membros tem sua igreja?”. Ao que parece é isto que determina hoje se uma igreja é vitoriosa e bem sucedida. Ensinam-nos a mensurar a obra de Deus pela quantidade de simpatizantes, não mais pela transformação, arrependimento, fé, humildade, entre outras virtudes. Portanto, os membros se tornam clientes e a igreja uma grande loja de conveniência, daí a relação está estabelecida, afague o cliente que ele voltará outras vezes, e quase sempre trará mais outro cliente-membro. Sendo assim, a igreja consegue reunir grande quantidade de pessoas não pelo poder de transformação do Evangelho, mas sim pela capacidade de entreter e satisfazer. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!

Há ainda algo que me incomoda muito mais nesta busca por construir uma igreja de vencedores. Um insight que me vem à mente é que o princípio básico para que haja vencedores é que igualmente haja perdedores – se alguém venceu, significa que outro alguém perdeu. Tristemente, como em qualquer jogo esportivo, apenas um vence e todos os demais perdem – é impossível todos vencerem, pois afinal, o que define se alguém venceu é a certeza de que outros tantos perderam. E se, ao que parece como descrito nas linhas acima, a vitória se resume a conquistas humanas, os perdedores também nesta relação serão humanos. Tal alínea é antagônico ao apóstolo Paulo, que afirma: “Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (cf. Ef. 6:12 - ACRF). Esta vitória que produz perdedores não é a maneira bíblica de vencer. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!

Por fim, não quero uma igreja de vencedores, pois estes insistem em ensinar que quem congrega nestas igrejas nunca fracassam a não ser que tenham dado brecha para o maligno ou por incapacidade de fé. O fracasso não é agradável, disto tenho plena certeza. Contudo, não posso negligenciar o fator pedagógico existente no “não vencer”. O fracasso tem uma função didática de fundamental importância, pois prova o caráter e solidifica convicções. Gente que só sabe vencer não aprende a perder, daí quando este fatídico dia chega, os tais “vencedores” apelam/emburram (leia-se, abandonam a fé). Este tipo de vencedor mimado que só sabe rejubilar-se quando se está no pódio ainda não descobrir o sucesso de lavar os pés uns dos outros, ainda não saboreio o prazer de ser o último e o menor de todos afim de que o outro ganhe, ainda não descobriu a fama de servir e amar sendo estes os troféus da fé.

É necessário ratificar: qualquer tipo de vencer que constrói seu júbilo sobre as cinzas dos outros não merece receber a coroa de vencedor. Qualquer vitória que não seja banhada pela pessoa de Jesus Cristo deve ser refugada pela cristandade. Qualquer sucesso que se centraliza na força humana não deve ocupar lugar na espiritualidade evangélica. Creio que todos querem ser vitoriosos, e a bem da verdade esta é uma atitude nobre. Entretanto, o que deve ser questionado é que tipo de vitória está sendo pregada nos púlpitos tupiniquins. Finalizando, reafirmo que meu mais profundo anelo é vencer, em todos os aspectos da minha vida, mas não seguindo estes preceitos pregados pelas afamadas “igrejas vencedoras”, ainda prefiro seguir a simplicidade do Carpinteiro. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 06 de Agosto de 2009

segunda-feira, 3 de junho de 2013

O prêmio: uma bacia e uma toalha


“assim, levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da cintura. Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura”.
João 13:4-5 (NVI)

As vivências no contexto capitalista ensinou a sociedade a sempre esperar uma recompensa pelo que se faz. Neste mundo de barganhas e investimentos a humanidade aprendeu a condicionar a dedicação pessoal mediante a um prêmio pelo tal. As pessoas se acostumaram a só fazer algo quando se beneficiam pelo feito. Tristemente, os termos gastar, perder, entregar e doar foi perdendo sentido e gradativamente caíram no desuso, inclusive para os cristãos em suas relações eclesiásticas e espirituais. Deste prisma, a arte de amar incondicionalmente perde lugar para o interesse; a oferta voluntária perde lugar para a prosperidade; a vida eterna perde lugar para as bênçãos nesta terra; e, a simplicidade da espiritualidade perde lugar para o mérito igrejeiro.

No Evangelho a matemática é inversa, e por mais que algumas igrejas contemporâneas insistam em discursar o contrário, ainda o Carpinteiro continua a convidar os seus para uma economia paradoxal: “Quem acha a sua vida a perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará” (cf. Mt. 10:39 - NVI). Qualquer pessoa que se junte a fraternidade da Igreja com o propósito de ganhar, já perdeu. Qualquer sermão dominical que motive os fiéis a se beneficiarem da fé, já subverteu a espiritualidade. Qualquer movimento evangelical que torne os seus superiores aos demais, já esqueceu a graciosidade de ser um simples servo na Casa do Pai. Portanto, somente no Cristianismo bíblico os prêmios deste mundo não representam valor algum e de contra partida as perdas, as debilidades e as fragilidades são destacadas.

O cristão fiel, o verdadeiro discípulo de Jesus, aquele que entendeu a mensagem do Carpinteiro, pode ter a certeza axiomática de que o grande prêmio por toda sua dedicação a Igreja será uma bacia e uma tolha para lavar os pés uns dos outros. Lembrando que na época bíblica não havia calçados fechados e as estradas eram de terra, então, este ato era um dos mais humilhantes e desprezíveis da época, praticado essencialmente pelos serviçais da casa. Logo, a recompensa por ter sido fiel a Deus se gloriará sobre bacias e toalhas. Enfim, a grande coroa da fé cristã é a capacidade de ser humilde ao ponto de se rebaixar e lavar os pés dos que estão à mesa - isto despedaça os grilhões do inferno, silencia as vozes pretenciosas do Ego e fortalece a natureza cristã da Igreja.

O ensino do Mestre acerca da grandeza da bacia e da toalha não é algo a ser meramente contemplado ou farisaicamente admirado, contudo, deve ser prioritariamente praticado (sendo importante verificar os equivalentes culturais para tal ato). Por isto Jesus exorta: “eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz (...) agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem” (cf. Jo. 13:15,17 - NVI). O prêmio, bacia e toalha, não é mera retórica, mas sim a prova final para distinguir os que são e os que não são discípulos do Carpinteiro. Portanto, a recompensa maior que um cristão receberá por seus serviços será uma belíssima bacia e uma majestosa toalha – neste dia o Evangelho ganhará. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 16 de Agosto de 2010