terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Uma pastoral para pastores donos de aquários



“Vocês comem a coalhada, vestem-se de lã e abatem os melhores animais, mas não tomam conta do rebanho. Vocês não fortaleceram a fraca nem curaram a doente nem enfaixaram a ferida. Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as perdidas. Vocês têm dominado sobre elas com dureza e brutalidade”.
Ezequiel 34:3-4 (NVI)

Ao longo das épocas a igreja evangélica vai criando clichês que em pouco tempo vão se tornando parte da doutrina eclesial comungada pelos seus fieis e aplaudida pelos líderes. Contudo, muito destes chavões escondem, imperceptivelmente, doutrinas heréticas que invariavelmente são maléficas a qualquer manifestação evangelical. Um exemplo clássico deste tipo de expressões é a: “pescar em aquário”. Tal jargão se refere ao fato de supostamente um membro de uma igreja ser “convidado” para ir conhecer outra denominação. Neste paralelo, o aquário refere-se à igreja, pescar alude-se a convidar, o peixe é o simbolismo para membros, e, o pastor adquire a qualidade de senhor/dono destes peixinhos.

A fim de desconstruir tamanha heresia que agride os pilares da Teologia Pastoral e que corroem as premissas da Eclesiologia Bíblica será necessário postular inicialmente sobre o ser pastor. Para tanto será necessário pinçar textos bíblicos, por serem estes a base mais sólida acerca do ofício pastoral. Portanto, é válido degustar as sábias palavras de Pedro: “pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho” – I Pe. 5:2-3 (NVI). Da perícope em destaque fica notório que, às vezes, alguns pastores tem confundido a responsabilidade de cuidar com o termo dominar (i.e. ser dono de). Apesar de os termos serem em essência antagônicos em si, às vezes, na escuridão dos calabouços religiosos se confundem/misturam e assim tornam a igreja num lugar de aprisionamento ao invés de um totem de livramento (cf. Mt. 11:28-30).

Na saga de repensar sobre o encargo pastoral frente ao “pescar em aquário” é importante refletir sobre o conceito de mordomia cristã, que se aplica a todos da cristandade, inclusive aos pastores. Desta maneira quebram-se os grilhões da opressão, da manipulação e da ganância, pois na Igreja Invisível (i.e. numa perspectiva de Reino) todos os cristão são despenseiros de Deus (cf. I Co. 4:1-2) e devem zelar pelo próximo (cf. Lc. 10:25-37). Na Eclésia dos Evangelhos o ser pastor é um convite ao serviço que implica em humildade, rendição e dedicação. Contudo, mesmo com tamanha responsabilidade não é dado aos pastores, desde os tempos bíblicos até a contemporaneidade, o direito de serem donos de ovelhas (ou peixes). Acima de tudo existe uma verdade inalterável: Deus é o supremo Pastor de todos os cristão que, então, são ovelhas do rebanho dEle (cf. Ez. 34; I Pe. 5:4). Por esta razão ratifica-se o ministério pastoral sobre o pressuposto da mordomia, ou seja, de cuidar, não de dominar.

O outro termo que no clichê inicial carece de atenção especial é o postulado de “aquário”. Os que comungam desta idéia partem da proposição que cada igreja local é uma espécie de aquário, e aí reside o núcleo do problema doutrinário que culminou na escrita deste artigo. A partir do momento que as bandeiras denominacionais ficam mais evidentes que a Igreja Invisível, fica então notório que há algo muito errado. Aqui é válido estacar que, sem sombra de dúvida, a igreja é imprescindível para o cristianismo, porém dicotomizar a irmandade separando-os por instransponíveis paredes denominacionais é agredir o conceito de Reino de Deus e de Corpo de Cristo. Em termos de relevância espiritual não existem duas ou mais igrejas, nem existe várias facções evangélicas e nem grupos na cristandade. Existe apenas uma Igreja (ênfase com o “i” maiúsculo), a verdadeira Igreja, a única Igreja (cf. I Co 8:6). Portanto, é anátema a doutrina que prega uma divisão eclesial na forma de aquários, tornando os peixes incomunicáveis entre si.

O levantar da bandeira de supremacia denominacional é equivalente a dar os primeiros passos rumo a terrenos escorregadiços duma pseudo fé cristã que limita as orações aos seus, que estende as mãos apenas para os arrolados como membros, e que socorre somente os conhecidos. Por esta razão é imprescindível que, por meio da marreta da defesa da fé, se quebre todos os aquários pastorais e libertem os peixes para desfrutarem do Oceano de Deus. É necessário ratificar que não é as denominações em si mesmas maléficas a cristandade, pois são apenas formas de organizar o povo por afinidades e identidades. O aquário denominacional só é maléfico quando estes suprimem a responsabilidade de ser fraternal aos diferentes irmãos, e, quando ofusca dos fiéis a realidade de um mundo desafortunadamente desesperado pela manifestação de cristãos além dos vitrais. A presente crítica se concentra sobre o imperativo da Igreja ser maior do que uma igreja, e assim responda aos anseios da sociedade de forma integral e adenominacional.

Neste universo de peixes em aquários um triste cenário se despontava. Ali, enquanto muitos pastores perdiam tempo construindo aquários, enfeitando-os para que seus peixes não desejassem outras águas; Enquanto muitos se valiam, erroneamente, do livro “floresça onde está plantado” – autor: Robert H. Schuller (Betânia, 1984) – apregoando que Deus não quer que “você” troque de igreja; Enquanto muitos se irritavam por “perder” membros para outras denominações, entendendo que os peixes eram seus que estes não teriam sucesso em nenhum outro lugar; e, enquanto muitos bradavam deter uma espécie de autoridade espiritual para abençoar os que estão dentro do aquário e de amaldiçoar os que ousavam pular fora. Neste ínterim, paralelamente a este cardume do gueto gospel, muitos peixes morriam por causa das águas fétidas que entupiam alguns aquários, muitos peixes pequenos se submetiam aos grandes por causa do medo espiritual, e o pior, muitos peixes pereciam fora dos aquários por não encontrar outros peixes que lhes anunciassem a Água Viva (cf. Jo. 4:14).

Na perspectiva bíblico-cristã não se admite pastores que sejam donos de peixes, como também não se tolera aquários que faccione o Corpo de Cristo. Portanto, tal expressão, “pescar em aquário”, é descomedida aos valores cristãos e desnuda uma igreja desqualificada frente à funcionabilidade do Corpo. Contudo, é evidente que sempre há tubarões que insistem em apaixonarem-se por aquários e gastam seus ministérios em prol de fazer espetaculares criadouros de peixes. Para estes o fim se estreita na assustadora sentença: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: ‘Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!’ ” – Mt. 7:21-23 (NVI). 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 10 de Novembro de 2010

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

E se Jesus não tivesse dito...



“Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças”. 
Mateus 9:35 (NVI) 

Os ensinos de Jesus é o fiel norteador para a vida cristã. Tudo deve ser peneirado ante as palavras de Cristo, e se algo não couber no Evangelho de Cristo deve ser removido a um âmbito secundário e, talvez, deva até ser desprezado. O Carpinteiro é o padrão único para a Igreja - ou se amolda a Ele, ou não se pode denominar cristão. Definido estes limiares faz-se necessário ponderar sobre uma terrível ameaça que tem surgido sorrateiramente nos rincões protestantes, a saber, pequenas distorções e duvidosas aplicações acerca do que Cristo disse. Dai a problemática, pois nos casos citados no início deste parágrafo fica fácil para qualquer cristão valer-se do bom senso e abalizar sua fé a partir de Cristo, porém quando é o inverso requer um pouco mais de sutileza hermenêutica/exegética para detectar as bizarrices. Ao contrário do que possa parecer, nem sempre ler implica em entender. Quando isto acontece surge interpretações não muito confiáveis, com pequenos erros que podem ter grandes impactos na cristandade. A estes percalços daremos um tom provocativo com a sentença: “e se Jesus não tivesse dito...”.

E se Jesus não tivesse dito “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (cf. Mt. 19:19), será que amaríamos os outros? Desta indagação surge um conflito terminológico, pois amar alguém por orientação doutrinária invariavelmente não é amar, amar implica essencialmente em espontaneidade e voluntariedade. Ao que parece, em muitos ciclos evangelicais a atitude de amar se tornou um fardo a ser carregado, um peso indesejado que deve ser feito, um estorvo de vida que precisa haver a qualquer custo. Contudo, não é isto que Jesus propõe para os Seus. Amar ao próximo não é uma imposição, é a essência de ser Igreja. Amar ao próximo não é algo que deva ser feito, é o que define os cristãos como tal. Amar ao próximo não é uma virtude a ser admirada pelos espectadores igrejeiros, é a marca visível dos que se renderam aos pés da cruz. Amar ao próximo não é algo que precisa ser feito, é algo que naturalmente será feito. O amor só existe em liberdade, qualquer cativeiro o torna melancólico, desonesto e pervertido.

E se Jesus não tivesse dito “eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento” (cf. Mc. 2:17), será que haveria espaço para os imperfeitos na santa igreja protestante? A razão primária da Igreja na terra é a anunciação fidedigna dos ensinos de Jesus, e isto inclui, portanto, a inclusão indiscriminatória dos imperfeitos, fracassados, pecadores, desmedidos, marginalizados e defeituosos no Reino. Estas tais desvirtudes nunca serão erradicadas do coração humano. Por mais que se vista uma túnica de santidade, inegavelmente, lá embaixo continua o coração corrupto. Por mais que as multidões admirem a nobreza de vida de alguns, ainda sim permanecerá o pecado a porta destes. Por mais que se viva um vida inteira dedicada à causa do Evangelho ainda poderá ser sentido o cheiro fétido da natureza caída que habita no ser humano. Portanto, ao contrário do que defende os contemporâneos fariseus, Igreja é lugar de gente imperfeita, gente que sabe que nunca será perfeita, gente que entende que suas desvirtudes sempre o assombrará. Então, não há razões para não estender um tapete vermelho aos pecantes e assim formar a fraternidade dos pecadores arrependidos, pecadores, todos.

E se Jesus não tivesse dito “perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (cf. Mt. 6:12), será que ainda haveria interesse em perdoar as faltas de outrem? Muitos cristãos impulsionam o perdão não a partir da busca de reconciliação, mas sim pelo medo de Deus não os perdoar quando estes errarem. Tal premissa desnuda uma gigantesca corruptibilidade no coração, pois se valem do perdão como moeda de troca celestial e barganha com Deus. O perdão que se propõem alguns não passa de trapos de imundícia, negociata perversa e fuga de penalidade. O perdão não implica em aceitar determinada situação, mas é uma predisposição em viver em paz. O perdão não traz consigo a volta, mas se propõem a não se prender ao passado para viver um novo futuro. O perdão não é uma atitude verbal, mas sim uma ação integral e integradora. Perdão, perdoar, ser perdoado, são vislumbres de um cristianismo bíblico que coexiste com a Igreja. Pratica-se o perdão não por causa de, mas sim por ser. Encontra-se o perdão não para, mas sim porque (conjunção causal, explicativa).

E se Jesus não tivesse dito “o maior entre vós seja como o menor” (cf. Lc. 22:26), será que os cristãos ainda iriam se limitar a humildade? Tristemente, não poucas vezes se percebe que alguns usam a fé cristã para se sobrepor a outros, como que se o cristianismo tornasse as pessoas maiores que outros, gerando sentimentos perigosos do gênero soberba, orgulho e prepotência. Nada seria mais contraditório a proposta da cruz Cristo que ver os Seus discípulos buscando superioridade. A mensagem de Jesus foi enfática no que tange a humildade, serviço e fraternidade mútua. Estas seriam as características dos que se renderam ao Senhorio do Carpinteiro. O chamado a ser menor não deve ser entendido como um temporário infortúnio terreno para que num futuro sejam estes recebidos em glória nos céus. Ser menor não pode agregar o desejo vingativo de sofrer na humildade da igreja visível com a expectativa de que no céu ser coroado com mais galardões do que outros, tornando enfim superior/maior. O convite a ser menor não é temporário ou terreno apenas, tem implicações com a eternidade, pois não há utilidade de se ser maior no Reino dAquele que é o Maior absoluto. Ser menor é um apelo para que haja total esvaziamento de si mesmo, hoje, amanhã e no céu.

E se Jesus não tivesse dito “qualquer que procurar salvar a sua vida, perdê-la-á, e qualquer que a perder, salvá-la-á (cf. Lc. 17:33), será que teríamos disposição para ir perdendo para que ao fim sejamos salvos? O Cristianismo desestabiliza boa parte de nossas convicções, valores e cultura. E neste processo de desconstrução, às vezes, nos apegamos a alguns resquícios do velho homem que insiste em não morrer, são desejos nobres e que em nada são maléficos a fé, porém também não fortalece a convicção da transitoriedade da vida. As obras da carne e os desejos pecaminosos são de fácil categorização, quase sempre são bem profanos. Contudo, há aquelas virtudes e normalidades da existência que  vão pouco a pouco produzindo sequidão na esperança da salvação e desertificando a intenção da morada eterna. Quanto mais nos apegarmos as coisas desta vida menos desejaremos o céu. Quanto mais gastarmos tempo com os assuntos deste século menos entenderemos sobre a morada celestial. Quanto mais nos apaixonarmos pelos prazeres de viver menos estaremos dispostos a morrer. Enquanto quisermos ganhar, estaremos perdendo. O que realmente importa ao final de nossa peregrinação terrestre não é o quanto fomos felizes, nem o quanto fizemos, muito menos quanto conseguimos, tudo se resume numa única sentença: se desafortunadamente perdemos ao ponto ganharmos gratuitamente a salvação. Nada deveria nos encantar mais nesta vida do que o desejo de perder por causa dEle.

E se Jesus não tivesse dito “a minha graça te basta” (cf. II Co. 12:9), será que Ele seria suficiente para nós? No contexto atual em que algumas igrejas tupiniquins subsistem parece que Cristo não é suficiente, precisam materializar a fé, necessitam fazer sacrifícios das mais diversas ordens para “chamar a atenção de Deus” e se apegam exacerbadamente ao carisma dos líderes/coronéis eclesiásticos para aquecer dominicalmente a chama ministerial. Para estes, Cristo não é suficiente, estes querem mais do que um simples Carpinteiro. Entretanto, o núcleo da fé evangélica deve residir sob a premissa axiomática de que Cristo é suficiente. Toda a história serve aos propósitos dEle, tudo que existe está ai por causa dEle, Ele é o alimento para as almas famintas, Ele é o refrigério para as vidas cansadas, Ele é a cura para os corações enfermos, Ele é a esperança para os vacilantes, Ele é o Pastor das ovelhas, Ele é o sacrifício único e perfeito, Ele é intocável em Sua soberania, enfim, e por fim, e até o fim, Ele é suficiente. Qualquer ação coletiva ou individual que intente tornar o Cristo não suficiente deve ser repudiada.

E se Jesus não tivesse dito... mas disse! E que bom que disse! Então, só nos resta amar ao próximo com a mesma dedicação que fazemos a nós mesmos com o propósito de promover a fraternidade; reconhecer nossas imperfeições e invariável natureza pecaminosa que sempre nos descortinará que igreja é lugar de gente assim; perdoar e ser perdoado com intuito de difundir a Graça do Mestre que insiste em usar pessoas disformes como você e eu; humilhar nosso ego perante Deus e perante a congregação reconhecendo que somos menores não porque não poderíamos ser grandes, mas sim porque escolhemos ser os menores entre todos afim de que o Maior seja sempre evidenciado; Perder a vida para encontrar o Autor da Vida que nos conduz em novidade de vida e assim reconectar-se a um novo modo de viver; e, por fim, descansar nos embalos da Graça que torna tudo o mais irrisório para que em Cristo encontremos a suficiência de nossas histórias terrenas e rendição completa na eterna glória por vir. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 19 de Fevereiro de 2013

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sem grandes espetáculos, apenas um Carpinteiro


“...livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz...”.
Hebreus 12:1-2 (NVI) 

A fé cristã se centraliza na pessoa de Cristo Jesus e, ao contrário do que se vende no camelô da fé igrejeira dos tupiniquins extravagantes, o Carpinteiro é simples e propõe um Caminho de simplicidade. Em um “mundo” onde o Carpinteiro é Senhor absoluto, torna-se medíocre aos Seus a busca por grandeza, fama, reconhecimento, espetáculos, show’s, megatemplos, superioridades apostólicas, autoritarismos míticos e coronelismos eclesiásticos. O convite do Nazareno não é para que os Seus sejam os melhores em detrimento dos demais, pois para Ele os pequeninos são tão importantes quanto o mais aclamado discípulo (cf. Mt. 18: 1-11). A proposta do Evangelho é que os Seus sejam simples trabalhadores na Seara, servindo em amor na fraternidade dos trabalhadores (cf. Lc. 10:1-3). Neste “mundo” não existe lugar para espetaculares senhores feudais, apenas para humildes servos.

A vida e a obra de Jesus Cristo não podem ser limitadas às manifestações coletivas, isto é, não podem restringir-se apenas aos cultos da cristandade. Contrário aos discursos pulpitocêntricos, a proposta do Evangelho é que Cristo esteja presente em todos os momentos da vida humana, desde os momentos mais simplistas da existência até as mais complexas vivências. O Carpinteiro propõe uma fé que não seja um amuleto que vez ou outra se valha para resolver problemas gigantescos, mas seja uma vida de relacionamentos simples, sinceros e transformadores. Portanto, ser cristão é simplesmente viver com o Cristo, é torna-lO parte indivisível da jornada, é participar da vontade d’Ele, é buscar agrada-lO em primeiro lugar, é submeter incondicionalmente ao Senhorio d’Ele, é reconhecer Sua majestade, é despir-se de todo trapo de barganha religiosa pré-formatada e redescobrir um Deus que ama pelo simples fato de ser Ele próprio o Amor (cf. I Jo. 4:8).

No Cristianismo não há necessidade de se trajar de hipocrisias, pois Ele não precisa ouvir uma só palavra para entender os sentimentos mais profundos. No Evangelho de Jesus não há razão de demonstrar o que não se é, pois Ele conhece as intenções do coração. O convite do Cristo é para que haja uma sincera e simples vida em comunhão com Ele, e neste convívio, o ápice é quando a vontade do homem se encontra subjugada, rendida e satisfeita sob a soberania do Carpinteiro. E é neste momento, distante dos espetáculos, que emergirá uma fé puramente cristocêntrica capaz de exalar o perfume da Graça e reconhecer que Ele é o “autor e consumador da nossa fé” (cf. Hb. 12:2). Então, as almas cansadas acharão repouso, pois n’Ele subsiste toda a esperança; n’Ele a escuridão se dissipa pela clareza da Sua Palavra; n’Ele a vida encontra sentido durante a peregrinação nesta terra; n’Ele as dúvidas se dissolvem na paz de se estar no Caminho; e, n’Ele, o fardo das vivências é suavizado pela Graça exalada durante a Via Dolorosa. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 09 de Dezembro de 2010

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A corretora de seguro celestial


"Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. 
Pois o que o homem semear, isso também colherá”.
Gálatas 6:7 (NVI) 

Ao sintonizar a rádio em um programa cristão qualquer, ou ao assistir a um canal evangélico na televisão, ou simplesmente participar de um culto dominical tem se tornado um grande desafio para qualquer pessoa com um mínimo de postura bíblica. As aberrações teológicas são incontáveis e a cada dia ficam mais bizarras. Os erros hermenêuticos atingem a escala máxima de tolerância. As infantilidades imperam na tribuna eclesial. Ao que parece, infelizmente, a igreja do século XXI esqueceu o que é ser igreja. E como demonstração pública destas euforias evangelicais se percebe que fora construído um conceito distorcido do que é dízimo.

Ao ministrar uma aula em um determinado seminário um aluno fez o seguinte questionamento: “professor, tenho uma dúvida, ou melhor, estou em crise. Sempre aprendi que pelo fato de ser dizimista Deus tinha que me proteger e a minha vida tinha que prosperar. Estou plantando (dizimando), porém não estou colhendo, por quê? Nunca deixei de dar o dízimo!”. Confesso que fiquei por alguns instantes tentando entender a lógica evangelical do pensamento deste aluno. Estas deformações cristãs são resultados claros de um cristianismo empobrecido pelo lucro do serigreja”. De uma forma assustadora os cristãos estão sendo afeados no que tange a leitura de Deus, de cristianismo, de igreja e de dízimo (tendo por base o caso citado, entre outros semelhantes).

O dízimo se tornou uma parcela mensal a ser pago na “corretora de seguro celestial”, cujo proprietário seria o próprio Deus, tendo como representante na terra as igrejas. Nesta linha de pensamento, que muitas igrejas insistem em defender, Deus “assina” um contrato assumindo a responsabilidade de enviar dinheiro, saúde, prosperidade e tudo mais de bom que possa existir, desde que você (sim, você!) seja fiel no pagamento das parcelas (leia-se dízimo). Fica patente que aqui o dízimo se torna uma troca com Deus, o que não deveria ser. Mas, aproveitando o momento vamos imaginar se a moda pega, sendo assim a igreja evangélica vai promover a falência de inúmeras corretoras de seguro, pois se o dízimo protege tudo, então para que fazer seguros, isto seria desconfiança no acordo feito com Deus.

Há alguns que ousam arriscar palpites aparentemente irônico, porém não menos passivo de possibilidade, onde sugerem a criação do dízimo “pula-pula”, onde você paga num mês e recebe o valor em bênçãos no mês seguinte, você paga num mês e recebe no outro, é a evolução dizimal! Isto até parece algo distante da realidade eclesiástica atual, mas talvez não tão distante quanto se imagina, pois em algumas igrejas já estão presenteando publicamente os dizimistas fieis, então, ao que parece a roupagem é diferente, mas a idéia é a do dízimo “pula-pula”. Nesta concorrência para ver quem fideliza o cristão vale tudo, até quem sabe baixar o dízimo para 8 %, tendo assim um diferencial frente à concorrência (leia-se outras igrejas). Afinal, as massas estão a procura de uma igreja que tenha muito a oferecer e que exija pouco dos seus membros.

A terrível realidade pós-moderna assusta e indubitavelmente amedronta a fé simples apresentada pelo Carpinteiro Jesus. Numa perspectiva não tão irônica percebe-se que a igreja evangélica está se tornando gradativamente num clube, apenas para análise façamos um paralelo entre a igreja atual e um clube recreativo, veja as semelhanças: em ambos há mensalidades (dízimos), lazer, festas, associados (membros), campos de futebol, piscinas, reuniões, música, danças e etc. Tudo para dar mais comodidade e conforto para os dizimistas fieis (associados). Entretanto, o dízimo não deveria ser gasto visando o bem estar dos dizimistas, aliás até nisto há semelhança, pois um clube reverte o dinheiro dos associados nos próprios associados e paralelamente os dizimistas também estão exigindo ser beneficiados com os dízimos. Os dízimos deveriam ser uma fonte de recursos para realização dos propósitos de Deus e expansão do Reino.

O dízimo deveria ser uma manifestação de gratidão a Deus e de notório cooperativismo eclesiástico com fins a cumprir os objetivos cristãos estabelecido pelo próprio Deus. O presente texto não é uma apologia anti-dízimo, para tanto se faz necessário ratificar que o problema não está no dízimo, a questão é no porque as pessoas estão dando o dízimo. Nesta guerra não há vencedores, portanto, tentando reorganizar alguns valores quero parafrasear o discurso de posse do ex-presidente dos EUA, J. F. Kennedy: “não pergunte para Deus o que Ele pode te oferecer, mas pergunte o que você pode oferecer para Deus”. Por fim, em defesa da fé, vale bradar: dízimo não é uma negociação com Deus! 

Fortalecido pela cruz de Cristo, 
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 03 de Junho de 2008