quarta-feira, 30 de abril de 2014

Jesus, em diálogos silenciosos


“...uma coisa sei: eu era cego e agora vejo!”
João 9:25 (NVI)

Existem duas verdades axiomáticas, de caráter imutável e permanente: primeiro, que Jesus conhece todos os tempos e então não se angustia com o futuro, pois para Ele o tempo está numa mesma perspectiva temporal. Segundo, que os seres humanos não conhecem os tempos e então vivem a se angustiar com o futuro, pois para estes o tempo é um algoz imprevisível. Para nós, seres desdivinizados (neologismo possível para descortinar a humanidade de homens), só nos resta acordar, dia a pós dia, com a certeza de que “futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda nossa vida. Depois convida a rir ou chorar. Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar (...)” - trecho da canção “Aquarela”, de Toquinho, Álbum Aquarela, 1983. E, é exatamente neste hiato silencioso entre presente e futuro que o Carpinteiro esculpe Suas obras de arte na história, às vezes, assumindo um agradável sorriso temporal, outras tantas, personificando a emoção indecifrável das tristezas atemporais - sendo nesta última que pessoas ficam tatuadas em nossas vidas, pois “o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis” (frase atribuída, sem comprovação, a Fernando Pessoa).

No caminhar de Jesus pela história registra-se um diálogo silencioso com um cego de nascença (cf. Jo. 9) – digo diálogo silencioso, pois Jesus só conversa com o referido cego tempos depois, num segundo encontro (vs. 35 ao 38), sendo aqui Jesus reconhecido pelo cego. Contudo, antes deste discurso ser verbalizado já havia diálogos entre estes dois personagens, não no campo cego da humanidade, mas sim no campo da infinitude do Mestre. Para o cego aquele dia era apenas mais um de vários outros de completa desesperança, conformidade com as limitações e aceitação das deformidades. Entretanto, sendo o Carpinteiro conhecedor de todos os dias, já tinha agendado desde antes do cego nascer, aquele encontro. Então, enquanto os homens tentam explicar as coisas da vida, se achando conhecedores das causas (vs. 2), Jesus descortina os intentos superiores dAquele que subsiste acima da linha do tempo e interfere (dialoga) na história (vs. 6 e 7). Para o Criador os significados e significantes não existem somente nas palavras/conversas, os diálogos ocupam dimensões extra-temporais, não explicadas por nossa pequenez, porém percebida/recebidas por nossa miserabilidade. Como propõem John Pipper (“Sorriso escondido de Deus”, Shedd Publicações, 2002) ao descrever as intervenções e intenções de Deus na história de personagens do cristianismo recente, demonstrando que existe um sorriso escondido (silencioso) de Deus que se dialoga com as incompreensíveis aflições humanas. Assim como endossa Ron Mehl (“Deus trabalha no turno da noite”, Editora Quadrangular, 1994) quando descreve o cuidado de Deus para com a história humana, desnudando que nossas vidas não estão isoladamente desgovernadas, mas sim são regidas por Aquele que detém todo o poder para mudar situações catastróficas e que escolhe surpreender o homo sapiens com o inexplicável.

O constrangedor em todo este discurso é que podemos ficar encantado com a pasmalidade temporal de “uma coisa sei: eu era cego e agora vejo!” (cf. Jo. 9:25) e, então, nos esquecermos do outro lado da história humana em que temos de admitir, de tempos em tempos, que “o Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor” (cf. Jó 1:21). Aqui é preciso reiterar que a galeria dos heróis da fé (cf. Hb. 11) não fora dada aos que encontraram livramento, mas sim os que“...morreram sem receber o que tinha sido prometido (...) Alguns foram torturados (...) Outros enfrentaram zombaria e açoites, outros ainda foram acorrentados e colocados na prisão, apedrejados, serrados ao meio, postos à prova, mortos ao fio da espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos e maltratados” (cf. Hb. 11:13, 35, 36, 37). Jesus conhece todos os tempos, e para não nos bestificar a semelhança dos amigos de Jó, prefiro seguir minha jornada nesta terra sem entender os tempos, porém, crendo que Ele pode me curar das várias cegueiras que me assombram, entretanto, nunca saberei se é hoje o dia deste nosso diálogo. Enquanto isto, desfruto de meus dessabores existenciais crendo que nenhum dia se passa sem que Ele reja, com estrema maestria, a história de seres miseráveis como eu. Ao final, nosso diálogo está sendo narrado, e quer seja nesta vida, ou ao encerra-la, teremos todas as lágrimas enxugadas, e a tristeza não mais haverá, e então, como que num sussurro esperançoso (coisas do Carpinteiro), poderemos ouvir: “estou fazendo novas todas as coisas...” (cf. Ap. 21:4-5).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 30 de Abril de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

A elitização dos congressos de missões no Brasil


“...a fim de que não haja divisão no corpo, mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado uns pelos outros”.
1 Coríntios 12:25 (NVI) 

O discurso missiológico em solos tupiniquins vem sofrendo uma inevitável mutação ideológica, assim como todas as variáveis existenciais do presente tempo. Sendo, portanto, importante se redefinir, de tempo em tempos, o que estamos fazendo e o que estamos falando que estamos fazendo. E deste hiato conceitual sermos sinceros. Reconheço que escrever um texto/artigo sobre a elitização dos congressos de missões no Brasil é entrar em um terreno escorregadio, pois é preciso ter cuidado para não desmerecer os esforços de outrora, bem como não generalizar vagamente uma problemática contemporânea. Contudo, não discursar sobre esta temática é verbalizar um silêncio com tom de consentimento. Portanto, o termo elitização será utilizado neste texto para designar uma exclusão missiológica, intencional ou não, de uma grande maioria de igrejas “pobres” em detrimento do discurso das torres de marfins das igrejas “ricas”. O foco aqui não é a execução de missões em si, mas sim os perigos que estão orbitando na elitização dos congressos de missões. Não será avaliado os projetos, ações e inciativas de missão integral, mas sim o aglomerado discursivo, ou seja, a proposta é olhar para o que virou os eventos de missões nas terras tupiniquins.

Inicialmente é preciso delimitar o que seria uma igreja “pobre” e o que seria uma igreja “rica”, bem como qual seria a relação destas com o discurso de missões. Então, sejamos práticos, igreja “pobre” é aquela que não tem condição financeira de custear os gastos de se trazer um palestrante conhecido nacionalmente ou um missionário do campo transcultural para sua conferência missionária. Isto é bem real para milhares de igrejas no Brasil que mal conseguem pagar aluguel, conta de energia, telefone e água, entre outros gastos. Alguns poderiam ser simplistas e afirmar, é apenas uma questão de prioridade. Não é verdade, é uma questão de sobrevivência/manutenção da igreja – realidade nas periferias das cidades e nos interiores distantes (abandonados). Outro fato que precisa ficar claro neste momento é que não quer dizer que precisemos trazer gente de fora para que o evento de missões seja relevante. De fato! O foco aqui não é a relevância dos congressos, mas sim a falta de acessibilidade/oportunidade aos de igrejas “pobres”. Imagine o quanto seria produtivo, enriquecedor, encorajador, reflexivo, transformador se uma igreja “pobre” da periferia pudesse ter um tempo para aprender com os caciques do nosso tempo (não entenda esta expressão ofensivamente).

Do outro lado da força têm-se as igrejas “ricas” que, seguindo a mesma lógica prática proposta no parágrafo anterior, tem condições de trazer a nata de missões para seus eventos missionários. Então, esperava-se que estes popularizassem o acesso das igrejas “pobres” aos eventos, mas não é isto que acontece, por algumas razões: 1) Cobram muito caro, dai precisamos dimensionar isto, por exemplo, se o evento custa aproximadamente R$ 150 reais por pessoa, levar cinco pessoas da igreja “pobre” já dá mais de um salário mínimo – uma fortuna para o contexto de igrejas “pobres”; 2) Disponibilizam o evento pela internet, julgando ser esta uma iniciativa de acessibilidade a todos, fato inverídico, pois separar geograficamente os que não tem condição de pagar é explicitamente uma ação de exclusão – lembrando que se a igreja é “pobre” provavelmente não terá internet para assistir ao evento; e, 3) Divulgam apenas nas igrejas do mesmo nível financeiro, argumentando não ter contatos dentro das igrejas “pobres”, isto configura problemas graves, sendo que a falta de contato com os “pobres” cristãos não é a causa, é o efeito da elitização, bem como descortina uma real intenção de não levar gente que não sabe se portar num congresso elitizado – é fato latente que nas igrejas “pobres” silêncio não é uma das virtudes.

Ainda é preciso dizer mais sobre os eventos missionários organizados pelas igrejas “ricas”. O fato de se fazer um congresso de missões em um hotel nada popular no que tange a preço só fomenta a elitização. Algo bem perto da crítica que o filme “Amor Sem Fronteiras” (2003, PARAMOUNT PICTURES) propõem quando um grupo de ricos se reúne num baile glamoroso de consciência social, quando são surpreendidos pela invasão de uma criança africana que personifica a realidade, provocando um indigesto confronto: discurso versus realidade. Outro problema que precisa ser destacado é que, para os organizadores dos elitizados congressos de missões, a igreja local deveria pagar para o pastor ou líder de missões participar, algo até regulamentado em alguns denominações por meio do estatuto ou regimento interno. Isto também não resolve o problema, pois o que precisamos é de popularizar missões não concentrar em uma ou duas pessoas (pastor ou líder de missões), é a igreja que precisa se conscientizar, não a elite da igreja. E, mais uma consideração precisa ser feita, acredito (empiricamente) que os atuais cacique de missões não cobram uma fortuna para ministrarem, porém estranhamente, num cálculo simples, de 500 pessoas pagando R$ 150 reais chega-se ao valor de R$ 75.000 reais (setenta e cinco mil reais!!!!!), valor excessivamente alto que, com certeza, cobre as todas despesas (mesmo não sendo necessário os participantes cobri-las, pois lembremos que quem está promovendo o evento é uma igreja “rica”).

O leitor deve estar se perguntando o que, então, poderia ser feito. Aliás, qualquer crítica precisa propor um novo caminho possível (referência ao artigo “Viva os Críticos”, escrito pelo mesmo autor), do contrário é apenas falatório inútil. Por estar razão, nos próximos parágrafos aventurarei propor algumas idéias (umas já praticadas por ai nos rincões brasilianos e outras tantas que beira da utopia – quem sabe, Lars Grael tenha razão quando diz que utopias podem virar sonhos, sonhos podem virar realidade). A primeira proposta é que se tragam, subsidiado pelas “igrejas ricas”, os caciques de missões para palestrarem em congressos de missões nas periferias, em igrejas “pobres” e a partir da realidade local proporem discursos e uma práxis que sejam associadas não a elite, mas as massas evangelicais e seus desafios contemporâneos/contextuais. A idéia aqui é que as igrejas “ricas” cubram os gastos pela capacitação/treinamento missionário das igrejas “pobres”. Afinal, isto por si só já seria de caráter missionário – igrejas que se ajudam mutuamente, não visando seu próprio arraial, mas o Reino. Obviamente que esta proposta está acima da zona de utopias, até porque a riqueza é fruto da não distribuição de renda, ou seja, só se é rico porque não se gasta com, se acumula.  Enquanto as igrejas “ricas” entenderem que mordomia cristã se aplica a gerar conforto para os seus, então, continuaremos a viver num guerra fria entre denominações, o que gera a elitização.

Outro caminho possível é que nestes elitizados congressos de missões se tenha uma isenção das taxas de inscrições para os membros (não só pastores e líderes de missões) de igrejas “pobres”. Alguns poderiam argumentar que é dificílimo definir o que seria uma igreja “pobre”, contudo, como já foi dito anteriormente não é. Uma simples pergunta na ficha de inscrição poderia resolver este problema: “você ou sua igreja local não tem condição de pagar a taxa de inscrição?” abaixo teria a opção para assinalar “sim” ou “não”. Aqui alguns poderiam contra argumentar, como poderíamos acreditar na resposta, será que alguns não iria se aproveitar desta situação? A resposta é SIM! Sempre haverá discípulos de Gerson (referência a Lei de Gerson – levar vantagem em tudo). Entretanto, temos que partir do pressuposto que estamos lidando com cristãos, não com malandros. Se partirmos do pressuposto que os participantes do congresso de missões não são pessoas confiáveis, então não há o que se discursar nestas plenárias. Temos que sempre nos lembrar da história atribuída a Tomás de Aquino quando foi chamado por joviais frades a ir para o pátio do convento para ver uma vaca voando, e após ter sido motivo de rizadas argumentou: prefiro acreditar que vacas possam voar a ter que admitir que um cristão possa mentir.

E por fim, não esgotando as possibilidades de deselitização dos congressos de missões, finalizo propondo que os caciques de missões tenham mais critérios ao aceitar os convites para participar destes eventos. Enquanto, não vermos grandes nomes associados aos pequenos eventos, não teremos condição de mudar tal cenário de elitização. Obviamente que reconheço que muitos dependem financeiramente destas participações, contudo, não acredito que empobrecerá se o tal cacique dispuser algumas datas para imergir na realidade missiológica das igrejas “pobres”. Este tópico não é tão utópico, pois se têm notícias por ai deste tipo de ação de deselitização – claro que são raras, mas são reais. O contexto missionário brasileiro precisa de exemplos, palestrantes/missionários que optem em fazer a deselitização, não apenas discorrer sobre esta como num discurso mitológico. O mundo evangélico tupiniquim está em constante mutação, passando de uma geração para outra, substituído gradativamente seus caciques – processo normal e natural, inevitável e saudável para o Reino. Todavia, é preciso arrazoar sobre qual a herança que a próxima geração terá destes que estão à frente dos congressos de missões no Brasil. É imprescindível que se reavalie os impactos sociais, culturais, teológicos e missiológicos do que está sendo feito hoje para que não culpemos o passado, desassociando as atuais vivências de nós mesmos.

O caminho não é acabar com os grandes congressos de missões, mas sim oportunizar o acesso, real e não discriminatório, de cristãos de igrejas “pobres”, igualmente inverter o processo, termos gente grande (caciques) de missões em congressos de periferias e/ou interiores. Não podemos nos iludir com a folclórica homilia dos ricos que afirmam que precisamos de igrejas “ricas” para ajudar em missões, pois para ser ricos é preciso não distribuir. Além do mais é preciso avaliar não os valores em si, mas sim os percentuais equivalentes. Por exemplo: uma igreja “pobre”, com receita de aproximadamente R$ 2.000 reais que envia R$ 300 reais por mês pro campo equivale a 15% das entradas; de contra partida uma igreja rica com receita aproximada de R$ 150.000 reais que envia R$ 10.000 por mês pro campo equivale a apenas 6 % das entradas. Então, por tudo que fora exposto neste artigo, o leitor pode ter chegado, iludidamente, a conclusão que a solução seja não cobrar pelos congressos de missões. Leto engano! No centro-oeste brasileiro (contexto do autor) é comum encontrarmos excelentes congressos de missões com entrada franca, e estranhamente, ter uns poucos gatos-pingados de gente. Ao que parece já fomos contaminados pelo vírus do capitalismo, ou seja, se o evento não for caro, não deve ser bom. Finalizo, então, temoroso, pois acho que já criamos um monstro chamado “elitização dos congressos de missões”.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 14 de Abril de 2014