1 Coríntios 9:16 (NVI)
A história
eclesiástica brasileira é relativamente recente, por causa da brevidade
histórica da nação, pouco mais de 500 anos – período que constitui um pequeno
soluço temporal para os padrões históricos. O protestantismo, em solos tupiniquins, é mais recente ainda, pois
apesar de haver registro de cultos desde o “descobrimento” do Brasil, as
primeiras igrejas evangélicas só se estabeleceram por volta do ano de 1700, sob
supervisão dos primeiros missionários carreira, europeus e americanos, que por
aqui chegaram – então, isto significa que temos pouco mais de 300 anos de
história eclesiástica eurocêntrica-brasiliana. Mais recente ainda é o
surgimento de igrejas autóctones, de origens brasileiras, pois o primeiro
pastor brasileiro ordenado no Brasil (José Manuel da Conceição) se deu em
Dezembro de 1865. Então, só podemos começar a falar de uma Igreja, supostamente
brasileira, a partir de uma data provável dos anos de 1900. Portanto,
resta-nos algo entorno de 100 anos de história eclesiástica brasileira para
pensarmos o enquadramento missiológico desta, sendo que missões só ganhou
destaques nos púlpitos tupiniquins por volta da década de 1980, e na maioria
dos casos somente após 1990 (tente lembrar do primeiro congresso de missões que
você, leitor, participou, arriscarei afirmar de deve ter sido entre as
referidas duas décadas). Então, de fato, o envolvimento missiológico dos
brasileiros é de no máximo 40 anos – é isto, em nível de história, o que nos
resta.
A pouca longevidade
missiológica tupiniquim pode ser uma das
causas de ainda não termos muito claro o que é, ou não, missões. E para agravar
tal cenário, nosso referencial missiológico (europeu e americano) tiveram
limitações e desvirtudes gravíssimas, como: a não culturação, ausência de
contextualização da mensagem, dependência financeira estrangeira, evangelho
tipo importação, música e liturgia desconexa com a realidade, entre outros – é
válido ressaltar que tais problemas resumem uma época histórica, que assim como
qualquer outro período apresenta deficiências temporais, ou seja, não podemos
desmerecer os esforços de outrora. Neste misto de referenciais, o Brasil vem
tentando descobrir como fazer missões, e gradativamente deixar de ser campo
missionário (não que não haja mais nada a ser feito nos rincões brasileiros,
sempre haverá, porém precisamos assumir nossa responsabilidade na Missio Dei). É deste ponto que iniciamos
nossa busca do que é fazer missões, e para tanto, faremos o caminho inverso, a
pergunta norteadora será: o que não é fazer missões? A proposta é entendermos o
que não é com fins a clarificar o que é. O percurso proposto nos ajudará a
constituir uma definição mais plausível e coerente.
Não é fazer
missões viajar para o exterior. Este é o tipo
de missionário que mais temos encontrado pelas igrejas tupiniquins, gente
que acha que só pelo fato de ter pisado em solos estrangeiros se tornaram
missionários. A concepção é meio mística e instantânea, não interessa o que
fora feito, se foi para o exterior, então, é missionário. Este tipo de missionário caiu na graça da
igreja brasileira que sempre foi encantada com a desnutrição africana, com a
exploração sexual do oriente, com as cicatrizes asiáticas, enfim, com toda
sorte de desgraça e mazela cultural. Dai, se este tal missionário passa uns dias no exterior e tira fotos de tais
atrocidades pode expô-las nas igrejas brasileiras, seria tipo uma sessão pôster
do sofrimento do outro. Detalhe, provavelmente este missionário viajante só tirou as fotos, não se envolveu com os
protagonistas das fotos; fica distante, pois para estes o que interessa são as
fotos, não o que fora feito; para estes missionários
boêmios as fotos são a porta de entrada das ofertas que financiará novas
viagem pelo mundo. Precisamos diferenciar uma viagem ao exterior, de uma viagem
missionária ao exterior. É preciso diferenciar conhecimento cultural adquirido
numa viagem ao exterior, de uma intervenção missionária no campo transcultural.
Precisamos diferenciar entre missionários e viajantes.
Não é fazer
missões ser filho de missionário. Este é outro tipo de missionário que tem brotado pelos guetos evangelicais
brasileiros. Gente que nasce no campo missionário, filhos de missionários de carreira.
Entretanto, nascer e conviver com a realidade missiológica não torna alguém
missionário, o torna apenas conhecedor da realidade dos missionários. Então,
por definição, conhecer é diferente de ser. O fato de ter vivido um tempo no
campo missionário não quer dizer que estes entenderam ou se comprometeram com
missões, pois muitos (não todos) filhos de missionários só estão interagindo
com o campo missionário porque não tem outra opção, quando atingirem a idade
suficiente deixaram os pais e se distanciarão do contexto missiológico.
Provavelmente, estes filhos de missionários não carregarão o estigma de ser
missionário, para estes os fatos estão muito claro, “sou apenas filho do
missionário, não sou missionário”. De contrapartida, as igrejas divinizam estes
filhos de missionários, pois qualquer pessoa que conheça uma palavra indígena,
ou cite algo de arquitetura estrangeira já está habilitado a ensinar. Talvez
aqui a intenção seja até boa (insisto, talvez), mas precisamos diferenciar
entre ser filho de missionário e ser missionário. É preciso diferenciar o fato
de ter convivido com algo por falta de opção, e ter escolhido como modo de vida
o campo missionário. Precisamos diferenciar entre conviver com, e ser.
Não é fazer
missões participar de projetos missionários de curto prazo. Este é outro tipo de missionário que está a brotar
nas igrejas brasilianas. Gente que confunde ter uma experiência missionária com
o ser missionário. Os projetos de curto prazo (dias, semanas ou mês – quase
sempre nas férias) são extremamente importantes para se iniciar a jornada
missionária, serve como um estágio para degustar as vivências missionárias. Os
projetos missionários de curto prazo ajudam a despertar igrejas locais para se
envolverem com missões, fortalece o interesse de pessoas com o campo
missionário, interage e torna dinâmico o Reino, fazendo as pessoas
contribuírem, mesmo que temporalmente, com os desafios atuais da missiologia
moderna. Entretanto, chamar estes de missionários minimizar a extensão/complexidade
da Missio Dei. O preocupante neste tipo de missionário é que podem entender
que tudo se resume numas semanas dedicadas a Jesus, e se esquecem de que missões
é um pacto de comprometimento de vida, não de dias. É preciso, então,
diferenciar entre estágios missionários e os missionários. Precisamos
diferenciar entre participar de uma ação missionária, de ser missionário. É
necessário diferenciar algo que introduza as pessoas em missões, de uma vida em
missões.
Não é fazer
missões organizar/realizar/participar de congressos de missões. Este tipo de missionário tem ganhado destaque
no cenário nacional, pois missões mais tem se tornado algo a ser assistido do
que vivido. Fazer congressos de missões é importante para atualização
ministerial, conhecer novos desafios, engajar em novas missões, despertar para
novos contextos, enfim, o congresso em si não é o problema. O grande câncer na
questão exposta é que vários congresso de missões, ou cultos de missões em
igrejas locais, tem se resumido em ouvir e nada se fazer. Os igrejeiros missionários gostam de saber
sobre, mas tem dificuldade de interagir/comprometer com as informações
expostas. São nestes momentos que me recordo (fato que ainda me incomoda
profundamente) de um discurso feito em sala, logo no meu primeiro ano de
Seminário Teológico (2000), quando o professor, pastor africano, Menga Maynoma,
disse: “você se torna responsável por tudo que escuta”. Precisamos, então,
diferenciar entre a sensação de ouvir sobre missões, de ser missionário.
Diferenciar entre participar de algo que tem como temática missões, de
comprometer-se com missionários (ou ser missionários). É preciso diferenciar
entre saber mais de missões, de fazer algo por missões.
Por tudo que fora
exposto é razoável ponderar que na breve historicidade eclesiástica-missional
brasileira é possível que estejamos denominando de missões algo que não é
missões – pelo menos não em sua totalidade. Portanto, para finalizar esta
pensata é prudente que tentemos definir o que é fazer missões – digo tentar,
pois tal conceito dependerá do referencial temporal, étnico, teológico,
histórico e antropológico. Contudo, embasaremos a partir dos seguintes pilares:
Missões é o cumprimento integral da chamada de Cristo aos Seus discípulos para
serem sal e luz no mundo, de forma prática, interativa, social, intencional e
redentora – atitudes que trazem implicação direta na existência dos cristãos.
Fazer missões é se comprometer com o Reino, de tal maneira, que não reste
espaço para exibicionismos humanos ou supervalorização de alguém em detrimento
da calamidade do outro – não precisamos explorar as fragilidades/pobreza dos
povos como se nossa missão fosse mais
importante que o Carpinteiro. Fazer missões é ir de encontro às pessoas, de
qualquer etnia, com o propósito de anunciar o plano de salvação de forma
contextualizada e inteligível aos ouvintes. Fazer missões também deve incluir a
responsabilidade de sustentar os que estão no campo. Neste caso é preciso mais
que saber sobre o missionário, é preciso se comprometer com a manutenção
financeira, apoio espiritual, assistência emocional, ajuda na logística e,
principalmente, manter comunicação constante com os missionários – este último
item fortalece o vínculo e estabelece a continuidade da Igreja de forma
fraternal e solidária.
Descubra qual o
campo missionário que Deus tem para você
e sua igreja no presente tempo histórico. Esteja atento para aderir aos novos
desafios missionários do tempo porvir, perceba a mutabilidade das missões e
aproveite as oportunidades. Se comprometa em realizar missões a partir do seu
contexto local e simultaneamente se envolva com missões a nível transcultural
(ou vice-versa, se for o caso). É desta forma que se faz missões: não
supervalorizando as necessidades locais e consequentemente ignorando os
desafios globais; como também não mistificar exacerbadamente as experiências
transculturais e consequentemente desassociar-se das realidades regionais em
que se está inserido. Enfim, viaje sempre que puder, mas não rotule tal roteiro
de missões se você não for capaz de
deixar parte de si neste país, e se tais pessoas não conseguirem significar
mais que fotos para você; igualmente,
não use a experiência de seus pais
(ou tios, avós, amigos) como escudo missional, pois a vivência missionária não
é transferível; também não rotule a si
mesmo de “O” missionário por ter participado de projetos missionários de
curto prazo, há muitas coisas no campo que precisam de tempo para florescer, do
mesmo modo que para muitas experiências o tempo é o próprio algoz da história
missionária; além disto, não acredite saber (ou fazer) muito de missões por você ser um exímio participante dos
congressos de missões, a vivência sempre é diferente dos discursos.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 23 de Maio de 2014