sexta-feira, 23 de maio de 2014

O que não é fazer missões


“quando prego o evangelho, não posso me orgulhar, pois me é imposta a necessidade de pregar. Ai de mim se não pregar o evangelho!”
1 Coríntios 9:16 (NVI) 

A história eclesiástica brasileira é relativamente recente, por causa da brevidade histórica da nação, pouco mais de 500 anos – período que constitui um pequeno soluço temporal para os padrões históricos. O protestantismo, em solos tupiniquins, é mais recente ainda, pois apesar de haver registro de cultos desde o “descobrimento” do Brasil, as primeiras igrejas evangélicas só se estabeleceram por volta do ano de 1700, sob supervisão dos primeiros missionários carreira, europeus e americanos, que por aqui chegaram – então, isto significa que temos pouco mais de 300 anos de história eclesiástica eurocêntrica-brasiliana. Mais recente ainda é o surgimento de igrejas autóctones, de origens brasileiras, pois o primeiro pastor brasileiro ordenado no Brasil (José Manuel da Conceição) se deu em Dezembro de 1865. Então, só podemos começar a falar de uma Igreja, supostamente brasileira, a partir de uma data provável dos anos de 1900. Portanto, resta-nos algo entorno de 100 anos de história eclesiástica brasileira para pensarmos o enquadramento missiológico desta, sendo que missões só ganhou destaques nos púlpitos tupiniquins por volta da década de 1980, e na maioria dos casos somente após 1990 (tente lembrar do primeiro congresso de missões que você, leitor, participou, arriscarei afirmar de deve ter sido entre as referidas duas décadas). Então, de fato, o envolvimento missiológico dos brasileiros é de no máximo 40 anos – é isto, em nível de história, o que nos resta.

A pouca longevidade missiológica tupiniquim pode ser uma das causas de ainda não termos muito claro o que é, ou não, missões. E para agravar tal cenário, nosso referencial missiológico (europeu e americano) tiveram limitações e desvirtudes gravíssimas, como: a não culturação, ausência de contextualização da mensagem, dependência financeira estrangeira, evangelho tipo importação, música e liturgia desconexa com a realidade, entre outros – é válido ressaltar que tais problemas resumem uma época histórica, que assim como qualquer outro período apresenta deficiências temporais, ou seja, não podemos desmerecer os esforços de outrora. Neste misto de referenciais, o Brasil vem tentando descobrir como fazer missões, e gradativamente deixar de ser campo missionário (não que não haja mais nada a ser feito nos rincões brasileiros, sempre haverá, porém precisamos assumir nossa responsabilidade na Missio Dei). É deste ponto que iniciamos nossa busca do que é fazer missões, e para tanto, faremos o caminho inverso, a pergunta norteadora será: o que não é fazer missões? A proposta é entendermos o que não é com fins a clarificar o que é. O percurso proposto nos ajudará a constituir uma definição mais plausível e coerente.

Não é fazer missões viajar para o exterior. Este é o tipo de missionário que mais temos encontrado pelas igrejas tupiniquins, gente que acha que só pelo fato de ter pisado em solos estrangeiros se tornaram missionários. A concepção é meio mística e instantânea, não interessa o que fora feito, se foi para o exterior, então, é missionário. Este tipo de missionário caiu na graça da igreja brasileira que sempre foi encantada com a desnutrição africana, com a exploração sexual do oriente, com as cicatrizes asiáticas, enfim, com toda sorte de desgraça e mazela cultural. Dai, se este tal missionário passa uns dias no exterior e tira fotos de tais atrocidades pode expô-las nas igrejas brasileiras, seria tipo uma sessão pôster do sofrimento do outro. Detalhe, provavelmente este missionário viajante só tirou as fotos, não se envolveu com os protagonistas das fotos; fica distante, pois para estes o que interessa são as fotos, não o que fora feito; para estes missionários boêmios as fotos são a porta de entrada das ofertas que financiará novas viagem pelo mundo. Precisamos diferenciar uma viagem ao exterior, de uma viagem missionária ao exterior. É preciso diferenciar conhecimento cultural adquirido numa viagem ao exterior, de uma intervenção missionária no campo transcultural. Precisamos diferenciar entre missionários e viajantes.

Não é fazer missões ser filho de missionário. Este é outro tipo de missionário que tem brotado pelos guetos evangelicais brasileiros. Gente que nasce no campo missionário, filhos de missionários de carreira. Entretanto, nascer e conviver com a realidade missiológica não torna alguém missionário, o torna apenas conhecedor da realidade dos missionários. Então, por definição, conhecer é diferente de ser. O fato de ter vivido um tempo no campo missionário não quer dizer que estes entenderam ou se comprometeram com missões, pois muitos (não todos) filhos de missionários só estão interagindo com o campo missionário porque não tem outra opção, quando atingirem a idade suficiente deixaram os pais e se distanciarão do contexto missiológico. Provavelmente, estes filhos de missionários não carregarão o estigma de ser missionário, para estes os fatos estão muito claro, “sou apenas filho do missionário, não sou missionário”. De contrapartida, as igrejas divinizam estes filhos de missionários, pois qualquer pessoa que conheça uma palavra indígena, ou cite algo de arquitetura estrangeira já está habilitado a ensinar. Talvez aqui a intenção seja até boa (insisto, talvez), mas precisamos diferenciar entre ser filho de missionário e ser missionário. É preciso diferenciar o fato de ter convivido com algo por falta de opção, e ter escolhido como modo de vida o campo missionário. Precisamos diferenciar entre conviver com, e ser.

Não é fazer missões participar de projetos missionários de curto prazo. Este é outro tipo de missionário que está a brotar nas igrejas brasilianas. Gente que confunde ter uma experiência missionária com o ser missionário. Os projetos de curto prazo (dias, semanas ou mês – quase sempre nas férias) são extremamente importantes para se iniciar a jornada missionária, serve como um estágio para degustar as vivências missionárias. Os projetos missionários de curto prazo ajudam a despertar igrejas locais para se envolverem com missões, fortalece o interesse de pessoas com o campo missionário, interage e torna dinâmico o Reino, fazendo as pessoas contribuírem, mesmo que temporalmente, com os desafios atuais da missiologia moderna. Entretanto, chamar estes de missionários minimizar a extensão/complexidade da Missio Dei. O preocupante neste tipo de missionário é que podem entender que tudo se resume numas semanas dedicadas a Jesus, e se esquecem de que missões é um pacto de comprometimento de vida, não de dias. É preciso, então, diferenciar entre estágios missionários e os missionários. Precisamos diferenciar entre participar de uma ação missionária, de ser missionário. É necessário diferenciar algo que introduza as pessoas em missões, de uma vida em missões.

Não é fazer missões organizar/realizar/participar de congressos de missões. Este tipo de missionário tem ganhado destaque no cenário nacional, pois missões mais tem se tornado algo a ser assistido do que vivido. Fazer congressos de missões é importante para atualização ministerial, conhecer novos desafios, engajar em novas missões, despertar para novos contextos, enfim, o congresso em si não é o problema. O grande câncer na questão exposta é que vários congresso de missões, ou cultos de missões em igrejas locais, tem se resumido em ouvir e nada se fazer. Os igrejeiros missionários gostam de saber sobre, mas tem dificuldade de interagir/comprometer com as informações expostas. São nestes momentos que me recordo (fato que ainda me incomoda profundamente) de um discurso feito em sala, logo no meu primeiro ano de Seminário Teológico (2000), quando o professor, pastor africano, Menga Maynoma, disse: “você se torna responsável por tudo que escuta”. Precisamos, então, diferenciar entre a sensação de ouvir sobre missões, de ser missionário. Diferenciar entre participar de algo que tem como temática missões, de comprometer-se com missionários (ou ser missionários). É preciso diferenciar entre saber mais de missões, de fazer algo por missões.

Por tudo que fora exposto é razoável ponderar que na breve historicidade eclesiástica-missional brasileira é possível que estejamos denominando de missões algo que não é missões – pelo menos não em sua totalidade. Portanto, para finalizar esta pensata é prudente que tentemos definir o que é fazer missões – digo tentar, pois tal conceito dependerá do referencial temporal, étnico, teológico, histórico e antropológico. Contudo, embasaremos a partir dos seguintes pilares: Missões é o cumprimento integral da chamada de Cristo aos Seus discípulos para serem sal e luz no mundo, de forma prática, interativa, social, intencional e redentora – atitudes que trazem implicação direta na existência dos cristãos. Fazer missões é se comprometer com o Reino, de tal maneira, que não reste espaço para exibicionismos humanos ou supervalorização de alguém em detrimento da calamidade do outro – não precisamos explorar as fragilidades/pobreza dos povos como se nossa missão fosse mais importante que o Carpinteiro. Fazer missões é ir de encontro às pessoas, de qualquer etnia, com o propósito de anunciar o plano de salvação de forma contextualizada e inteligível aos ouvintes. Fazer missões também deve incluir a responsabilidade de sustentar os que estão no campo. Neste caso é preciso mais que saber sobre o missionário, é preciso se comprometer com a manutenção financeira, apoio espiritual, assistência emocional, ajuda na logística e, principalmente, manter comunicação constante com os missionários – este último item fortalece o vínculo e estabelece a continuidade da Igreja de forma fraternal e solidária.

Descubra qual o campo missionário que Deus tem para você e sua igreja no presente tempo histórico. Esteja atento para aderir aos novos desafios missionários do tempo porvir, perceba a mutabilidade das missões e aproveite as oportunidades. Se comprometa em realizar missões a partir do seu contexto local e simultaneamente se envolva com missões a nível transcultural (ou vice-versa, se for o caso). É desta forma que se faz missões: não supervalorizando as necessidades locais e consequentemente ignorando os desafios globais; como também não mistificar exacerbadamente as experiências transculturais e consequentemente desassociar-se das realidades regionais em que se está inserido. Enfim, viaje sempre que puder, mas não rotule tal roteiro de missões se você não for capaz de deixar parte de si neste país, e se tais pessoas não conseguirem significar mais que fotos para você; igualmente, não use a experiência de seus pais (ou tios, avós, amigos) como escudo missional, pois a vivência missionária não é transferível; também não rotule a si mesmo de “O” missionário por ter participado de projetos missionários de curto prazo, há muitas coisas no campo que precisam de tempo para florescer, do mesmo modo que para muitas experiências o tempo é o próprio algoz da história missionária; além disto, não acredite saber (ou fazer) muito de missões por você ser um exímio participante dos congressos de missões, a vivência sempre é diferente dos discursos.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 23 de Maio de 2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Ainda estou aprendendo a amar


“...amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas”.
Marcos 12:33 (NVI)

Ainda estou aprendendo a amar. Ainda estou aprendendo a aceitar as pessoas como elas são, mesmo quando me desapontam, mesmo quando encarnam a duplicidade que, às vezes, só o tempo revela, mesmo quando me ferem com palavras ásperas e desleais, mesmo quando sou surpreendido com as ações impensadas. Ainda estou aprendendo que o termo retribuição não se confabula com o termo amor.

Ainda estou aprendendo a amar. Ainda estou aprendendo a desvendar o valor intrínseco a cada pessoa, entender que em cada indivíduo há valores soterrados pela rejeição, pela falta de compreensão, ausência de carinho e carência de aceitação. Gente que se aliança com o mau não por escolha, mas por autoproteção. Ainda estou aprendendo a estender a mão para seres humanos sufocados em si mesmos.

Ainda estou aprendendo a amar. Ainda estou aprendendo a escutar o coração, escutar a alma, escutar o que quer dizer os ombros caídos e principalmente escutar a mensagem escondida no emaranhado de palavras. Ainda estou aprendendo que para amar não preciso de muitas letras, não preciso de muita espiritualidade, não preciso de genialidades.

Ainda estou aprendendo a amar. Ainda estou aprendendo a acolher as pessoas e descobrir a angústia disfarçada, a insegurança mascarada, a solidão oculta. Ainda estou aprendendo a embrenhar no sorriso camuflado, na alegria aparente e na vangloria exagerada. Ainda estou aprendendo que para amar é preciso tirar a maquiagem dos que protagonizam o espetáculo da vida.

Ainda estou aprendendo a amar...

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 23 de Junho de 2005