"Sabendo que receberão do Senhor a recompensa
da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo”.
Colossenses 3:24 (NVI)
O presente tempo conseguiu
criar um ser religioso que parece ser pastor, tem título de pastor e segue
todos os estereótipos de pastor, mas... não é pastor. Estes pseudos-pastores
ficam a disseminar teologias de frases de parachoque de caminhão pela cristandade tupiniquim. São amantes da lógica meritocrática:
faça o bem e vai dar tudo bem; façam o mal e sofrerá o mal. São oradores
vazios, distantes e fantasiosos. Estes se tornaram pastores não por convicção,
mas por segundas intenções: quer seja por status,
por dinheiro, por orgulho, por malandragem, por mulheres ou qualquer outra
coisa que chame a atenção da crentaiada.
São estes mesmos que mais contribuem para que os pastores queiram desistir,
pois banalizam o ser pastor, e quando fazem isto não emporcalham apenas o
título de pastor, mas sim a identidade pastoral. Eis a razão porque várias
pessoas não mais querem serem identificadas com a figura do pastor.
Tristemente, são os “bons” que cansam, não os maus, pois afinal os maus
pastores se dão bem no jogo igrejeiro. E de tanto ver isto, vários pastores
preferem desistir.
O
próprio título de pastor já é um bom motivo para que alguns queiram desistir.
De fato, o título de pastor, para muitos, é uma pavonice desvairada. Valer-se
do título de pastor não é valer-se de autoridade, é abusar da autoridade.
Pastor é função, e função temporária. Somente no arraial evangélico o título de
pastor (ou qualquer outra hierarquia eclesial) é vitalício. Entretanto, só se é
pastor por estar pastoreando, não havendo isto, então, não mais é pastor, mesmo
que tenha o título. O que torna alguém pastor é o ato de pastorear. Então, ser
pastor é ter tempo de validade determinado, e isto não é ruim, é reconhecer que
Deus não precisa de highlander’s. O que Deus quer é que façamos o melhor
possível no tempo que Ele permitir que pastoremos. A Igreja sobrevive e
sobreviverá aos pastores. Entretanto, é preciso diferenciar pastorear com
gerenciar, diferenciar pastorear com pregar, diferenciar pastorear com motivar,
entre outras variantes temáticas. Eis a razão porque várias pessoas querem
desistir do pastoreio, pois percebem que pastorear (diferente do
psuedos-pastores) é um convite para o anonimato, invisibilidade e discrição.
Ser pastor é entender que somos apenas garçons a servir a comunidade, o dono do
Reino já está posto, o Carpinteiro, o Eterno.
Não
são apenas os pseudos-pastores que geram desejos de desistência nos pastores,
há muita coisa na igreja que faz os pastores querem desistir. Em muitos casos,
ser pastor significa comprometer a renda familiar em prol da comunidade, e isto
com o tempo desgasta, fadiga e desanima os pastores. Perceber que poucos na
comunidade conseguem romper a linha do espetáculo dominical e ombrear assumindo
responsabilidades é uma das principais causas que faz com que muitos pastores
avaliem suas próprias convicções e pensem em desistir. Tristemente, no Brasil
aprendemos uma liturgia muito dependente da figura do pastor, o que em pouco
tempo se mostrou pesada e sufocante para muitos destes ministros. Eis a razão
porque várias pessoas querem desistir do pastoreio, pois percebem que ao invés
de estarem num ambiente de fraternidade, estão numa relação desgastante de
cliente e funcionário, relação está que se autêntica na insistência do “pagar”
o dizimo, criando uma relação financeira de membresia. Não se pode perder de
vista que ser pastor é, antes de qualquer coisa, uma atitude de voluntariado, doação,
entrega, altruísmo, mordomia e serviço junto a fraternidade.
As
igrejas sem perceberem estão perdendo seus pastores, pouco a pouco estão sendo
substituídos, sorrateiramente. Contudo, tal substituição não é natural e nem
espontânea, muitos estão sendo “despedidos”, lançados fora na lixeira.
Geralmente são os pastores com a idade mais avançada que sofrem de tal
tormenta. Infelizmente, em solos tupiniquins nos encantamos com o entusiasmo
dos jovens pastores e, então, estupidamente, abandonamos os velhos pastores. Juventude
é bom, sem dúvida. Entretanto, sem a sabedoria peculiar aos velhos, se torna
precipitação, meninice e vaidade. A igreja deveria ser o habitat natural para
que a diversidade dialogasse e como um corpo fosse se ajustando mutuamente. Eis
a razão porque várias pessoas querem desistir do pastoreio, pois com um pouco de
percepção de cenário eclesial, facilmente notaria que todo esforço em prol do
Reino será disperso, em pouco tempo após a “ausência” do pastor, pouco se
lembrariam deste ou dos esforços deste. Antevendo tal depressão pós-pastoreio,
muitos preferem desistir do pastoreio e, então, escolhem viver suas próprias vidas, fazendo o que dá, quando dá, do
jeito que dá, sem muito se dar. Comprovando tal perspectiva, há estatísticas
que apresentam a figura do pastor como uma das principais “carreiras” com morte
prematura, entorno de 40 a 50 anos de idade. Então, não há dúvida que ser
pastor é desgastante, por isto muitos querem desistir. Ser pastor é um convite
a desgastar-se, a semelhança de um milho num ralador.
Aos
ler os parágrafos anteriores muitos podem ter tido suas convicções de desistir
do pastoreio reconfirmadas. Outros tantos, podem ter tido apenas a certeza que
eu suavizei os reais problemas, pois sabem na prática, que ser pastor é mais
complexo e muito mais tenso do que as linhas anteriores descreveram. Contudo,
para ambos os casos, quero propor uma reflexão para aqueles que não desistiram,
ainda... e inicio tal jornada partindo do pressuposto de que o pastoreio é um
misto de chamado de Deus e disposição humana. Paulo afirma que “se alguém deseja
o episcopado, excelente obra deseja” (1 Tm 3:1), porém o próprio Paulo também
afirma que “Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a
sua boa vontade” (Fp 2:13). Ser pastor é algo intencional. Não podemos admitir
que pastores sejam a última opção de gente fracassada: não conseguiu ter um
profissão, não conseguiu ter seu próprio negócio, não tem emprego... então, se
torna pastor. Pastoreio é uma escolha intencional de fé e entrega ao
Carpinteiro. Pastoreio é opção não falta de opção.
Ser “homo pastorius” é conviver com a dúvida
da desistência, sempre. Contudo, isto não deve ser um limitador do ministério. A
dúvida não deveria ser tão demonizada, pois é no campo da dúvida que as
certezas se estabelecem. É somente quando nos permitimos indagar nossas
próprias convicções é que teremos condição de encontrar respostas. É por meio
da incerteza que descobrimos o caminho de descansar em Deus. Por esta razão,
nunca saberemos ao certo se é hora de desistir ou de persistir, apenas
tomaremos uma das duas decisões. O tempo, com toda imanência de Deus desvelará
o caminho. Ser pastor é descobrir-se, dia após dia. Então, é preciso despir do
encargo de oraculo dos céus, uma espécie de Hermes ocidental, e reconhecer que
não saber o que fazer é reconhecer que pastores também são humanos. Para tanto,
é imprescindível admitir que pastores não são “seres” mais próximos de Deus,
não tem poder especial, não detém acesso diferenciado aos céus e nem é uma
espécie de intermediário divino. Pastor é um convite para se misturar as
ovelhas e apontar para o Pastor de nossas almas. Pastor não é um privilegio é
uma responsabilidade.
E se
algum pastor desistir... ou melhor, se mais alguns pastores desistirem, que
estes não sejam estereotipados com a marca da besta gospel. Desistir pode ser a
forma mais sublime de reverência que estes pastores encontraram de servir a
Deus. Não podemos dicotomizar entre vencedores e perdedores. Quem gosta destas
rotulações são pessoas temporais, que não entendem da eternidade, que se
engorduram com categorização infantil. Não há pastores vencedores e outros
tantos perdedores, somente há pastores. Se não são igrejas que estabelecem
pastores, mas sim Deus, então, é Ele quem conduz a jornada de cada um, conforme
lhe apraz, inclusive de forma contraditória aos padrões terrenos e
eclesiásticos. Sendo assim, pastorear está para além de igrejas. Os pastores
não existem para cuidar de igrejas, até podem fazer isto, mas pastores existem para cumprir os designíos do Carpinteiro. Esta missão pastoral pode ser acolhedora,
numa igreja; ou solitária, num exilio eclesiástico. Por esta razão, alguns
desistiram (ou querem desistir) do pastoreio para não deixarem de ser pastores.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 13 de Outubro de 2015
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