segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Aos pastores que não desistiram, ainda...


"Sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo”.
Colossenses 3:24 (NVI)

O presente tempo conseguiu criar um ser religioso que parece ser pastor, tem título de pastor e segue todos os estereótipos de pastor, mas... não é pastor. Estes pseudos-pastores ficam a disseminar teologias de frases de parachoque de caminhão pela cristandade tupiniquim. São amantes da lógica meritocrática: faça o bem e vai dar tudo bem; façam o mal e sofrerá o mal. São oradores vazios, distantes e fantasiosos. Estes se tornaram pastores não por convicção, mas por segundas intenções: quer seja por status, por dinheiro, por orgulho, por malandragem, por mulheres ou qualquer outra coisa que chame a atenção da crentaiada. São estes mesmos que mais contribuem para que os pastores queiram desistir, pois banalizam o ser pastor, e quando fazem isto não emporcalham apenas o título de pastor, mas sim a identidade pastoral. Eis a razão porque várias pessoas não mais querem serem identificadas com a figura do pastor. Tristemente, são os “bons” que cansam, não os maus, pois afinal os maus pastores se dão bem no jogo igrejeiro. E de tanto ver isto, vários pastores preferem desistir.

O próprio título de pastor já é um bom motivo para que alguns queiram desistir. De fato, o título de pastor, para muitos, é uma pavonice desvairada. Valer-se do título de pastor não é valer-se de autoridade, é abusar da autoridade. Pastor é função, e função temporária. Somente no arraial evangélico o título de pastor (ou qualquer outra hierarquia eclesial) é vitalício. Entretanto, só se é pastor por estar pastoreando, não havendo isto, então, não mais é pastor, mesmo que tenha o título. O que torna alguém pastor é o ato de pastorear. Então, ser pastor é ter tempo de validade determinado, e isto não é ruim, é reconhecer que Deus não precisa de highlander’s. O que Deus quer é que façamos o melhor possível no tempo que Ele permitir que pastoremos. A Igreja sobrevive e sobreviverá aos pastores. Entretanto, é preciso diferenciar pastorear com gerenciar, diferenciar pastorear com pregar, diferenciar pastorear com motivar, entre outras variantes temáticas. Eis a razão porque várias pessoas querem desistir do pastoreio, pois percebem que pastorear (diferente do psuedos-pastores) é um convite para o anonimato, invisibilidade e discrição. Ser pastor é entender que somos apenas garçons a servir a comunidade, o dono do Reino já está posto, o Carpinteiro, o Eterno.

Não são apenas os pseudos-pastores que geram desejos de desistência nos pastores, há muita coisa na igreja que faz os pastores querem desistir. Em muitos casos, ser pastor significa comprometer a renda familiar em prol da comunidade, e isto com o tempo desgasta, fadiga e desanima os pastores. Perceber que poucos na comunidade conseguem romper a linha do espetáculo dominical e ombrear assumindo responsabilidades é uma das principais causas que faz com que muitos pastores avaliem suas próprias convicções e pensem em desistir. Tristemente, no Brasil aprendemos uma liturgia muito dependente da figura do pastor, o que em pouco tempo se mostrou pesada e sufocante para muitos destes ministros. Eis a razão porque várias pessoas querem desistir do pastoreio, pois percebem que ao invés de estarem num ambiente de fraternidade, estão numa relação desgastante de cliente e funcionário, relação está que se autêntica na insistência do “pagar” o dizimo, criando uma relação financeira de membresia. Não se pode perder de vista que ser pastor é, antes de qualquer coisa, uma atitude de voluntariado, doação, entrega, altruísmo, mordomia e serviço junto a fraternidade.

As igrejas sem perceberem estão perdendo seus pastores, pouco a pouco estão sendo substituídos, sorrateiramente. Contudo, tal substituição não é natural e nem espontânea, muitos estão sendo “despedidos”, lançados fora na lixeira. Geralmente são os pastores com a idade mais avançada que sofrem de tal tormenta. Infelizmente, em solos tupiniquins nos encantamos com o entusiasmo dos jovens pastores e, então, estupidamente, abandonamos os velhos pastores. Juventude é bom, sem dúvida. Entretanto, sem a sabedoria peculiar aos velhos, se torna precipitação, meninice e vaidade. A igreja deveria ser o habitat natural para que a diversidade dialogasse e como um corpo fosse se ajustando mutuamente. Eis a razão porque várias pessoas querem desistir do pastoreio, pois com um pouco de percepção de cenário eclesial, facilmente notaria que todo esforço em prol do Reino será disperso, em pouco tempo após a “ausência” do pastor, pouco se lembrariam deste ou dos esforços deste. Antevendo tal depressão pós-pastoreio, muitos preferem desistir do pastoreio e, então, escolhem viver suas próprias vidas, fazendo o que dá, quando dá, do jeito que dá, sem muito se dar. Comprovando tal perspectiva, há estatísticas que apresentam a figura do pastor como uma das principais “carreiras” com morte prematura, entorno de 40 a 50 anos de idade. Então, não há dúvida que ser pastor é desgastante, por isto muitos querem desistir. Ser pastor é um convite a desgastar-se, a semelhança de um milho num ralador.

Aos ler os parágrafos anteriores muitos podem ter tido suas convicções de desistir do pastoreio reconfirmadas. Outros tantos, podem ter tido apenas a certeza que eu suavizei os reais problemas, pois sabem na prática, que ser pastor é mais complexo e muito mais tenso do que as linhas anteriores descreveram. Contudo, para ambos os casos, quero propor uma reflexão para aqueles que não desistiram, ainda... e inicio tal jornada partindo do pressuposto de que o pastoreio é um misto de chamado de Deus e disposição humana. Paulo afirma que “se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja” (1 Tm 3:1), porém o próprio Paulo também afirma que “Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2:13). Ser pastor é algo intencional. Não podemos admitir que pastores sejam a última opção de gente fracassada: não conseguiu ter um profissão, não conseguiu ter seu próprio negócio, não tem emprego... então, se torna pastor. Pastoreio é uma escolha intencional de fé e entrega ao Carpinteiro. Pastoreio é opção não falta de opção.

Ser “homo pastorius” é conviver com a dúvida da desistência, sempre. Contudo, isto não deve ser um limitador do ministério. A dúvida não deveria ser tão demonizada, pois é no campo da dúvida que as certezas se estabelecem. É somente quando nos permitimos indagar nossas próprias convicções é que teremos condição de encontrar respostas. É por meio da incerteza que descobrimos o caminho de descansar em Deus. Por esta razão, nunca saberemos ao certo se é hora de desistir ou de persistir, apenas tomaremos uma das duas decisões. O tempo, com toda imanência de Deus desvelará o caminho. Ser pastor é descobrir-se, dia após dia. Então, é preciso despir do encargo de oraculo dos céus, uma espécie de Hermes ocidental, e reconhecer que não saber o que fazer é reconhecer que pastores também são humanos. Para tanto, é imprescindível admitir que pastores não são “seres” mais próximos de Deus, não tem poder especial, não detém acesso diferenciado aos céus e nem é uma espécie de intermediário divino. Pastor é um convite para se misturar as ovelhas e apontar para o Pastor de nossas almas. Pastor não é um privilegio é uma responsabilidade.

E se algum pastor desistir... ou melhor, se mais alguns pastores desistirem, que estes não sejam estereotipados com a marca da besta gospel. Desistir pode ser a forma mais sublime de reverência que estes pastores encontraram de servir a Deus. Não podemos dicotomizar entre vencedores e perdedores. Quem gosta destas rotulações são pessoas temporais, que não entendem da eternidade, que se engorduram com categorização infantil. Não há pastores vencedores e outros tantos perdedores, somente há pastores. Se não são igrejas que estabelecem pastores, mas sim Deus, então, é Ele quem conduz a jornada de cada um, conforme lhe apraz, inclusive de forma contraditória aos padrões terrenos e eclesiásticos. Sendo assim, pastorear está para além de igrejas. Os pastores não existem para cuidar de igrejas, até podem fazer isto, mas pastores existem para cumprir os designíos do Carpinteiro. Esta missão pastoral pode ser acolhedora, numa igreja; ou solitária, num exilio eclesiástico. Por esta razão, alguns desistiram (ou querem desistir) do pastoreio para não deixarem de ser pastores.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 13 de Outubro de 2015

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