“Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!”
2 Coríntios 5:17 (NVI)
No limiar de um novo ano que
temporalmente se aproxima, alguns descontentamentos sociais e existenciais se
trejeitam de aspirações esperançosas. Ao que parece a frenesie entusiástica em
torno do ano novo se dá, pois este dia qualquer consegue, simbolicamente,
marcar o novo, ainda que tudo seja mui semelhante ao velho que se intenta
abandonar. O ano novo numa sociedade que busca exaustivamente o novo, o tempo
todo, todos os dias, se torna o totem indenitário do muito mais do mesmo com
tons de diferente, mero ilusionismo temporal, pois apenas reproduz por meio da
suavidade midiática a escravidão da sociedade de consumo, que encontra o seu
auge nesta modernidade tardia do tempo presente, e que se renova ano após ano,
especialmente na ocasião do ano novo.
A lógica mercadológica do consumo
se dá pelas vias do convencimento da necessidade do novo, por isto se faz o
novo produto, a nova mercadoria, a nova ideia, a nova marca e o novo etc. E é
exatamente neste mesmo viés que se produza a noção de: Ano novo! Planos novos!
Expectativas novas! Carro novo! Emprego novo! Casa Nova! Vida nova! Amigos
novos! Curso novo! Faculdade nova! Moveis novos! Namorado(a) novo(a)!
Professores novos! Pastor novo! Igreja nova! Liderança nova! Roupa Nova! Música
nova! E por ai vai... tudo altamente consumível e vendável – algo bem peculiar
aos homens errantes. Vivemos, portanto, na tirania do novo, sufocados dia após
dia pela suposta necessidade de algo novo, num processo de esquizofrenia
angustiante do conceito de vida, paz e felicidade – como se estes distintivos fosse
algo novo e que resultasse diretamente da ação humana por si só.
O novo fascina tanto, pois desde
as eras antigas, nos adestram no discurso de que é preciso se livrar do velho,
o mais rápido possível, e em alguns casos isto se torna a estratégia de
sobrevivência em grupos coletivos, especialmente para a geração atual, mais
especificamente para as juventudes. Isto porque o antigo traz consigo
lembranças, consciência, historicidade, memorias, trajetórias, perguntas,
dúvidas, questões mal respondidas... então, o antigo desnuda quem somos (ou
fomos - se é que há diferença), ainda que não queiramos, ainda que não
gostemos, ainda que neguemos. Somos o que somos, mesmo que se tenha um ano
novo, uma casa nova, uma igreja nova, um emprego novo, uma roupa nova, uma
faculdade nova... Não é possível fugir de si mesmo, e então, também não será
possível renovar a si mesmo, por si mesmo, para si mesmo. Estamos presos em nós
mesmos e isto se reproduz nas práticas cotidianas e nos definem, desvelando a
nossa incapacidade de desfrutar o verdadeiro novo, exatamente pelo que somos em
nossa essência, e isto o velho não nos deixa esquecer, ainda que tenhamos celebrado
um ano novo.
O ano novo é apenas uma data, a
casa nova é apenas um local, o carro novo é nada mais que modernização, o
emprego novo é apenas uma outra opção, a igreja nova é apenas mais um local de
culto, a música nova é apenas uma outra maneira de tocar, o novo relacionamento
afetivo é nada mais que tentativas, a roupa nova é apenas uma adequação da
moda... enfim, nada disto é realmente novo, no máximo, pra você (e pra mim), é
apenas uma forma diferente de se fazer algo, o que não traz consigo atributos do
novo (o termo diferente não é
sinônimo do termo novo), pois trocar
a forma de se fazer por outra forma de se fazer é permanecer na categoria das
coisas velhas, ainda que com ares de novidade. Neste sentido a exterioridade
pode não ter consonância com a essência interior, ainda que reproduzindo
cotidianamente. É valido lembrar que aos velhos seres humanos a capacidade de enganar
é bem natural, representativa e espontânea, ainda que com ares noviços.
Aqui se faz imperativo a
compreensão de que assim como a verdade, a vida e o caminho são únicos (cf. Jo 14:6), o novo também o é, e só se
torna atingível pela Graça que emana dAquele que é as Boas Novas (cf. Mc. 1:14). Por esta razão, só Ele
pode fazer o novo, só Ele pode nos fazer em nova criatura, e assim,
gradativamente irmos percebendo que “as coisas antigas já passaram; eis que
surgiram coisas novas!” (cf. 2 Co
5:17), mesmo que não estejamos perto de um ano novo, nem numa casa nova, nem
numa igreja nova, nem numa cidade nova, nem num emprego novo... o verdadeiro novo
não é datável e não se assemelha a sufocante euforia exterior de se parecer ser
novo, mas que só consegue produz cansaço e opressão aos velhos romeiros. De
contrapartida, o Carpinteiro propõe o novo que produz descanso para as almas,
pois com Ele o novo é um processo de jugo suave e de fado leve (cf. Mt. 11:28-30).
Para que realmente haja o novo,
por causa de quem somos, é preciso de algo externo a nós mesmo, maior do que
nós mesmos e superior a nós mesmos. Estranhamente, e até aparentemente
contraditório, o novo só se dá partir da imutabilidade e da atemporalidade, ou
seja, uma natureza diferente da nossa humana. Somente quem é o mesmo ontem,
hoje e eternamente (cf. Hb. 13:8)
sabe distinguir as diferenças entre o velho e o novo. Somente Aquele que
conhece a natureza humana como um artista conhece as nuanças de sua própria
obra de arte, criada por suas próprias mãos (cf. Gn. 1:27), é capaz de decifrar as inconclusões existências
do velho-novo ou do novo-velho. Portanto, somente Aquele que pode dizer “eu
sou” (cf. Ex. 3:14) é capaz de criar
o novo junto aqueles que no máximo conseguem estar sendo temporalmente; somente
Ele é capaz de criar uma nova criatura sem precisar de ano novo ou qualquer outro
apetrecho externo novo; somente Ele é capaz de metamorfosear a existência humana
no mais intimo interior produzindo
mudanças eternas, e assim, apontar para o novo Caminho onde as “coisas novas” são
consequências de uma nova vida (cf. 2
Co. 5:17).
O novo marca o rompimento com o
velho, mas isto não quer dizer que não haja relativa relação entre estes, até
porque só se pode julgar algo novo tendo por base a noção de que houve o velho,
por isto há relação entre o velho e o novo (a reciproca também é verdadeira).
Neste viés, em termos de prática da vida cristã, o velho é abandonado enquanto vivência
pecaminosa cotidiana, mas permanece vivo na memória como que num lampejo histórico
para nos fazer lembrar, a cada novo dia, que o Carpinteiro nos concedeu gratuitamente
o novo Caminho e, então, requer fidelidade para que andemos em “novidade de
vida” (cf. Rm. 6:4) e assim irmos nós
nos despindo do velho homem (cf. Cl.
3:9) a cada novo dia. É fato que a velha natureza pecaminosa ainda nos
perseguirá a cada ano novo, a velha essência corrupta ainda estará a espreitar
no novo emprego, os velhos hábitos ainda sussurrarão na nova igreja, as velhas
práticas ainda insistirão em florescer no novo relacionamento, a velha praxe
baterá a porta do coração ainda que tenhamos um carro novo, uma roupa nova, um
pastor novo, uma casa nova, uns amigos novos, uma bicicleta nova...
Enfim, nada será realmente novo
sem antes nascer de novo (cf. Jo.
3:7), e após isto, fixando os olhos em Jesus (cf. Hb. 12:2), ai sim, e somente ali, podemos caminhar “esquecendo-me
das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo
para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (cf. Fp. 3:13,14). Portanto,
qualquer expectativa do novo sem Cristo é apenas uma maquiagem e reprodução do
velho, uma mera ilusão temporal de ano novo em ano novo. A nossa velha natureza
pecaminosa nos faz lembrar que necessitamos do novo para prosseguir, e o novo
nos faz lembrar que fomos livres de um passado de condenação. Portanto, como
que num grito de coerência, mais uma vez, se faz necessário insistir aos que
estão no Caminho, que vivam em “novidade de vida” (cf. Rm. 6:4), a cada novo dia, a cada novo ano, lembrando que somos
feitura dEle, “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus
preparou para que andássemos nelas" (cf. Ef. 2:10).
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 21 de Dezembro de 2016