segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Na expectativa do novo, de novo!


“Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!”
2 Coríntios 5:17 (NVI)

No limiar de um novo ano que temporalmente se aproxima, alguns descontentamentos sociais e existenciais se trejeitam de aspirações esperançosas. Ao que parece a frenesie entusiástica em torno do ano novo se dá, pois este dia qualquer consegue, simbolicamente, marcar o novo, ainda que tudo seja mui semelhante ao velho que se intenta abandonar. O ano novo numa sociedade que busca exaustivamente o novo, o tempo todo, todos os dias, se torna o totem indenitário do muito mais do mesmo com tons de diferente, mero ilusionismo temporal, pois apenas reproduz por meio da suavidade midiática a escravidão da sociedade de consumo, que encontra o seu auge nesta modernidade tardia do tempo presente, e que se renova ano após ano, especialmente na ocasião do ano novo.

A lógica mercadológica do consumo se dá pelas vias do convencimento da necessidade do novo, por isto se faz o novo produto, a nova mercadoria, a nova ideia, a nova marca e o novo etc. E é exatamente neste mesmo viés que se produza a noção de: Ano novo! Planos novos! Expectativas novas! Carro novo! Emprego novo! Casa Nova! Vida nova! Amigos novos! Curso novo! Faculdade nova! Moveis novos! Namorado(a) novo(a)! Professores novos! Pastor novo! Igreja nova! Liderança nova! Roupa Nova! Música nova! E por ai vai... tudo altamente consumível e vendável – algo bem peculiar aos homens errantes. Vivemos, portanto, na tirania do novo, sufocados dia após dia pela suposta necessidade de algo novo, num processo de esquizofrenia angustiante do conceito de vida, paz e felicidade – como se estes distintivos fosse algo novo e que resultasse diretamente da ação humana por si só.

O novo fascina tanto, pois desde as eras antigas, nos adestram no discurso de que é preciso se livrar do velho, o mais rápido possível, e em alguns casos isto se torna a estratégia de sobrevivência em grupos coletivos, especialmente para a geração atual, mais especificamente para as juventudes. Isto porque o antigo traz consigo lembranças, consciência, historicidade, memorias, trajetórias, perguntas, dúvidas, questões mal respondidas... então, o antigo desnuda quem somos (ou fomos - se é que há diferença), ainda que não queiramos, ainda que não gostemos, ainda que neguemos. Somos o que somos, mesmo que se tenha um ano novo, uma casa nova, uma igreja nova, um emprego novo, uma roupa nova, uma faculdade nova... Não é possível fugir de si mesmo, e então, também não será possível renovar a si mesmo, por si mesmo, para si mesmo. Estamos presos em nós mesmos e isto se reproduz nas práticas cotidianas e nos definem, desvelando a nossa incapacidade de desfrutar o verdadeiro novo, exatamente pelo que somos em nossa essência, e isto o velho não nos deixa esquecer, ainda que tenhamos celebrado um ano novo.

O ano novo é apenas uma data, a casa nova é apenas um local, o carro novo é nada mais que modernização, o emprego novo é apenas uma outra opção, a igreja nova é apenas mais um local de culto, a música nova é apenas uma outra maneira de tocar, o novo relacionamento afetivo é nada mais que tentativas, a roupa nova é apenas uma adequação da moda... enfim, nada disto é realmente novo, no máximo, pra você (e pra mim), é apenas uma forma diferente de se fazer algo, o que não traz consigo atributos do novo (o termo diferente não é sinônimo do termo novo), pois trocar a forma de se fazer por outra forma de se fazer é permanecer na categoria das coisas velhas, ainda que com ares de novidade. Neste sentido a exterioridade pode não ter consonância com a essência interior, ainda que reproduzindo cotidianamente. É valido lembrar que aos velhos seres humanos a capacidade de enganar é bem natural, representativa e espontânea, ainda que com ares noviços.

Aqui se faz imperativo a compreensão de que assim como a verdade, a vida e o caminho são únicos (cf. Jo 14:6), o novo também o é, e só se torna atingível pela Graça que emana dAquele que é as Boas Novas (cf. Mc. 1:14). Por esta razão, só Ele pode fazer o novo, só Ele pode nos fazer em nova criatura, e assim, gradativamente irmos percebendo que “as coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” (cf. 2 Co 5:17), mesmo que não estejamos perto de um ano novo, nem numa casa nova, nem numa igreja nova, nem numa cidade nova, nem num emprego novo... o verdadeiro novo não é datável e não se assemelha a sufocante euforia exterior de se parecer ser novo, mas que só consegue produz cansaço e opressão aos velhos romeiros. De contrapartida, o Carpinteiro propõe o novo que produz descanso para as almas, pois com Ele o novo é um processo de jugo suave e de fado leve (cf. Mt. 11:28-30).

Para que realmente haja o novo, por causa de quem somos, é preciso de algo externo a nós mesmo, maior do que nós mesmos e superior a nós mesmos. Estranhamente, e até aparentemente contraditório, o novo só se dá partir da imutabilidade e da atemporalidade, ou seja, uma natureza diferente da nossa humana. Somente quem é o mesmo ontem, hoje e eternamente (cf. Hb. 13:8) sabe distinguir as diferenças entre o velho e o novo. Somente Aquele que conhece a natureza humana como um artista conhece as nuanças de sua própria obra de arte, criada por suas próprias mãos (cf. Gn. 1:27), é capaz de decifrar as inconclusões existências do velho-novo ou do novo-velho. Portanto, somente Aquele que pode dizer “eu sou” (cf. Ex. 3:14) é capaz de criar o novo junto aqueles que no máximo conseguem estar sendo temporalmente; somente Ele é capaz de criar uma nova criatura sem precisar de ano novo ou qualquer outro apetrecho externo novo; somente Ele é capaz de metamorfosear a existência humana no mais intimo  interior produzindo mudanças eternas, e assim, apontar para o novo Caminho onde as “coisas novas” são consequências de uma nova vida (cf. 2 Co. 5:17).

O novo marca o rompimento com o velho, mas isto não quer dizer que não haja relativa relação entre estes, até porque só se pode julgar algo novo tendo por base a noção de que houve o velho, por isto há relação entre o velho e o novo (a reciproca também é verdadeira). Neste viés, em termos de prática da vida cristã, o velho é abandonado enquanto vivência pecaminosa cotidiana, mas permanece vivo na memória como que num lampejo histórico para nos fazer lembrar, a cada novo dia, que o Carpinteiro nos concedeu gratuitamente o novo Caminho e, então, requer fidelidade para que andemos em “novidade de vida” (cf. Rm. 6:4) e assim irmos nós nos despindo do velho homem (cf. Cl. 3:9) a cada novo dia. É fato que a velha natureza pecaminosa ainda nos perseguirá a cada ano novo, a velha essência corrupta ainda estará a espreitar no novo emprego, os velhos hábitos ainda sussurrarão na nova igreja, as velhas práticas ainda insistirão em florescer no novo relacionamento, a velha praxe baterá a porta do coração ainda que tenhamos um carro novo, uma roupa nova, um pastor novo, uma casa nova, uns amigos novos, uma bicicleta nova...

Enfim, nada será realmente novo sem antes nascer de novo (cf. Jo. 3:7), e após isto, fixando os olhos em Jesus (cf. Hb. 12:2), ai sim, e somente ali, podemos caminhar “esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (cf. Fp. 3:13,14). Portanto, qualquer expectativa do novo sem Cristo é apenas uma maquiagem e reprodução do velho, uma mera ilusão temporal de ano novo em ano novo. A nossa velha natureza pecaminosa nos faz lembrar que necessitamos do novo para prosseguir, e o novo nos faz lembrar que fomos livres de um passado de condenação. Portanto, como que num grito de coerência, mais uma vez, se faz necessário insistir aos que estão no Caminho, que vivam em “novidade de vida” (cf. Rm. 6:4), a cada novo dia, a cada novo ano, lembrando que somos feitura dEle, “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas" (cf. Ef. 2:10).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 21 de Dezembro de 2016

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Igrejas gourmet’s LTDA – um discurso inconveniente


“Melhor é ter espírito humilde entre os oprimidos do que partilhar despojos com os orgulhosos”.
Provérbios 16:19 (NVI)

Há no senso comum a percepção de que se um restaurante está cheio é porque a comida daquele estabelecimento é boa. Em certa medida esta lógica é coerente, comida boa tende a produzir publicidade positiva e, então, atrair novos clientes, fazendo com que haja muitas pessoas no recinto no horário das refeições, atraindo relativa visibilidade e relativa credibilidade. Para quem não conhece as opções de restaurante de uma determinada região, este parece ser um critério interessante e relativamente seguro. Esta é a lógica usual (pragmática) de quando se está num lugar desconhecido e é preciso escolher um local para se fazer refeições.

As pessoas, ao terem que escolher um restaurante, são atraídas não apenas pela qualidade da comida que supostamente fez com que aumentasse a quantidade de pessoas no recinto, mas também por outros fatores que em certa medida podem até ser destoantes à noção de qualidade, como: preço, convivência, hábito, proximidade, rotina de trabalho, entre outras possibilidades. Então, escolher um restaurante apenas pela quantidade de pessoas que frequenta o local pode não ser o melhor critério, mas há de se admitir que seja uma tática usual e por vezes parece ser assertiva.

Há quem escolha uma igreja para frequentar como se escolhe um restaurante para comer, ou seja, pela quantidade de pessoas que frequenta o local, sob a pretensa afirmação de que se tem muita gente, deve ser bom. Se para restaurantes esta máxima tem lá suas dúvidas, quanto mais se aplicarmos a mesma lógica para a igreja. Tristemente, é preciso arrazoar que muitos líderes eclesiásticos valem-se da quantidade de frequentadores para dar visibilidade e suposta credibilidade para o empreendimento religioso, este confundem abrir um restaurante com abrir uma igreja.

Num restaurante tem-se que atrair clientes, vender o produto e, então, conseguir lucratividade, porém é preciso recuperar a sanidade e entender que a igreja não tem clientes, não vende produtos e muito menos deveria gerar lucratividade (não quer dizer que não precise de dinheiro, são conceitos distintos). Na igreja há fraternidade, não clientes, a relação não se estabelece a partir de uma noção mercantilizada. Na igreja há Boas Novas, não produtos, a mensagem é a mesma desde os tempos bíblicos e esta é suficiente para produzir salvação para o pecador arrependido. Na igreja há partilha, não lucratividade, o dinheiro tem que ser usado para promover a justiça social, a equidade e a expansão do Reino. Por meio destas premissas, é notoriamente distinguível uma igreja de um restaurante.

Não se escolhe uma igreja como se escolhe um restaurante; não se frequenta uma igreja com as mesmas intenções de se frequentar um restaurante; não se espera da igreja o que se espera de um restaurante; não se abre uma igreja como se abre um restaurante; não se conduz uma igreja como se conduz um restaurante. Aos que querem a possibilidade de lucro, que abram um restaurante. Aos que acreditam que o marketing é a ferramenta mais importante, que abram um restaurante. Aos que querem atrair multidões para serem reconhecidos com suposto sucesso, que abram um restaurante. Enfim, que estes pastores, donos de restaurantes com faixadas de igrejas, parem de emporcalhar a fé evangélica tupiniquim e reconectem-se com a simplicidade da fé que não requer nada mais do que permanecer fiel até o fim.

A igreja brasileira não precisa de pastores gourmetizados, com sintomas de numerolatria aguda e nem de uma liderança caramelizada de empowerment. Não estamos em um master chef eclesiástico. Precisamos apenas de igrejas simples, pastores simples, membros simples, estrutura simples, louvor simples e pregação simples. Afinal, nosso mestre é apenas um Carpinteiro e nós apenas servos... Ele é o dono da seara, nós os trabalhadores... Ele é o Senhor da Igreja e nós apenas parte da Igreja. Portanto, não avalie uma igreja pela quantidade de pessoas que a frequentam, avalie uma igreja pela transformação de vida daqueles que a frequentam; avalie uma igreja não pelo fluxo de gente na hora do almoço (referendando a metáfora do restaurante), mas sim pela perseverança, continuidade, devoção, rendição e permanência dos que se juntam a mesa para uma ceia diária.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 19 de Agosto de 2016

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Lições do Maestro, um recomeço


“Chegai-vos a Deus, e Ele se chegará a vós outros...” - Tiago 4:8.

Em uma apresentação musical podemos notar que o maestro, em qualquer sinfonia, não toca nenhum instrumento. A função dele é reger todos com sua batuta. Do maestro não se escuta nenhum som durante a apresentação da orquestra. A atenção do maestro é voltada para aqueles que estão tocando a música. Os olhos dele permanecem fixos em cada movimento do conjunto. O cuidado do maestro é visível e o zelo... impressionante.

Nada é mais importante para o maestro do que aqueles que estão na orquestra. A platéia simplesmente ouve o som daqueles que caminharam, escutaram e se dedicaram ao maestro. O maestro não conversa com o público durante a apresentação, simplesmente é aplaudido pelos ouvintes ao final. Todavia, aqueles que compõem a orquestra conversaram com o maestro, apresentaram suas dificuldades de acertar as notas e se alegraram juntos quando acertaram o tom coletivamente. O maestro não poupa tempo com aqueles que caminham com ele. Este é um processo que requer tudo de todos envolvidos. 

Jesus é o Maestro supremo, regendo a história com destreza e perfeição. Convidando, a todo tempo, gente simples e imperfeita a aprender com Ele, integrando-os na orquestra suprema, ensinando as notas da Vida, do Amor e da Graça - som estes emanadas da sinfonia do Maestro. Contudo, temos que definir nossa posição: ou tocamos na orquestra, ou somos apenas mais um na platéia a observar o Maestro de costas. Podemos ter liberdade de aprender com o Maestro, ou meramente aplaudir o que Ele fez para com a orquestra.

Observe o número de cadeiras nos teatros para os espectadores, e posteriormente observe o número de cadeiras para os integrantes da orquestra. A conclusão é lógica e óbvia: para os espectadores há inúmeros lugares, pois este sempre foram as multidões, porém para a orquestra o número de lugares se limita aos integrantes, que escolheram dedicar suas vidas num concerto.

Quem se assenta na platéia não necessita ter conhecido o Maestro e não precisa ter ouvido Suas instruções. Para esses há vários lugares, pois não requer compromisso com o Maestro, são apenas espectadores. Entretanto, quem se assenta na orquestra tem intimidade, caminhada, história e liberdade com o Maestro. Ouve as Suas instruções, aprende com Ele, se alegra, chora... tem comunhão. Para estes, os lugares são de frente com o Maestro, face a face, e aguardam silenciosamente a regência dAquele que é o Maestro.

A orquestra não é um grupo fechado ou elitizado, no qual ninguém mais pode entrar e entoar na sinfonia do Maestro. Não!!! Definitivamente não. A maior alegria do Maestro é ver a orquestra crescendo em número e, conseqüentemente, esvaziando os assentos reservados aos meros espectadores, pois ao final, o sarau é grande e poucos são os instrumentistas.

Então... o que você prefere? Ficar de frente com o Maestro, ou ficar a assistir o concerto? Aprender com Aquele que é manso e humilde de coração, ou ver de longe a mais bela sinfonia já tocada? Prefere tocar a música do Reino e viver na coletividade da orquestra, ou prefere arriscar-se num solo de individualismo? ...Você sabe onde encontrar o Maestro? Então corra! Ele está lhe esperando para lhe ensinar a partitura!

A boa notícia sempre foi esta: tem lugar na orquestra! E o Maestro escolheu você para ser participante e não mais um mero espectador. Junte-se a Ele e se envolva no som do céu que quebra os grilhões e restaura  a alma.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 06 de Março de 2004

sexta-feira, 8 de abril de 2016

"Os Dez Mandamentos" e o oportunismo gospel


"Muitos seguirão os caminhos vergonhosos desses homens e, por causa deles, será difamado o caminho da verdade. Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda".
2 Pedro 2:2,3 (NVI)

O Brasil, especialmente nestes últimos anos, vem sendo arrebatado por uma corrente de oportunismo evangelical. Na crista da onda, desde sempre (exagero necessário de um imediatista moderno), está a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), na figura excêntrica de seu líder Edir Macedo (fundador extremista da referida seita anti-cristã). Neste viés, como resultado de uma série de más intenções e maus resultados, a IURD vem emporcalhando e “emburrecendo” a Igreja Evangélica Brasileira. Para tanto, como que num apogeu de toda putrefação gospel, gravou recentemente a telenovela “Os Dez Mandamentos”, que recém se tornou em longa metragem. Então, o que pretendo me atrever é fazer alguns desconfortáveis comentários sobre a repercussão deste atual remake sweeded da IURD/Record, que foi uma tentativa fútil de ser como foi o grande sucesso da década 1950, The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos), com Charlton Heston interpretando Moisés.

Reitero que a critica que se segue é sobre a repercussão do recém lançado “Os Dez Mandamentos”, produzido pela tendenciosa mídia da IURD, então, a critica que se segue não é necessariamente sobre o conteúdo do filme. Isto não quer dizer que a história narrada no filme esteja imune de observações, muito pelo contrário, são tantas desconstruções bíblicas que daria pra escrever inúmeros textos, livros, dissertações e teses, seria até oportuno a hipérbole: não caberia em todos os livros do mudo. Por esta razão, me centrarei apenas na repercussão do filme, por entender que é muita besteira num momento histórico só para que caibam nas condensadas páginas que se seguem.


A primeira falácia é achar que o filme “Os Dez Mandamentos” é uma reconstrução da história bíblica. Ledo engano. A semelhança do recém “Noé” (2014), do novíssimo “Êxodo” (2014) e do não tão novo “Príncipe do Egito” (1998), todos estão inseridos numa proposta de ficção cientifica supostamente, e duvidosamente, embasados nas histórias bíblicas. Repito, supostamente embasados, ou seja, os referidos filmes não tem a intenção de serem fidedignos aos relatos bíblicos, como os próprios produtores insistem em afirmar. Contudo, estranhamente, os crentes tupiniquins assistem tais películas como se estivessem revivendo os relatos bíblicos. Isto demostra, muito claramente, que os tais crentes não entendem nada de bíblia. Por isto, qualquer produção cinematográfica tem ares de veracidade para estes, se tornando vulneráveis as aberrações, heresias e doutrinas de demônios (cf. I Tm 4:1). Então, quando alguém diz assistir os “Os Dez Mandamentos” porque é um filme bíblico, este precisa é ler a bíblia, pois não compreendeu nada do relato bíblico.


O segundo engodo vem da essência de ser IURD, que se personifica no suposto sucesso nas vendas de ingresso para os “Os Dez Mandamentos”. A Record/IURD, epicentro de toda desconstrução cristã moderna, insiste que este foi o filme brasileiro com maior bilheteria, depois mudam um pouco as falas para não soar tão mentiroso (como se pudesse fugir de seu próprio caráter), dai dizem: ser o filme mais assistido no Brasil. Para o telespectador desapercebido pode até dar um tom de demonstração do poder de Deus, pois afinal um filme bíblico (supostamente) ter tamanho destaque só pode ser obra de Deus, só que não. A IURD tem distribuído gratuitamente os ingressos para assistirem a aberração “Os Dez Mandamentos”, isto eles não divulgam na mídia. E outra informação que eles não divulgam é que o suposto sucesso do filme é o sucesso da telenovela da Record sobre a concorrente, a rede Globo. Ou seja, tudo não passa de um jogo de manipulação, típico da IURD e do fanfarrão Edir Macedo, para atrair mais audiência.


A terceira dissimulação é achar que é melhor algo meio torto falar de Deus do que não falar de Deus. Lego engano. Nada é mais corrosivo a verdade do que a mentira com tons de verdade. E é sempre válido lembrar que uma vez ensinado/aprendido errado, para desconstruir tal compreensão errônea é muito mais difícil. Por isto, arrisco dizer que a película recente “Os Dez Mandamentos” não contribuiu para a Igreja Evangélica Brasileira, muito pelo contrário prejudicou, pois ensinou errado. Ainda há de se destacar que o símbolo imagem fica mais gravado na memória do que a leitura, então, é provável que os crentes, discípulos da IURD, ao se lembrarem da história de Moisés se lembrarão do filme, não do texto bíblico. Ou seja, a bíblica perde autoridade e referência, se tornando secundária. Por isto, não é tão incomum ouvir nos púlpitos os pregadores relatando a história de Moisés distante dos relatos bíblicos, pois estes fixaram na mente o filme, não a leitura.


A quarta e última consideração é uma insistência já dada em outros textos de minha autoria (“Um menino chamado Edir Macedo”; “Entre Babilônia, Duas Caras e as mesmas manipulações”; e, “Brasil, a Roma dos evangélicos”). A questão é muito simples: por que a Record/IURD, sendo notoriamente anti-cristã, insiste em produzir coisas do gênero gospel? A resposta é mais simples ainda: pois enganar crente sempre foi mais fácil que enganar quem não é crente. Ser crente nesta contemporaneidade, quase sempre, está atrelado à autoridade e submissão, especialmente nas igrejas de linha neopentecostal. Desta forma é fácil induzir votos eleitorais, forçar doações financeiras desmedidas, esfacelar a vida das pessoas em prol de uma instituição e etc. A IURD/Record sabe que o crente tupiniquim julga que ter fé significa ser obediente a lideranças humanas, então, nesta jihad gospel, o mais forte tem evidência e reverência dos demais. Eis porque a IURD quer ser tão grande, pois precisa se impor sobre os frágeis corações de pastores e igrejas de médio e pequeno porte.


Minhas considerações finais são bandeiras que ainda insisto em tremular: 1) O filme “Os Dez Mandamentos” não é, sob nenhum aspecto, um filme bíblico; 2) O filme “Os Dez Mandamentos” é apenas uma jogada de marketing da Record/IURD para enganar os crentes de plantão; 3) A IURD não é uma igreja evangélica, ela é uma seita herética anti-cristã, corrosiva ao cristianismo bíblico; 4) O Edir Macedo, na representação do personagem de pastor, é uma vergonha para a Igreja Evangélica Brasileira, pois manipula intencionalmente a fé das pessoas; 5) A razão de Deus deixar a IURD e o Edir Macedo ter suposto sucesso é porque estes funcionam como contra peso para medir o coração de outros pastores igualmente corruptos que querem ter sucesso a qualquer custo; e, 6) Que Deus tenha misericórdia do circo que virou a Igreja Evangélica Brasileira e nos dê esperança após o califado da IURD.


Fortalecido pela cruz de Cristo,

Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 05 de Abril de 2016

quinta-feira, 31 de março de 2016

O amanhã é apenas uma invenção


“não se gabe do dia de amanhã, pois você não sabe o que este ou aquele dia poderá trazer”
Provérbios 27:1 (NVI)

O amanhã é uma invenção. Invenção de gente que se encanta com o folclore do controle existencial; invenção daqueles que querem simplificar a história em frações e periodicidade. É preciso lembrar que não nascemos com esta noção temporal. Enquanto crianças o amanhã era sempre o após dormir. Acordar, então, significava um novo dia, o presente. Dizer que amanhã ou dias depois iriamos fazer tal coisa, ou que daqui umas semanas seria uma data comemorativa, isto não fazia sentido, pois o que existe é apenas hoje agora, amanhã é apenas uma invenção de adultos.

O amanhã é a pretensão de gente que acredita que pode programar algo nesta vida. O amanhã é ininteligível, improvável, intocável. O amanhã, a bem da verdade, nunca existe, pois no amanhã será hoje. Por isto, o amanhã é uma invenção. É uma desassociação de nossa herança divina, eterna, que não se faz com conjugações no pretérito, presente e futuro. A noção de amanhã é uma desconstrução dos atributos comunicáveis de Deus com a humanidade. Fomos criados a partir da eternidade, nossa provisoriedade e moratória existencial é supérflua. Somos eterno, então, o amanhã não importa, é apenas uma invenção.

Para Tiago o amanhã não nos pertence, e lembra: “como é que sabem o que vai acontecer amanhã? A duração das suas vidas é tão incerta quanto à neblina do amanhecer; agora se vê, mas logo se esvai” (Tg. 4:14). Para Salomão o amanhã, se é que existe, pertence a Deus, por isto adverte: “podemos muito bem fazer planos para o futuro mas o resultado final é o Senhor que produz”. Para Jesus o amanhã é motivo de despreocupação, e aconselha: “portanto não fiquem preocupados com o dia de amanhã. Deus cuidará do dia de amanhã para vocês...”. Então, amanhã, ontem, daqui uns dias... pouco importa. Tudo isto é apenas invenção de gente que se esqueceu da eternidade que ainda pulsa em nossas veias.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 31 de Março de 2016

sábado, 13 de fevereiro de 2016

A família não é um patrimônio


“...escolham hoje a quem irão servir...Mas, eu e a minha família serviremos ao Senhor"
Josué 24:15 (NVI)

É corrente ouvir pelos lajeados rincões evangelicais a expressão: “família é o seu maior patrimônio”, ou “família é o seu maior tesouro”, ou ainda, “família é seu maior bem”. Em todas estas expressões há algo que deveria nos incomodar profundamente, que é a utilização de termos próprios do campo do capitalismo, consumismo e empreendedorismo, aplicados a vivência familiar. Patrimônio refere-se claramente ao acumulo de capital em forma de um bem imóvel ou móvel, então, referendar desta forma a família é no mínimo estranho. Tesouro é outra expressão que conota apropriação de valor mensurável e palpável, sendo igualmente esquisito associar a família a um processo com tal distinção financeira. E o termo bem refere-se diretamente aquisição de algo que agrega valor monetário perante a sociedade, portanto, é igualmente perverso atribuir a família esta conotação. Por isto, é preciso aperceber que a família não é um patrimônio, nem um tesouro ou um bem.

Família é uma construção social-afetiva entre pessoas. Família é quando se escolhe não mais caminhar sozinho. Família é o estado de grandeza da solidariedade e amabilidade inexplicável. Família é o porto seguro de nossas inevitáveis desventuras de ser humano. Família é a certeza de que seremos aceitos apesar de quem somos. Família é agir com a perfeição do amor mesmo sabendo que tal prática será tateada por imperfeitos agentes. Portanto, o conceito de família está mui além das noções de patrimônio, tesouro e bem. Rebaixar a família ao status de mercadoria ou de fetiche de consumo é dissimular as reais bases do estar e ser família. Associar a família à lógica mercantil é parametrizar polos universalmente distintos e antagônicos. Por esta razão, quase sempre, começa-se uma família sem que haja patrimônio, tesouros ou bens, demonstrando de forma audível que a união familiar sobressai aos acúmulos que a própria união familiar pode gerar.

A absorção de conceitos do capitalismo consumista para dentro do campo da família é uma etapa consciente de desmoralização da própria família, provocado por um movimento quase imperceptível de naturalização do estado de mercadoria. Sendo assim, aceita-se no seio familiar, com muita facilidade, as percepções de utilidade, de benefícios, de acumulo, de aparência, de sinergia, entre outros. Portanto, tristemente, há quem fique em família, pois esta se constitui, nesta modernidade tardia, num patrimônio, e afastar-se deste patrimônio significa empobrecer, literalmente. Há quem fique em família, pois esta se tornou um baú de tesouros com claras intenções de manutenção daqueles que se desarranjaram na vida. Há quem se estabeleça em família, pois esta evoca o principio do agrupamento, sendo assim juntos sempre se vai mais longe, se consegue mais bens, mesmo que ainda seja por “comunhão parcial de bens”.

Família não é um patrimônio, pois patrimônio se troca, se negocia, se vende, se desvaloriza. Não é um tesouro, pois tesouro se gasta ou se acumula para si próprio. Não é um bem, pois não é tangível. Família, a bem da verdade, é totalmente o oposto destas negociáveis noções empreendedoras. Família é um convite para reaprender a viver, a partilhar, a perder para que outros ganhem, a sorrir de coisas simples e a chorar por coisas mais simples ainda. Família, a exemplo da critica do filme “o Diabo Veste Prada” (20th Century Fox, 2006), não é um ativo estratégico nas vidas dos grandes empresários. Talvez, por isto, estes, com o intento de justificarem os seus próprios fracassos, então, rebaixam a família ao estado de naturalização de patrimônios, tesouros e bens. O triste de tudo isto é saber que a igreja evangélica brasileira absorveu tais atrocidades e a reproduzem domingo a domingo, talvez com boas intenções, mas inquestionavelmente com maus resultados.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 12 de Fevereiro de 2016

sábado, 30 de janeiro de 2016

Paulo, amor e "Tomates Verdes Fritos"


“Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino”.
1 Coríntios 13:11(NVI)

O ano é 1991, num sábado qualquer, naquela época eu tinha 10 anos de idade. Tudo parecia normal, nós crianças brincando na chácara, os adultos conversando em volta da mesa à espera da sessão de cineminha no fim da tarde, mas... uma das conversas, naquele sábado, se destacou das demais, era acerca de um novo filme que ganhava ares de clássico, chamado: Tomates Verdes Fritos (Universal Pictures). Lá fomos todos nós assistir, obviamente que nós crianças queríamos outro título, mas fomos votos vencidos (na verdade não havia votação, era imposição, coisa de adultos, sabe como é, né?). Ao fim do filme, para aqueles que chegaram ao fim, a sensação era de terem tido uma ótima experiência. Contudo, para nós crianças tudo era muito sem sentido, filme de adulto, dizíamos. Uma coisa ficou claro, o que crianças gostam, adultos não gostam, e vice-versa. Os anos se passaram e ainda algumas cenas do filme me assombram, numa espécie de recall da minha memória “adultizada”.

Tomates Verdes Fritos é coisa de adulto, que sabe que a vida é feita de uma teia de vivências. Vivências estas das quais as crianças são poupadas de compreender, ao menos ainda. Portanto, haverá dias futuros em que Tomates Verdes Fritos ganhará sentido, pois nas palavras de Paulo: “Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino” – 1 Co 13:11. Paulo não faz da infância um saudosismo horrendo, mas coloca a condição de “homem” como um processo inevitável da trajetória chamada vida. Estranho, desejo improvável, é o que propõem James Matthew Barrie, com a Terra do Nunca, em Peter Pan. Paulo sabia que não existiria capitão Gancho, então, era preciso amadurecer, era preciso ser “homem”, era preciso compreender Tomates Verdes Fritos.

O discurso de Paulo, sutra citado acima, é um dos mais referendados capítulos da Bíblia, 1 Co 13, capítulo este que fala sobre o dom de amar. Então, depois que Paulo explica tudo acerca do amor, ele faz a comparação entre ser menino e ser homem (no mesmo capítulo). Esta relação é importante para perceber que Paulo não estava falando de um amor divino, como se escuta por ai, nos rincões gospel – separando o amor em tipos, sendo este um erro exegético comum em solos tupiniquins. Neste sentido, Paulo está deixando claro que amor é o que se espera que haja entre os cristãos, e que sendo assim, o amor é uma atitude intencional e racional. E para Paulo o amor não é fruto de um esforço humano para amar, pois amor é um dom. Portanto, é possível amar ainda que não se queira amar, pois amor é um movimento originário em Deus, que é partilhado aos cristãos. Por isto, amor não pode ser confundido com ser bonzinho, ser caridoso, sentir algo, ter paixão, sentir “tesão”, ter aquela vontade e coisas do gênero. Amor é uma naturalidade do Reino. Não se esforça por amar, não se tem que amar, simplesmente se ama, pois é isto que gente que não mais é “criança” faz. Só entende isto quem entende Tomates Verdes Fritos.

Paulo contraria o senso comum de atrelar às crianças a capacidade de amar, e de contra partida atribuir a maldade ao coração de gente adulta. Para Paulo, amar é coisa de gente grande, gente com uma grandeza cristã tal, capaz de entender que amar é uma condição de apesares, de não pavonice, de não meritocracia, de não por mim. Para Paulo, o que separa homens de meninos, é a capacidade de amar. Amar não como um conceito metafisico sensorial, mas amar como João propõe: “não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” - 1 Jo 3:18.  Por isto, amar não pode ser confundido com coisas de crianças: espontaneidade de relacionamentos, facilidade em fazer amigos, facilidade em desemburrar, caridade, afetividade – isto são coisas boas, mas são coisas de crianças, é preciso ir além, é preciso chegar na compreensão/dimensão do amor, lá onde as tais atitudes boas de crianças até podem reaparecer, mas agora engorduradas de intencionalidade e maturidade. Só entende isto que entende Tomates Verdes Fritos.

Enfim, como bem disse o Carpinteiro: “nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros - Jo 13:35. Então, é tipo Tomates Verdes Fritos. Entende?

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 30 de Janeiro de 2016