quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Em diálogos nada dialógicos


“Tudo sem sentido! Sem sentido!, diz o mestre. Nada faz sentido! Nada faz sentido!"
Eclesiastes 12:8 (NVI) 

Há dias que um diálogo improvável se torna fundamentalmente essencial. São momentos em relances de vivências que desnudam percepções mais sensatas que o carpe diem dos moribundos. Num destes discursos axiomáticos encontra-se a simplicidade de não se conformar com as rédeas modernas e ousar verbalizar contraposições, insanidades e realidades. É bem ai que se percebe a possibilidade ser algo diferente do que o proposto pela roda gigante dos infames normais, e então, descobrir que ser normal é muito chato – não se arrisca a nada, não se redescobre por meio da, não se reinventa a partir de. Por isto, neste cochicho despretensioso não se escuta as clássicas respostas previsíveis.

A beira de uma pia qualquer, com mãos enlameadas de rígidos pré-conceitos, ecoa a brandura das águas correntes que suavizam as mais agitas aspirações de uma modernidade tardia. Este é o cenário ideológico para surgir diálogos nada dialéticos. Ali se confunde esperanças com senso de sustentabilidade ecológica sob a sentença de que pombas são símbolos da paz, então, não podemos mata-las, pois cada vez que uma pomba morre a paz morre um pouco mais. Loucura de gente desinstruída? Ou sanidade de convencimento ambiental proposta em casas de pau-a-pique? Se através desta anedota se salva animais, portanto, cumpre seu papel dialógico.

Ah! Escola... Para que serve mesmo? Deveria ser para adestrar cidadãos a se convencerem que o mundo é daqueles que nunca desistem, dos empreendedores, dos ousados, dos destemidos, daqueles que balbuciam vocabulários indigestos de diferenciação das classes sociais. Uma escolarização opressora não por causa de alguém, mas por causa do que somos – consumidores. Da diferenciação surge a sutil exclusão. Reprovado ou aprovado – Por quem? Para que? Por quais critérios? Melhor seria termos mais tempo para jogar bola, brincar de videogame, dormir, enfim, viver a juventude sem tantas mordaças. E assim ir para escola quando esta for atrativa, quando eu quiser, quando esta for mais útil para a vida.

Entremeados a conceitos de sustentabilidade ecológica e perversão acadêmica brota um erva daninha chamada Money. Os constantes estímulos do american way of life faz surgir por aqui o tupiniquim uai vamo dá um jeito. Vende-se, então, ingressos para assistir a promiscuidade de adolescentes que não escondem suas paixões, gente que assumi estarem na vida para um louca experiência monetária. Querem ganhar dinheiro, como se cifrão fosse um prêmio. Querem alcançar a “bufunfa” deitados numa rede, como se dinheiro fosse traído por um campo magnético de preguiça. Ter profissão se torna um mero detalhe para ver qual a melhor maneira de ganhar e gastar “cascaio”.

Não muito longe de tudo isto que emudece qualquer pretensa comunicação, ainda relampeja uma nova formatação da natividad de cada indivíduo. Surge a figura de uma criança que aprendeu a crescer sem pai, que tem na mãe a imagem de uma mulher sofridamente distante, que encontrou na arcaica existência dos avós um referencial de contemporaneidade. Vidas descontinuadas que seguem um destino em traços disformes. De tanto se acostumarem com as ausências discorre sobre as poucas presenças, quase sempre de um tempo longínquo. Aprende-se, então, que viver não é mensurado pelo que vivemos, mas sim pelo que nunca viveremos. Percebe-se, então, o desmascare da perfeição utópica, abrindo lugar para as imperfeições vivenciáveis – somos quem somos quando admitimos nossas ausências, desvirtudes e incompatibilidades.

Enfim, e por fim (mesmo não sendo o fim), é preciso postular que provavelmente este seja um texto sem sentido. Ao ler as linhas que se seguiram talvez não tenha conseguido ganhar significado na pré-formatada razão que insisti na folclórica sapiência de homo sapiens. Quem sabe, tudo que fora escrito não tenha encontrado fundamentação lógica – ainda bem. Contudo, afirmo que se esta foi a sua sensação não se preocupe. Não há nada de errado com sua capacidade crítica e interpretativa – pelo menos para os padrões normais e aceitáveis. O que ocorreu, caso ainda não esteja entendendo, é que os diálogos aqui descritos aconteceram com pessoas reais, ou seja, gente confusa, contraditória, inconstante e incompreensível – seres em profunda reconstrução/deformação existencial que não tem medo de expor suas dicotomias a partir do padrão do outro. Portanto, tais diálogos se compreendem quando se dialógotecexistencializa (um neologismo necessário para grupar diálogos, vida e existencialismo).

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 18 de Fevereiro de 2014

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A sociedade dos servos inúteis


“...quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever".
Lucas 17:10 (NVI) 

A muitos e muitos anos atrás, num reino tão distante, havia um pequeno grupo de servos que dotados de grandes talentos e capacidades diversas, serviam o rei com destreza e excelência. Gente esta que lutavam grandes batalhas, venciam ferozes dragões, enfrentavam exércitos e ao fim eram recebidos como heróis na vila onde moravam. Eram arqueiros que manuseavam habilidosamente o arco e flecha. Eram soldados que empunha suas espadas no mais alto estilo da nobre esgrima. Eram generais que ousadamente enfrentavam os perigos das guerras épicas, sucumbindo suas vidas em nome do rei. Estes são homens de honra que mesmo nunca tendo posto a coroa viviam suas vidas em nome desta que enobrece a cabeça de um só.

Numa fatídica manhã, porém previsível aos olhos mais sensíveis do reino, estes homens que valiam de suas vidas para manter a vida, enfrentaram a maior batalha de todos os tempos. Lutaram como antes, com punho fechado, com precisão nos golpes, com os olhos postos na glória do rei, com coragem tamanha que impunham respeito aos frágeis militantes que lá de longe observam um duelo digno de saudosas homilias gregas. A batalha parecia não ter fim, foram dias, semanas, em que as espadas não descansavam, e apesar de todo cansaço oriundo desta empreitada os nobres servos mantinham a guarda, zelando pelo nome do rei e exercendo seus votos de usarem tudo que tinham para expandir o reino. Finalmente, após longo período de pleito, mais uma vez... venceram, e então se puseram no caminho de volta para casa.

Durante o trajeto de volta, estes homens, que agora já estavam acostumados com as ovações de outrora, acreditavam que depois desta batalha seriam recebidos como reis na vila, afinal, nunca antes se vira tamanha disposição e disponibilidade em servir. Contudo, traiçoeiro é o caminho da glória, capaz de tornar os tais homens nobres em insaciáveis cumbucas de elogios e reconhecimentos – recipientes estes apropriados para os mais vis sentimentos de rebeldia contra o rei. Diferente das calorosas recepções do passado, foram humildemente recebidos pelos pequenos que brincavam na beira do portão da vila. Todos os demais habitantes estão interditos com suas obrigações domésticas e afazeres profissionais, não puderam ir aplaudir os destemidos servos do reino. E isto não passou despercebido pelos que voltavam...

Chateados, como era de se esperar, os servos-guerreiros começaram a arrazoar entre si sobre a ingratidão dos da vila. Ponderaram acerca da ousadia destes em não reconheceram os esforços dos tais. Arquitetaram argumentos mil sobre o que seria do rei sem estes robustos servos que não temiam a morte. Julgaram ser o mínimo serem recebidos com aplausos, ramos de gratulações e gritos de estímulos. Decidiram então abandonar o reino, pois ninguém merece ficar num local que não há valorização e gratidão. Foram embora. Deixaram o rei, os da vila e os pequeninos que ainda brincavam na beira do portão. Exilados numa floresta não muito longe da vila, os ex-soldados do rei se confabularam e decidiram eleger um rei para si, mas não conseguiram chegar num acordo, pois todos queriam ser reis, afinal era o grau mais nobre de reconhecimento que se existia e que estes aspiravam.

Algum tempo depois, com tentativas mal sucedidas de coroação, os ex-servos foram bisbilhotar como os da vila estavam conseguindo viver sem a proteção e qualificação destes que foram embora. Queria saber como o rei estava se portando sem o seu grupo de elite. Os tais nobres soldados acreditavam que a vila tinha perdido muito sem eles e precipitavam discursos orgulhosos de que agora o reino iria ver o quando eles eram preciosos e indispensáveis. Contudo, ao chegarem nas frestas do muro da vila perceberam que a vida continuava e que nada tiravam a paz do rei. Decepcionados, mas curiosos, foram à procura do rei. Os servos expuseram suas insatisfações, diziam serem merecedores de honra, não iriam aceitar a ausência de ovações pelo serviço que faziam no reino. Então o rei amorosamente apenas disse: “quando tiverem feito tudo o que lhes for ordenado, devem dizer: Somos servos inúteis; apenas cumprimos o nosso dever” - Lucas 17:10.

Deste dia em diante, os soldados voltaram para a vila, lutaram batalhas diversas, enfrentaram seus próprios medos em dias sóbrios de guerra e entenderam que no reino só pode haver um rei, digno de toda honra e reconhecimento. Agora, quando chegavam na vila não mais queriam ser recebidos com aplausos, alias nem faziam questão de serem vistos. E, se alguém da vila ousasse fazer qualquer forma de reconhecimento, estes nobres soldados logo os exortavam dizem com o argumento de que: “tudo que fizemos, fizemos pelo rei. Era nossa obrigação, fomos treinados para isto, vivem para isto e se for preciso morreremos por isto. Nossos talentos e virtudes são responsabilidades, não nos tornam melhores que os outros. Fazemos o que fazemos porque nascemos para isto, e se no final da jornada alguém quiser nos exaltar lembrem estes que fomos apenas servos inúteis”.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 05 de Fevereiro de 2014