quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Igrejas inglórias e fé cambaleante




“Admiro-me de que tão depressa estais passando daquele que vos chamou pela graça de Cristo, para um evangelho diferente, o qual não é outro; senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o Evangelho de Cristo”.
Gálatas 1:6-7

O presente artigo é mais um daqueles que fogem aos padrões cultos da norma portuguesa e se classifica no gênero “desabafo pessoal” – se assim, você leitor, preferir denominá-lo. Sendo, portanto, necessário o uso da linguagem na primeira pessoa do singular. Contudo, as linhas que se seguirão não perdem seu valor teológico ou acadêmico, pois reflexiona acerca da espiritualidade brasileira e seus impactos nas vivências cristãs. O que inicialmente me impulsionou a escrever este artigo foi fazer um comparativo entre as melancólicas músicas gospel da atualidade que engorduram as rádios denominacionais brasileiras em contraposição aos momentos despretensiosos de louvor coletivo (Hinário e Harpa Cristã) que ouvia em minha infância na chácara dos meus avôs aos sábados à tarde debaixo de uma velha árvore. Não quero ser saudosista, apenas entender o porquê as igrejas acostumaram as pessoas a ser tão inconstantes na fé. Portanto, nada melhor que observar o que as pessoas andam cantando por ai.

Nos últimos meses, devido a um probleminha técnico no som do meu carro, tenho tido o dissabor (ou o sabor amargo) de só ter a opção de ouvir músicas por meio de emissoras de rádios gospel, e sendo assim comecei a observar as letras destes louvores evangélicos. Não precisou de muito tempo para ficar demasiadamente claro que atualmente o conteúdo destas músicas evangelicais tocadas nas rádios esbravejam um “triunfalismo” de se voltar para Deus e um “determinismo” das bênçãos. De fato tais músicas não seriam tão perturbadoras se estas não fossem um reflexo exato da imaturidade dos cristãos pós-modernos. O que estou querendo dizer é que nos acostumamos com o fato das pessoas converterem e desconverterem, inúmeras vezes, pelas razões mais banais. Isto justifica o porquê de tantas músicas triunfalistas, pois são inconstantes na fé! Parece paradoxal, mas esta é a lógica. O triunfalismo é como uma válvula de escape, como que uma fuga da realidade e da responsabilidade, portanto, cantam o mais utópico possível se auto-afirmando, tentando convencer sua própria imatura consciência cristã, nem que seja por um domingo apenas.

As músicas que ocupam nossos louvores eclesiásticos se amoldam as pedidas de hits em rádios gospel. E é ai que a história fica ainda mais triste, pois nestes últimos meses foram raras às vezes em que ouvi em rádios uma música evangélica que fora escrita e cantada para glorificar a Deus. Isto sim é paradoxal! Em tese todas as músicas evangelicais deveriam exaltar a Deus, mas o que se percebe é uma grande odisséia antropocêntrica. Músicas feitas para chamar a atenção de Deus, como que uma criança mimada num supermercado. Músicas que afirmam a prosperidade financeira, como que se Deus fosse um caixa bancário. Músicas que esbravejam a cura, minimizando a fé salvífica ao milagre. Músicas que tornam os “crentes” superiores aos demais, esquecendo que somos servos uns dos outros. Por tudo isto, fico excessivamente indignado, e, portanto afirmo que estas músicas emporcalham a fé cristã, pois tornam as pessoas mais distantes de Deus, fazem do culto um lugar para homens serem servidos e para líderes serem aplaudidos.

O meu sentimento é de profunda perturbação, pois as músicas refletem a teologia (espiritualidade e fé) de uma geração, e ao ouvir estas rádios gospel sinto uma falta enorme da velha árvore na chácara de meus avôs. Sinto falta das músicas que ali eram cantadas com apenas um violão e muita paixão. Sinto falta de ouvir músicas que declamem sobre o amor de Deus, que contagie pela esperança de ir morar com Cristo, que reafirma a grandeza de Deus, que impulsione os ouvintes a pregar o evangelho, que relembre a simplicidade da fé cristã e que faça as pessoas se embebedar com a misericórdia do Rei dos reis. Por tudo isto, fico a me perguntar: Por que a igreja brasileira atual se contenta com uma igreja fraca e com uma fé rasa? A resposta é tristemente óbvia: nos acostumamos! Isto aconteceu de forma quase imperceptível – disfarçada como estratégia de Deus – assim foi fácil convencer uma grande maioria dos cristãos a se acostumarem com igrejas inglórias e com cristãos de fé cambaleante.

Então, voltando à pergunta do parágrafo anterior, eis algumas alíneas que demonstra como nos fizeram a acostumar a cantar músicas tão vazias (lembrando que as músicas são o termômetro exato para ouvir a espiritualidade e a maturidade de uma igreja): Primeiro, anularam a participação dos “idosos” na igreja, e de contra partida super valorizamos os jovens que quase sempre eram neófitos – valorizaram a força, ao invés de primar pela resistência. Segundo, banalizaram o estudo teológico e de contra partida ofereceram uma gama de cursos denominacionais supostamente “bíblicos” que visavam domesticar os membros – preferiram adestrar as pessoas, ao invés de capacitar. Terceiro, tornaram o culto um grande show de entreterimento que encanta as multidões de espectadores que se contentam em ter uma vida cristã passiva – escolheram os aplausos, ao invés de buscarem os corações.

Por fim, ao contrário do que alguns leitores, precipitadamente, podem concluir não estou frustrado com a Igreja, muito pelo contrário amo e vivo para a Igreja, por isto estou escrevendo este artigo apologético (i.e. em defesa da fé). Minha decepção é com os líderes, e neste momento especialmente com os músicos, que fizeram da Igreja um reino humano recheado de positivismo, acomodação e mediocridade, aceitando e tornando as igrejas inglórias e fazendo a fé das pessoas cambalear ao som de músicas vazias. Meu profundo desejo é que cada igreja encontre sua “velha árvore” e ali possam somente abrir os corações para Deus e viver um cristianismo simples.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 18 de Fevereiro de 2010

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