sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Desventuras cristãs, um restart na fé




“Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos! Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas...”.
Romanos 11:33-36 (NVI)

A presente geração tem propagado um evangelho triunfalista onde tudo e todas as coisas sempre têm que dá certo, e quando o inverso acontece há uma demonização do fato, por conseguinte há fuga de realidade depositando numa fantasia neopentecostal a fé e a esperança. Neste novo modelo de ser igreja não há espaço para aqueles que honestamente reconhecem suas fragilidades, dúvidas, fracassos e crises, estes são forçados a se esconderem por detrás das máscaras igrejeiras. Neste cenário surge uma religião em que a sinceridade e o acolhimento não são qualidades desejadas, muito pelo contrário, os que admitem os insucessos, e os que ousam se relacionar com estes categorizados fracassados, são rotulados discriminadamente pelos abrutes da fé que se deliciam com putrefação da carniça evangelical. Tal perspectiva contradiz as mensagens de Jesus Cristo que indubitavelmente optou pelos marginalizados, bem como se mostra contrária a exposição de Paulo aos Romanos quando exorta os fortes a suportar (i.e. dar suporte), consolar e edificar os fracos (cf. Rm 15).

A sociedade cristã pós-moderna tem muito medo do insucesso, isto é passivo de entendimento (mas, não justifica), pois rapidamente se aprende a rotular as pessoas não pelos sucessos, mas sim pelos insucessos, como exemplifica GRABB: “...nossa tendência é de identificar as pessoas pelos seus problemas: ‘você sabia que ele é divorciado?’; ‘ouvi dizer que ela esta tomando Prozac’; ‘eles são os pais do menino da cadeira de rodas’; ‘alguém me disse que ela é lésbica’; ‘ele é do tipo que se esquenta facilmente’ (...) não somos nossos problemas. Não somos nossas feridas. Não somos nossos pecados (...) os rótulos nos fazem crer que nossos problemas nos definem...”. (GRABB, 2000, p. 59). O ser humano, especialmente o religioso, desenvolveu a mesquinha capacidade de nunca se esquecer das mazelas dos outros, e pior, usa de tais desconfortos existências para agredir a fé e a esperança dos que tentam sobreviver aos pés da cruz. Não somos melhores por vencer sempre, não somos mais íntimos de Deus por não errar, não somos superiores aos demais pelas conquistas, não temos mais fé pelo bem que julgamos de nós mesmos, e, não temos o direito de desmerecer os outros pelos dissabores destes.

Neste evangelicalismo tupiniquim engordurado de cobiça egocêntrica se percebe algo mais mortífero que as horrendas pretensões destacadas nos parágrafos anteriores. Aqui se desnuda uma confusão doutrinária entre fé e esperança. Ambas são forças ativas na vida cristã, porém tem funções diferentes. O termo se refere à convicção que advém da obra salvífica de Deus em Cristo na cruz do Calvário, ou seja, se aplica a tudo que tange a vida e obra de Jesus. O termo esperança se refere às expectativas que se tem acerca de que algo de bom aconteça, ou seja, se aplica aos desejos nobres e autênticos da existência humana. Fé e esperança podem caminhar juntas, mas não necessariamente, nem essencialmente. Nesta perspectiva o contrário também é possível, isto é, ter esperança sem ter fé. Veja o seguinte paralelo para clarificar tal pressuposto: Querer um bom emprego é esperança; se contentar com as providências de Deus é fé. Querer encontrar a felicidade é esperança; desejar alegrar o coração de Deus é fé; Querer viver de forma planejada é esperança; viver reconhecendo que Deus dirige os passos é fé; Querer não sofrer é esperança; estar disposto a sofrer por Cristo é fé; Querer ganhar é esperança; não supervalorizar as perdas, pois se tem em Cristo o maior prêmio, isto é fé. Enfim, ter esperança é bom, ter fé fundamental.

Na jornada cristã haverá tempos, e não serão poucos, em que as tempestades, adversidades, confusões, incidentes e acidentes provarão a profundidade e a resistência da fé dos cristãos. Nestes dias a esperança possivelmente não será tão incandescente como outrora. Serão exatamente nestes momentos que cada indivíduo terá que escolher entre fé e esperança, e fincar os dois pés nesta escolha. Se a escolha for pela esperança, pois afinal em dias de desesperança o lógico seria se agarrar a esperança, tristemente e muito provavelmente, estes se frustrarão. Se a escolha for pela , e se esta fé for verdadeira e estabelecida sob Jesus Cristo, então, estes podem até perder a esperança, mas encontrarão refúgio seguro. Afinal, a melhor coisa em dias de desesperança é ter fé. Contudo, não se iluda com as afirmações anteriores, ter fé não é uma panaceia religiosa, pois como assevera CRABB: “Já tive momentos em que me perguntei se minha fé sobreviveria (...) nunca vi o Mar Vermelho se abrir nem o Sol ficar imóvel no céu nem um homem ressuscitar do caixão (...) nem toda pessoa desesperadamente pobre recebe de surpresa um dinheiro no momento certo – às vezes tudo o que chega pelo correio é outra conta. Nem toda pessoa que sofre alguma dor física encontra alívio. Nem toda pessoa angustiada encontra consolo (...) muitas vezes nos surpreendemos negando na prática aquilo que pregamos (...) porque dizemos coisas maiores do que nós mesmos (...) simplesmente não conseguimos ser tudo o que deveríamos ser”. (GRABB, 2000, p. 99, 100, 107).

A certeza de que Deus governa todas as coisas, quer sejam boas ou ruins, e rege-as para o fim que Ele planejou antes da fundação dos tempos, é essencial para compreender que, às vezes, não chegaremos aonde prometemos, não alcançaremos o topo como almejávamos, não iremos tão longe quanto acreditávamos, mas... chegaremos ao lugar exato que Ele quer, pois como afirma Jó após suas desventuras: “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos Teus propósitos pode ser impedido (cf. Jó 42:2). Que tenhamos fé nisto! E mesmo que nos falte esperança, que nos agarremos com todas as nossas forças, convicções e intenções a esta verdade: Ele sabe o que está fazendo! Que vivamos em Deus, nos dias de inverno ou nos dias de verão. Não precisamos ser perfeitos, pois jamais conseguiremos, o que nos resta é ter fé nAquele que tudo faz de forma perfeita, como poetisa o cantor Stênio Marcius na canção O Tapeceiro:

“Tapeceiro, grande artista,
Vai fazendo seu trabalho
Incansável, paciente no seu tear

Tapeceiro, não se engana
Sabe o fim desde o começo,
Traça voltas, mil desvios sem perder o fio

Minha vida é obra de tapeçaria,
É tecida de cores alegres e vivas,
Que fazem contraste no meio das cores nubladas e tristes
Se você olha do avesso,
Nem imagina o desfecho
No fim das contas, tudo se explica,
Tudo se encaixa, tudo coopera pro meu bem

Quando se vê pelo lado certo,
Muda-se logo a expressão do rosto,
Obra de arte para Honra e Glória do Tapeceiro

Minha vida é obra de tapeçaria,
É tecida de cores alegres e vivas,
Que fazem contraste no meio das cores nubladas e tristes
Se você olha do avesso,
Nem imagina o desfecho
No fim das contas, tudo se explica,
Tudo se encaixa, tudo coopera pro meu bem

Quando se vê pelo lado certo,
Todas as cores da minha vida
Dignificam a Jesus Cristo, o Tapeceiro”

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
 


Artigo escrito em: 14 de Novembro de 2012

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Bibliografia utilizada neste artigo: GRABB, Larry. O lugar mais seguro da terra. São Paulo: Mundo Cristão, 2000.

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