“...o
dia da morte é melhor do que o dia do nascimento. É melhor ir a uma casa onde
há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos
devem levar isso a sério! A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto
triste melhora o coração. O coração do sábio está na casa onde há luto, mas o
dos tolos, na casa da alegria”.
Eclesiastes 7:1-4 (NVI)
Eclesiastes 7:1-4 (NVI)
Dona Morte, que tal conversarmos
um pouco. Afinal, um dia vamos nos encontrar e desta nossa sorrateira colisão a
vida me deixará. Isto não quer dizer que você venceu, não se gabe Dona Morte,
você nunca ganhará. A minha inevitável certeza póstuma não te torna vitoriosa,
apenas demostra sua fragilidade moral e sua previsibilidade medíocre. Seres
como você são desprezíveis, pois se alimentam da virilidade alheia, são
incapazes de existir sem destruir. Tenho a impressão que você deve ser muito
infeliz por esta razão insiste em semear tristeza nos corações, talvez os
sorrisos te incomodem. Fico a pensar... será que algum dia você vai morrer?
Penso que sim, seu dia também chegará, pois há Alguém superior a todos, e dEle
ninguém escapa (cf. I Co. 15:54,55). Este
seria um dia em que queria estar vivo para ver você provar do seu próprio
veneno mortal. Enquanto este glorian day
não chega, sigo a te esperar. Então, permita-me dialogar contigo alguns ranços
de incertezas que permeiam meu imaginário obituário contraditório.
Dona Morte, qual o critério de
escolha sua? Deve haver algo de errado
na sua lista, pois você busca pessoas boas e deixa aqui pessoas de índole ruim.
Bem que você poderia levar apenas os maus, quem sabe assim o mundo seria
melhor, e desta maneira você faria um importante papel de utilidade pública.
Mas, não é assim que você trabalha. E nem seria possível agir desta maneira
categórica que, infantilmente sugeri a pouco, pois sejamos sinceros, somos
todos “maus”. A questão é que alguns deixam sua maldade florescer a tal ponto
que interferem nos padrões sociais – estes são intoleráveis pela sociedade.
Outros de contra partida, escondem suas maledicências no coração achando que
escondido não germinará, ledo engano, alias, às vezes tenho a impressão que
desta maneira o coração se torna uma incubadora do mal que acelera o
crescimento, que na grande maioria das vezes fica como um câncer corroendo por
dentro – mas mesmos assim, estes são toleráveis e admirados pela sociedade.
Dona Morte, reconheço que não sei como você escolhe suas vítimas, mas sei que
aos que ficam a dor é uma certeza que escâncara um inquietante POR QUÊ.
Dona Morte, por que você não
avisa quando virá? Seria tão mais funcional se você avisasse com um certo tempo
a sua horrenda chegada, desta maneira poderia programar meus compromissos, sonhos
e acertos. Mas, novamente tenho que reconhecer que mesmo com o memorando
antecedente de sua chegada não faria com que naquele instante da morte eu
tivesse um sentimento diferente do vazio de algo inacabado, pois você Dona
Morte, sempre interromperá a vida. Talvez você sempre chegue de surpresa para
que ninguém tenha a pretensão de controle sobre as vivências, fato é que somos
como barcos a deriva num temporal. Saber o dia da morte não ajudaria muito,
quem sabe até atrapalharia, pois limitaria sonhos, restringiria conquistas e
minimizaria a pedagogia do fracasso. Para que saber o dia da morte se nada sei
de dia nenhum da minha vida, aquele triste dia é apenas mais um dia qualquer, de
incertezas. Para alguns a morte será um basta, mas para outros o fim será
apenas um sussurro de que “já é suficiente”, tipo um convite ao descanso.
Dona Morte, tem como arrumar uma
forma de levar pessoas sem deixar um vazio nos que ficam? Seria uma ótima idéia
não sentir saudades, dor, vazio, solidão e desamparo – sentimentos tão
presentes nos que desafortunadamente ficam. Mas, outra vez preciso me
contradizer e reconhecer que a morte não encerra nossa ligação com os falecidos,
pois diariamente seremos assolados pelas lembranças vividas. A morte não nos
faz esquecer dos que foram, apenas aguça nossa percepção da vida, e isto é bom
– por mais estranho que pareça. Não sentir nada na morte de alguém seria um
sintoma de morte nos que ficam. Estar vivo é sentir, mesmo que tal sentimento
não seja agradável. Não seriamos mais felizes se nos esquecêssemos dos que morreram
talvez a dor fosse até maior. Não sentir nada é mais aterrorizante do que o
sentimento de perda, o vazio seria muito maior e a solidão seria mais assombrosa.
Ter o que se lembrar de alguém é um indicativo que este foi importante para
nós, e, pessoas importantes precisam ser lembradas, ainda que com dor pelos que
ficam.
Dona Morte, para quem você
trabalha, para Deus ou para o Diabo? Numa visão simplista do morrer diria que
você é diabólica, pois o resultado final que provoca é tristeza. Mas, preciso
repensar a lógica da morte, então, me lembro do jardim do Éden e recordo que
antes da sedução da Serpente os habitantes do jardim se alimentavam da Árvore
da Vida. Privilégio este que fora retirado após o comer do fruto proibido
(árvore do conhecimento do bem e do mal). Após este infortúnio erro, Deus
colocou querubins para impedir o homem de chegar perto da Árvore da Vida (cf. Gn. 3:22-24). Provavelmente a partir
deste instante a morte começa sua saga, tanto o é que longe do Éden registra-se
o primeiro da lista, Caim mata Abel (cf.
Gn. 4:8). Pensando assim parece que Deus permitiu a morte para que os seres
humanos não vivam eternamente com o peso do pecado – contraído no jardim e
herdado por todos. Seria então a morte uma dádiva
de Deus para que a momentânea jornada terrena não eternize o pecado e do outro
lado da vida encontremos um lugar onde o mal não habite, eternamente. Dona
Morte, você só nos é tão assombrosa porque facilmente nos esquecemos de que
nossa verdadeira habitação não é neste globo terrestre, nos esquecemos de que
nossa morada é a eternidade junto ao Criador, e, para ir para lá precisamos
morrer, não há outra forma. (ps. mais
uma vez o Diabo é apenas um coadjuvante na história, Deus é quem rege todas as
coisas para o fim que Lhe agrada – cf.
Cl 1:16-18)
Dona Morte, o que você conversou com
o Autor da Vida quando o encontrou na cruz? Fico a imaginar você, com toda sua prepotência
julgando ser capaz de sufocar a vida dEle. Mas, penso que talvez você já soubesse
o desfecho desta história, pois o Carpinteiro te contrariou inúmeras vezes enquanto
cumpria Seu ministério terreno fazendo pessoas mortas ressuscitarem. O mais irônico
é que Ele te menosprezava dizendo que as suas vítimas só estavam dormindo (cf. Lc. 8:52, Jo. 11:11) E como que num
golpe final de superioridade do Mestre, lá da cruz, quando findou o último suspiro
dEle, ressuscitou inúmeros mortos (cf.
Mt. 27:52,53). De duas uma, ou você achou que podia vencer o Autor da Vida e
então após o espetáculo da cruz só te restou reconhecer quem Ele é, ou você já O
conhecia deste outrora e então você ansiava por este encontro para que o mundo
soubesse que existe uma força maior que a morte, a força do amor de Deus, e
assim você cumpriria seu papel de glorificar o Senhor.
Dona Morte, percebo agora que
você não é muito de conversar, e o que era para ser um diálogo ficou mais
parecendo um monólogo com poucas certezas. E não daria para ser diferente, pois
quando nos encontramos de verdade, deste nosso diálogo, um de nós não sairá
vivo, e indubitavelmente o vitimado será eu. Então, vou aprendendo a viver com
estas incertezas mortais. Permita-me mudar o rumo desta nossa prosa... acho que
vou procurar dialogar é com a Dona Vida, pois ela ao contrário de você, Dona
Morte, permite encontros. Certezas ela também não me dá, mas me ensina a me
preparar para o fim inevitável. Então, para que fique registrado, não tenho
medo de você, Dona Morte – já tive, e muito. Hoje temo mais a Dona Vida. Enfim,
cada um cumpre seu papel, a morte mata, a vida vivifica, e eu coexisto entre
eles. Só espero ter vivido o suficiente para morrer e quem sabe ao fim ouvir as
doces palavras do Senhor dizendo: “Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel
no pouco; eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!”
– Mt. 25:21 (NVI).
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 16 de Março de 2013
Incrível! Poético, verdadeiro e inspirador!
ResponderExcluir