quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A relevância de nossos cultos irrelevantes


“Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês”.
Romanos 12:1 (NVI)

O culto dominical em solos tupiniquins a muito já deixou de ter sua “relevância”. O que se percebe é um grande espetáculo de desorientação doutrinária, litúrgica e teológica. As músicas não agregam valores cristãos, mas sim uma luta individualista por vitória. Os momentos dos avisos não mais informam sobre as programações eclesiásticas, apenas exibem pessoas recheadas de improvisos. O sagrado momento das ofertas/dízimos não mais se dá a partir da gratidão, mas desnuda nossa mais vil forma de manipulação. As pregações que outrora chamávamos de sermões pelo seu valor doutrinário, agora se rebaixam ao nível vexatório de algo próximo a auto-ajuda. A leitura bíblica que abalizava nossa fé, hoje serve apenas como textos aleatórios para abrir e encerrar cultos. O prelúdio e poslúdio que eram momentos de profunda reflexão pessoal sobre a vida cristã perderam espaço para o lúdico, afinal, culto não mais é um lugar de reflexão, mas agora é apenas de celebração.

O cenário caótico de nossos cultos dominicais brasileiros nos faz questionar a real relevância de nossos aglomerados semanais. Até mesmo no mais zeloso dos ambientes protestantes percebe-se uma gradativa mutação entre o que é certo pelo o que se está dando certo. Até mesmo os mais coerentes pregadores percebem uma crise didática entre o que se ensina e a capacidade de absorção/aplicação aos ouvintes. Até mesmo nas ditas igrejas históricas que tinham como identidade litúrgica uma organização exemplar, que apresentavam lógica cerimonial, tem que admitir que nos tornamos algo tipo Jornal Nacional, ou seja, um monte de notícias que não tem nenhum nexo entre si – informando de tudo, mas não esclarecendo nada. Por isto, não seria exagero afirmar que o caos não está apenas nas igrejas neopentecostais, o vírus contaminou toda a irmandade evangelical tupiniquim, obviamente que alguns apresentam os sintomas de forma mais aguda, outros conseguem camuflar e, talvez, até minimizar o impacto viral na congregação.

Daqui, em meio ao lamaçal gospel, nós poderíamos chegar a triste conclusão de que o culto não mais ensina, não tem sentido, é uma perda de tempo. Talvez! Contudo, proponho nas linhas que se seguirão uma nova percepção sobre o nossos cultos irrelevantes. Para tanto, proponho que voltemos nossos olhares para fora da igreja e pensemos por um tempo sobre a relevância do ensino secular na nossa formação. Tente lembrar-se de conceitos do ensino fundamental e do ensino médio – não me refiro a momentos ou integrações sociais. Tente lembrar-se dos ensinos da gramática que a professora de português tanto se esforçou para ensinar. Tente lembrar-se do cálculo da tal tartaruga que sempre aparecia nas provas de física para se calcular a velocidade. Tente lembrar-se da tabela periódica da química. Tente lembrar as fórmulas enigmáticas da matemática. Tente lembrar-se dos conceitos empenhados para a alfabetização. Enfim, tente lembrar-se, conceitualmente, do que você aprendeu nos seus primeiros dez anos de vida escolar. Arrisco dizer que pouco ou nada nos vem à mente em termos conceituais. Por esta razão, muitos julgam a escolarização uma perda de tempo com pouca relevância para a vida adulta.

O fato de não nos lembrarmos dos conceitos do ensino médio não os tornam irrelevantes, pois por mais que não nos lembremos de quase nada daquela época estes foram anos importantíssimos para a formação intelectual que viria posteriormente. As bases do pensamento se sedimentaram a partir daqueles ensinos que hoje nem lembramos. A capacidade de raciocínio se deu a partir daquelas reflexões que hoje nem sabemos quais eram. A lógica interpretativa se impulsionou com aqueles textos aparentemente infantis que hoje desprezamos. As fórmulas e teorias que hoje questionamos sua funcionalidade formaram nossa visão holística/interdisciplinar sobre o mundo. Enfim, não podemos avaliar nossa jornada acadêmica pelo hoje sem reverenciarmos o passado irrelevante que tivemos. O caos de se estudar várias disciplinas desconectadas entre si não foi desorientação acadêmica, foram relances que fomentaram uma cosmovisão multidisciplinar. Não lembrar-se de algum conceito não quer dizer que não aprendemos sobre, pois este permanece em nosso subconsciente e de lá vai dando relevância para nossos conceitos contemporâneos.

A igreja e a escola se parecem muito. Ambas vivem recebendo críticas sobre sua relevância. E, como fora exposto, há muita irrelevância na historicidade de cada uma. Contudo, estas irrelevâncias não as tornam desnecessárias. Não podemos cometer o celebre erro de julgar ações coletivas a partir de critérios individuais. O que é desprezível para um, pode ser essencial para outro; o que se apresenta como um imenso erro na visão de um, pode ser o lampejo de maturidade para outro; o que se caracteriza como uma grande perda de tempo para um, pode ser o mastro de esperança para outro; o que alguém poderia julgar como uma atitude infantil, pode ser o elo integrador para outro; o que alguém poderia avaliar como irrelevante, pode ser a única coisa relevante para o outro. Por fim, temos que admitir nossa incoerência histórica que descortina nossa incapacidade avaliativa dos fatos e tempos. Há muita irrelevância em nossos cultos, mas fico a pensar, se fizéssemos uma mutilação e cortássemos os tais “tumores”, o que nos restaria? Não podemos esquecer que a obra de Deus não é feita por causa da nossa altiva relevância. Que possamos redescobrir a relevância de nossos cultos irrelevantes, pois como afirmava Clarice Lispector: “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 18 de Dezembro de 2013

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