“Portanto, irmãos, rogo-lhes
pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus; este é o culto racional de vocês”.
Romanos
12:1 (NVI)
O culto dominical em solos tupiniquins a muito já deixou de ter sua
“relevância”. O que se percebe é um grande espetáculo de desorientação doutrinária,
litúrgica e teológica. As músicas não agregam valores cristãos, mas sim uma
luta individualista por vitória. Os momentos dos avisos não mais informam sobre
as programações eclesiásticas, apenas exibem pessoas recheadas de improvisos. O
sagrado momento das ofertas/dízimos
não mais se dá a partir da gratidão, mas desnuda nossa mais vil forma de manipulação. As pregações que outrora
chamávamos de sermões pelo seu valor doutrinário, agora se rebaixam ao nível
vexatório de algo próximo a auto-ajuda. A leitura bíblica que abalizava nossa fé,
hoje serve apenas como textos aleatórios para abrir e encerrar cultos. O prelúdio
e poslúdio que eram momentos de profunda reflexão pessoal sobre a vida cristã
perderam espaço para o lúdico, afinal, culto não mais é um lugar de reflexão,
mas agora é apenas de celebração.
O cenário caótico de nossos cultos dominicais brasileiros nos faz
questionar a real relevância de nossos aglomerados semanais. Até mesmo no mais
zeloso dos ambientes protestantes percebe-se uma gradativa mutação entre o que é certo pelo o que se está
dando certo. Até mesmo os mais coerentes pregadores percebem uma crise
didática entre o que se ensina e a capacidade de absorção/aplicação aos
ouvintes. Até mesmo nas ditas igrejas históricas que tinham como identidade
litúrgica uma organização exemplar, que apresentavam lógica cerimonial, tem que
admitir que nos tornamos algo tipo Jornal
Nacional, ou seja, um monte de notícias que não tem nenhum nexo entre si –
informando de tudo, mas não esclarecendo nada. Por isto, não seria exagero afirmar
que o caos não está apenas nas igrejas neopentecostais, o vírus contaminou toda a irmandade evangelical tupiniquim,
obviamente que alguns apresentam os sintomas de forma mais aguda, outros
conseguem camuflar e, talvez, até minimizar o impacto viral na congregação.
Daqui, em meio ao lamaçal gospel,
nós poderíamos chegar a triste conclusão de que o culto não mais ensina, não
tem sentido, é uma perda de tempo. Talvez! Contudo, proponho nas linhas que se
seguirão uma nova percepção sobre o nossos cultos irrelevantes. Para tanto,
proponho que voltemos nossos olhares para fora da igreja e pensemos por um
tempo sobre a relevância do ensino secular na nossa formação. Tente lembrar-se
de conceitos do ensino fundamental e do ensino médio – não me refiro a momentos
ou integrações sociais. Tente lembrar-se dos ensinos da gramática que a
professora de português tanto se esforçou para ensinar. Tente lembrar-se do cálculo
da tal tartaruga que sempre aparecia nas provas de física para se calcular a
velocidade. Tente lembrar-se da tabela periódica da química. Tente lembrar as fórmulas
enigmáticas da matemática. Tente lembrar-se dos conceitos empenhados para a
alfabetização. Enfim, tente lembrar-se, conceitualmente, do que você aprendeu
nos seus primeiros dez anos de vida escolar. Arrisco dizer que pouco ou nada
nos vem à mente em termos conceituais. Por esta razão, muitos julgam a escolarização
uma perda de tempo com pouca relevância para a vida adulta.
O fato de não nos lembrarmos dos conceitos do ensino médio não os tornam
irrelevantes, pois por mais que não nos lembremos de quase nada daquela época
estes foram anos importantíssimos para a formação intelectual que viria
posteriormente. As bases do pensamento se sedimentaram a partir daqueles
ensinos que hoje nem lembramos. A capacidade de raciocínio se deu a partir
daquelas reflexões que hoje nem sabemos quais eram. A lógica interpretativa se
impulsionou com aqueles textos aparentemente infantis que hoje desprezamos. As
fórmulas e teorias que hoje questionamos sua funcionalidade formaram nossa
visão holística/interdisciplinar sobre o mundo. Enfim, não podemos avaliar
nossa jornada acadêmica pelo hoje sem reverenciarmos o passado irrelevante que tivemos. O caos de se estudar
várias disciplinas desconectadas entre si não foi desorientação acadêmica,
foram relances que fomentaram uma cosmovisão multidisciplinar. Não lembrar-se
de algum conceito não quer dizer que não aprendemos sobre, pois este permanece
em nosso subconsciente e de lá vai dando relevância para nossos conceitos
contemporâneos.
A igreja e a escola se parecem muito. Ambas vivem recebendo críticas
sobre sua relevância. E, como fora exposto, há muita irrelevância na historicidade de cada uma. Contudo, estas irrelevâncias não as tornam
desnecessárias. Não podemos cometer o celebre erro de julgar ações coletivas a
partir de critérios individuais. O que é desprezível para um, pode ser
essencial para outro; o que se apresenta como um imenso erro na visão de um,
pode ser o lampejo de maturidade para outro; o que se caracteriza como uma
grande perda de tempo para um, pode ser o mastro de esperança para outro; o que
alguém poderia julgar como uma atitude infantil, pode ser o elo integrador para
outro; o que alguém poderia avaliar como irrelevante, pode ser a única coisa
relevante para o outro. Por fim, temos que admitir nossa incoerência histórica
que descortina nossa incapacidade avaliativa dos fatos e tempos. Há muita
irrelevância em nossos cultos, mas fico a pensar, se fizéssemos uma mutilação e
cortássemos os tais “tumores”, o que nos restaria? Não podemos esquecer que a
obra de Deus não é feita por causa da nossa altiva
relevância. Que possamos redescobrir a relevância de nossos cultos
irrelevantes, pois como afirmava Clarice Lispector: “até cortar os próprios
defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso
edifício inteiro”.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 18 de Dezembro de 2013
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