“Cria em mim um coração puro, ó
Deus, e renova dentro de mim um espírito estável. Não me expulses da tua
presença, nem tires de mim o teu Santo Espírito. Devolve-me a alegria da tua salvação
e sustenta-me com um espírito pronto a obedecer”.
Salmos 51:10-12 (NVI)
Salmos 51:10-12 (NVI)
O título deste
artigo pode ter causado estranheza, pois será discorrido sobre dois dos maiores
tabus do mundo evangelical: a
ausência de Deus – tema pouco difundido nos rincões gospel por gerar um sentimento de orfandade divina; e, o suicídio
de pastores – tema absolutamente silenciado nos porões eclesiásticos por
desnudar a humanidade que sustenta a invicta espiritualidade. Descrever sobre
os dois temas separadamente já seria um desafio de proporções gigantescas,
então faremos mais, associaremos ambos os assuntos como causa e efeito. É
válido ponderar que as alienas que se seguirão não são as únicas abordagens
possíveis, nem temos a intenções de simplificar a complexa junção de ausência
de Deus e pastores suicidas. Contudo, é preciso romper o discurso programado de
frases de efeito que povoa a previsibilidade de senso comum existente nas
igrejas tupiniquins. É necessário ver mais que o perceptível; é imprescindível
que se escute além das locuções; é fundamental que haja sensibilidade acima das
oscilações emotivas; é indispensável que sejamos sinceros, mesmo que isto custe
desnudar a fragilidade da nossa fé.
Nossa jornada se
inicia a partir da ideia de “ausência de Deus”. No contexto bíblico percebem-se
algumas situações em que esperávamos que Deus agisse de forma diferente por
causa de quem Ele é, mas não O fez. Por exemplo: Onde Deus estava quando a
serpente corrompeu Adão e Eva no Éden? Deus podia ter intervindo ali, mas não
fez. Onde Deus estava quando Caim assassinou Abel? Deus podia ter impedido tal
atrocidade, mas se omitiu. Onde Deus estava quando Estevão fora apedrejado
injustamente? Deus podia ter evitado que o Reino perdesse um de Seus mais
promissores pregadores, mas novamente Ele preferiu nada fazer. Além disto, a
questões de ausências que nos emudecem, como: Por que Deus dá aos homens chance
de arrependimento, mas para o diabo não há possibilidade de perdão? Por que
Deus prometeu a Abraão um filho e demorou tanto ao ponto de isto ter provocado
um desconforto/conflito histórico? Por que Deus não deixou Moises entrar na
terra prometida depois de tudo que ele teve que suportar no deserto? Por que os
profetas sofreram tanto para anunciar uma mensagem contrariamente de esperança?
Por que a igreja primitiva sofreu tanta perseguição e Deus se silenciou? ...Por
quê?
No contexto
contemporâneo as indagações não perdem força, pelo contrário, agregam valores
contextuais inquietadores, tipo: por que há tantas igrejas comprometidas com o
Reino que não crescem? Por que há cristãos que estão a chorar por ocasião de
tantas mazelas não provocadas por estes? Por que os ímpios prosperam? Por que,
às vezes, dá a impressão que os descrentes são mais felizes que os igrejeiros? Por que o discurso de
santidade não funciona? Por que nos sentimos tão vazios mesmo buscando
sinceramente a Deus? ...enfim: Onde Deus está? Não são poucas as ocasiões em
que temos a absoluta certeza de estarmos longe de Deus não por causa do pecado,
mas sim porque a ausência dEle é perceptível e sufocante. E esta ausência é tão
profunda que indagamos, frustradamente, a real existência dEle. Onde Ele está?
Por que Ele prefere o silêncio? Então, depois de esgotarmos todas as engenhosas
respostas criadas pelos teóricos (não teólogos) com fins a responder as
interrogações, as dúvidas permanecem... pois, para cada resposta apresentada
mais indigesto se torna a jornada,
ficando engordurada com frases de efeito, jargões ou reproduções autoritativas
invictas.
Neste tempestuoso
cenário de perguntas sem respostas surge o oráculo
evangelical, um ser diferente dos demais seres-gospeis. Um homem (ou mulher) que se reveste da figura de
“hermes” e faz aproximação entre Deus e mortais. Estes são chamados e aclamados
pelo título (não função): pastores. A ironia foi proposital para ingressarmos
no trágico segundo tópico proposto neste artigo, ou seja, pastores suicidas. De
fato há poucos relatos de pastores que se suicidaram: Pr. Cosmo Rocha dos
Santos (33 anos) em Alagoas, Brasil, em Abril de 2011 – “O corpo foi encontrado
de joelhos sobre a cama nas dependências da igreja, com um fio de telefone
envolta do pescoço”[1].
Pr. Teddy Parker (42 anos) em Geórgia, EUA, em Novembro de 2013 – Parker disse
em um sermão: “Às vezes, eu não sinto que Deus está me ouvindo (...) Sabe,
várias vezes sentimos que quando estamos passando por muita coisa de uma vez, é
tanto que parece que estamos sozinhos. E adivinha? Deus quer que você se sinta
assim. Sei que vocês já foram salvos há muito tempo. Sei que vocês são santos e
super espirituais, mas há momentos em sua vida, não na de vocês, mas na minha,
há momentos em minha vida em que passo por coisas e eu não consigo sentir que
Deus está ali”[2].
Há registros do
suicídio de três pastores nos EUA no final do ano de 2013, a partir de então os
estudiosos decidiram investigar e chegaram a dados nada animadores: “70% dos
pastores lutam constantemente com a depressão, e 71% estão 'esgotados'. Além
disso, 72% dos pastores dizem que só estudam a Bíblia quando precisam preparar
sermões, 80% acredita que o ministério pastoral afeta negativamente as suas
famílias, e 70% dizem não ter um amigo próximo (...) O Instituto Schaeffer
também estima que 80% dos estudantes de seminário (incluindo os recém-formados)
irão abandonar o ministério dentro de cinco anos”[3]. Todos estes relatos e
dados refere-se a pastores que interromperam suas próprias vidas ainda no
oficio pastoral. Contudo, é preciso ir além, pois empiricamente sabemos haver
muitos outros pastores que antes de se suicidarem se desviaram, não entrando
nestes horríveis números estatísticos. O suicídio de ex-pastores é mais
tolerável pela cristandade, alias, assim fica até fácil explicar o suicídio, responsabilizando o diabo e o pecado –
simplificando o desejo da morte. É necessário investigar as causas, não
explicar os fatos. É imprescindível delinear sobre as ausências, não justificar
as presenças.
O suicídio de
pastores (ou de ex-pastores) está intimamente ligado à ausência de Deus. É
fruto de uma reflexão lógica de descrença total na ação de Deus a partir de
suas vidas pastorais. Muitos dos que estão por ai pastoreando em solos
tupiniquins não podem ser sinceros com seus próprios sentimentos, desilusões e
frustrações. Não podem contar quantas vezes ficaram num banheiro imaginando de
que forma poderiam acabar com a dor profunda de não saber se é verdade o que
prega. Não podem dizer por ai quantas vezes se arriscaram com a esperança de
que numa destas morreria e terminaria então não como suicida, mas como herói.
Não podem declarar nos rincões gospel
que não sabem explicar o porquê que Deus salvou uma pessoa de um acidente e,
estranhamente, Deus nada fez para livrar o outro gerando dor nos familiares.
Não podem reconhecer que ser pastor não os torna melhores, superiores ou mais
chegados a Deus, pois para muito é só isto os distintivos de pastores. Não
podem verbalizar que, às vezes, se arrependem de terem sido ordenados a
pastores e que tem plena certeza de não estarem preparados. Não podem... até
que dizem para o mundo o que realmente queriam dizer: morrer.
Não quero
finalizar este artigo com teologias de frases de parachoque de caminhão. Não quero
tentar defender Deus acerca de Suas ausências, pois disto Ele não precisa (e
nem eu entendo!). Não quero tentar explicar de forma espiritualizada os
suicídios de pastores, pois a muito silêncio antes da morte. Alguns poderiam
apenas se contentar com explicações infantilizadas e estupidas como as que
foram postadas por Edir Macedo (suposto pastor), quando afirma sobre os
suicídios de pastores: “Isso aconteceu
porque a fé do pastor estava alicerçada nos seus sentimentos e não na Palavra
de Deus. (...) A fé inteligente despreza a visão, audição, tato, olfato
e paladar. Ela é a certeza de coisas que se não veem ou sentem... A crença verdadeira se fundamenta naquilo
que está prometido, escrito ou falado pela boca de Deus. Nada mais além disso”[4].
Isto é pura teologia de frase de parachoque de caminhão, pois exclui toda a
humanidade do processo, distancia a vivência do espiritual e fomenta a figura
heroica do pastor. Edir Macedo nunca quis que o povo vissem os pastores como
gente, por isto no conhecidíssimo discurso gravado em 1995[5], ele
afirma: “O povo tem que ter confiança no pastor. Se você mostrar aquela maneira
xôxa, o povo não vai confiar em você para orar. Você tem que ser o super-heroi
(...) é a fé ou não é? (...) tem aqueles que são tradicionais... agora tem
outros (que dirão): poxa, a quanto tempo eu queria isto. Poxa, tô cansado de
ler a bíblia, de ver tantas palavras e não acontecer nada na minha vida...”.
Por fim, temos que
reconhecer que a ausência de Deus é mais agressiva
que a Sua presença julgadora. Igualmente temos que admitir que a morte seja mais
atrativa que viver uma farsa. Portanto, continuaremos ouvido, sorrateiramente, acerca
do suicídio de pastores nos próximos anos. Haverá alguns que com profunda
devoção e respeito, apesar de toda descrença em Deus, vão visivelmente se
desviar, entrando pro rol dos ex-pastores suicidas – estes optaram por uma
morte solitária, distante inclusive de Deus. E, enquanto “pastor” for um título
de diferenciação entre nós, ao invés de um serviço fraternal e temporal,
estaremos, então, sendo co-responsáveis pelos suicídios – aquele que aperta o
gatilho não é o único a cometer suicídio, ele apenas protagoniza.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 26 de Fevereiro de 2014
[1] Confira a reportagem completa no link: http://leopoldinaparacristo.blogspot.com.br/2011/04/pastor-comete-suicidio-um-alerta-para.html
[2] Confira a reportagem completa no link: http://www.christiantoday.com/article/pastor.teddy.parker.commits.suicide.congregation.waits.for.him.after.confessing.sometimes.he.cant.feel.god/34672.htm
[3] Confira reportagem completa no link: http://noticias.gospelprime.com.br/pastores-suicidios-igreja-americana/
[4] Leia o comentário completo no link: http://www.bispomacedo.com.br/2013/12/23/pastor-comete-suicidio/
[5] Vídeo disponível no link: http://www.dailymotion.com/video/xe4xpr_jornal-nacional-denuncia-edir-maced_shortfilms
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