“...a fim de que não haja divisão no corpo,
mas, sim, que todos os membros tenham igual cuidado uns pelos outros”.
1 Coríntios 12:25 (NVI)
O discurso missiológico em solos tupiniquins vem sofrendo
uma inevitável mutação ideológica, assim como todas as variáveis existenciais
do presente tempo. Sendo, portanto, importante se redefinir, de tempo em
tempos, o que estamos fazendo e o que estamos falando que estamos fazendo. E
deste hiato conceitual sermos sinceros. Reconheço que escrever um texto/artigo sobre
a elitização dos congressos de missões no Brasil é entrar em um terreno
escorregadio, pois é preciso ter cuidado para não desmerecer os esforços de
outrora, bem como não generalizar vagamente uma problemática contemporânea.
Contudo, não discursar sobre esta temática é verbalizar um silêncio com tom de
consentimento. Portanto, o termo elitização será utilizado neste texto para
designar uma exclusão missiológica, intencional ou não, de uma grande maioria
de igrejas “pobres” em detrimento do discurso das torres de marfins das igrejas
“ricas”. O foco aqui não é a execução de missões em si, mas sim os perigos que
estão orbitando na elitização dos congressos de missões. Não será avaliado os
projetos, ações e inciativas de missão integral, mas sim o aglomerado
discursivo, ou seja, a proposta é olhar para o que virou os eventos de missões
nas terras tupiniquins.
Inicialmente é preciso delimitar o que seria uma igreja
“pobre” e o que seria uma igreja “rica”, bem como qual seria a relação destas
com o discurso de missões. Então, sejamos práticos, igreja “pobre” é aquela que
não tem condição financeira de custear os gastos de se trazer um palestrante conhecido
nacionalmente ou um missionário do campo transcultural para sua conferência
missionária. Isto é bem real para milhares de igrejas no Brasil que mal
conseguem pagar aluguel, conta de energia, telefone e água, entre outros
gastos. Alguns poderiam ser simplistas e afirmar, é apenas uma questão de
prioridade. Não é verdade, é uma questão de sobrevivência/manutenção da igreja
– realidade nas periferias das cidades e nos interiores distantes (abandonados).
Outro fato que precisa ficar claro neste momento é que não quer dizer que
precisemos trazer gente de fora para que o evento de missões seja relevante. De
fato! O foco aqui não é a relevância dos congressos, mas sim a falta de
acessibilidade/oportunidade aos de igrejas “pobres”. Imagine o quanto seria
produtivo, enriquecedor, encorajador,
reflexivo, transformador se uma igreja “pobre” da periferia pudesse ter um
tempo para aprender com os caciques do
nosso tempo (não entenda esta expressão ofensivamente).
Do outro lado da força têm-se as igrejas “ricas” que,
seguindo a mesma lógica prática proposta no parágrafo anterior, tem condições
de trazer a nata de missões para seus
eventos missionários. Então, esperava-se que estes popularizassem o acesso das
igrejas “pobres” aos eventos, mas não é isto que acontece, por algumas razões:
1) Cobram muito caro, dai precisamos dimensionar isto, por exemplo, se o evento
custa aproximadamente R$ 150 reais por pessoa, levar cinco pessoas da igreja
“pobre” já dá mais de um salário mínimo – uma fortuna para o contexto de
igrejas “pobres”; 2) Disponibilizam o evento pela internet, julgando ser esta
uma iniciativa de acessibilidade a todos, fato inverídico, pois separar
geograficamente os que não tem condição de pagar é explicitamente uma ação de
exclusão – lembrando que se a igreja é “pobre” provavelmente não terá internet
para assistir ao evento; e, 3) Divulgam apenas nas igrejas do mesmo nível
financeiro, argumentando não ter contatos dentro das igrejas “pobres”, isto
configura problemas graves, sendo que a falta de contato com os “pobres”
cristãos não é a causa, é o efeito da elitização, bem como descortina uma real
intenção de não levar gente que não sabe se portar num congresso elitizado – é
fato latente que nas igrejas “pobres” silêncio não é uma das virtudes.
Ainda é preciso dizer mais sobre os eventos missionários
organizados pelas igrejas “ricas”. O fato de se fazer um congresso de missões
em um hotel nada popular no que tange a preço só fomenta a elitização. Algo bem
perto da crítica que o filme “Amor Sem Fronteiras” (2003, PARAMOUNT PICTURES) propõem quando um grupo de ricos se reúne num baile glamoroso de
consciência social, quando são surpreendidos pela invasão de uma criança
africana que personifica a realidade, provocando um indigesto confronto:
discurso versus realidade. Outro
problema que precisa ser destacado é que, para os organizadores dos elitizados
congressos de missões, a igreja local deveria pagar para o pastor ou líder de
missões participar, algo até regulamentado em alguns denominações por meio do
estatuto ou regimento interno. Isto também não resolve o problema, pois o que
precisamos é de popularizar missões não concentrar em uma ou duas pessoas
(pastor ou líder de missões), é a igreja que precisa se conscientizar, não a elite da igreja. E, mais uma
consideração precisa ser feita, acredito (empiricamente) que os atuais cacique de missões não cobram uma
fortuna para ministrarem, porém estranhamente, num cálculo simples, de 500
pessoas pagando R$ 150 reais chega-se ao valor de R$ 75.000 reais (setenta e
cinco mil reais!!!!!), valor excessivamente alto que, com certeza, cobre as todas
despesas (mesmo não sendo necessário os participantes cobri-las, pois lembremos que quem está promovendo o evento é uma igreja “rica”).
O leitor deve estar se perguntando o que, então, poderia
ser feito. Aliás, qualquer crítica precisa propor um novo caminho possível
(referência ao artigo “Viva os Críticos”, escrito pelo mesmo autor), do
contrário é apenas falatório inútil. Por estar razão, nos próximos parágrafos
aventurarei propor algumas idéias (umas já praticadas por ai nos rincões
brasilianos e outras tantas que beira da utopia – quem sabe, Lars Grael tenha
razão quando diz que utopias podem virar sonhos, sonhos podem virar realidade).
A primeira proposta é que se tragam, subsidiado pelas “igrejas ricas”, os caciques de missões para palestrarem em congressos
de missões nas periferias, em igrejas “pobres” e a partir da realidade local proporem
discursos e uma práxis que sejam
associadas não a elite, mas as massas evangelicais
e seus desafios contemporâneos/contextuais. A idéia aqui é que as igrejas “ricas”
cubram os gastos pela capacitação/treinamento missionário das igrejas “pobres”.
Afinal, isto por si só já seria de caráter missionário – igrejas que se ajudam
mutuamente, não visando seu próprio arraial, mas o Reino. Obviamente que esta
proposta está acima da zona de utopias,
até porque a riqueza é fruto da não distribuição de renda, ou seja, só se é
rico porque não se gasta com, se acumula.
Enquanto as igrejas “ricas” entenderem
que mordomia cristã se aplica a gerar conforto para os seus, então,
continuaremos a viver num guerra fria
entre denominações, o que gera a elitização.
Outro caminho possível
é que nestes elitizados congressos de missões se tenha uma isenção das taxas de
inscrições para os membros (não só pastores e líderes de missões) de igrejas “pobres”.
Alguns poderiam argumentar que é dificílimo definir o que seria uma igreja “pobre”,
contudo, como já foi dito anteriormente não é. Uma simples pergunta na ficha de
inscrição poderia resolver este problema: “você ou sua igreja local não tem
condição de pagar a taxa de inscrição?” abaixo teria a opção para assinalar “sim”
ou “não”. Aqui alguns poderiam contra argumentar, como poderíamos acreditar na
resposta, será que alguns não iria se aproveitar desta situação? A resposta é
SIM! Sempre haverá discípulos de Gerson
(referência a Lei de Gerson – levar vantagem em tudo). Entretanto, temos que
partir do pressuposto que estamos lidando com cristãos, não com malandros. Se
partirmos do pressuposto que os participantes do congresso de missões não são pessoas
confiáveis, então não há o que se discursar nestas plenárias. Temos que sempre
nos lembrar da história atribuída a Tomás de Aquino quando foi chamado por joviais
frades a ir para o pátio do convento para ver uma vaca voando, e após ter sido
motivo de rizadas argumentou: prefiro acreditar que vacas possam voar a ter que
admitir que um cristão possa mentir.
E por fim, não esgotando as possibilidades de deselitização dos congressos de missões,
finalizo propondo que os caciques de missões
tenham mais critérios ao aceitar os convites para participar destes eventos. Enquanto,
não vermos grandes nomes associados aos pequenos eventos, não teremos condição
de mudar tal cenário de elitização. Obviamente que reconheço que muitos dependem
financeiramente destas participações, contudo, não acredito que empobrecerá se
o tal cacique dispuser algumas datas
para imergir na realidade missiológica das igrejas “pobres”. Este tópico não é tão utópico, pois se têm notícias por
ai deste tipo de ação de deselitização – claro que são raras, mas são reais. O
contexto missionário brasileiro precisa de exemplos, palestrantes/missionários
que optem em fazer a deselitização, não apenas discorrer sobre esta como num
discurso mitológico. O mundo evangélico tupiniquim está em constante mutação,
passando de uma geração para outra, substituído gradativamente seus caciques – processo normal e natural, inevitável
e saudável para o Reino. Todavia, é preciso arrazoar sobre qual a herança que a
próxima geração terá destes que estão à frente dos congressos de missões no
Brasil. É imprescindível que se reavalie os impactos sociais, culturais, teológicos
e missiológicos do que está sendo feito hoje para que não culpemos o passado, desassociando
as atuais vivências de nós mesmos.
O caminho não é acabar com os grandes congressos de missões,
mas sim oportunizar o acesso, real e não discriminatório, de cristãos de
igrejas “pobres”, igualmente inverter o processo, termos gente grande (caciques) de missões em congressos de periferias e/ou
interiores. Não podemos nos iludir com a folclórica homilia dos ricos que
afirmam que precisamos de igrejas “ricas” para ajudar em missões, pois para ser
ricos é preciso não distribuir. Além do mais é preciso avaliar não os valores
em si, mas sim os percentuais equivalentes. Por exemplo: uma igreja “pobre”,
com receita de aproximadamente R$ 2.000 reais que envia R$ 300 reais por mês
pro campo equivale a 15% das entradas; de contra partida uma igreja rica com
receita aproximada de R$ 150.000 reais que envia R$ 10.000 por mês pro campo
equivale a apenas 6 % das entradas. Então, por tudo que fora exposto neste
artigo, o leitor pode ter chegado, iludidamente, a conclusão que a solução seja
não cobrar pelos congressos de missões. Leto engano! No centro-oeste brasileiro
(contexto do autor) é comum encontrarmos excelentes congressos de missões com
entrada franca, e estranhamente, ter uns poucos gatos-pingados de gente. Ao que parece já fomos contaminados pelo vírus
do capitalismo, ou seja, se o evento não for caro, não deve ser bom. Finalizo,
então, temoroso, pois acho que já criamos um monstro chamado “elitização dos
congressos de missões”.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
_______________________________
Artigo escrito em: 14 de Abril de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário