Mateus 26:25,49 (NVI)
Há personagens
bíblicos que ocupam lugar de destaque nas homílias dominicais: Davi, Paulo,
Abraão, Estevão, Moisés, Pedro, Isaias, João, para citar alguns. De
contrapartida há figuras na narrativa bíblica que são relegadas ao gênero demonizante do mau, da ordem do
desprezo, personagens a quem nos referimos sempre de forma pejorativa, a saber:
Saul, Judas, os amigos de Jó, o outro ladrão na cruz (o que zombou de Jesus),
Caim, os religiosos dos tempos bíblicos (fariseus, saduceus, zelotes, etc). É
obvio que preferimos o primeiro grupo, pois fomenta os discursos de vitória,
conquista, superação, fé, convicção, espiritualidade, entre outras virtudes.
Contudo, não podemos negar que em nós mesmos habita o traidor, o orgulhoso, o
independente, o corrupto, o maldoso, o assassino, o ganancioso, o prepotente,
coisas das quais julgamos que se não forem ditas (verbalizadas) não terão
consequências, nem serão perceptíveis aos demais. Ledo engano, somos o que
somos – o Carpinteiro sabe disto, e, todos a nossa volta vêem isto.
Na galeria dos
“indesejados da fé” (referência inversa à galeria dos “heróis da fé” de Hebreus
11), se destaca Judas Iscariotes, pois fazer o que ele fez, trair e vender o
Mestre, merece ocupar o top one na
lista dos piores, até porque há suicídio envolvido na trama da história e isto
faz ganhar ares de inferno (razão esta que não se têm notícias de alguém, após
ele, ter recebido, ao nascer, o nome de Judas). Ele é o pior, fora corrupto,
traidor, ganancioso, mentiroso, farsante, sínico, agente duplo, entre outras
desvirtudes notórias no texto bíblico. Contudo, ao olhar no espelho percebo que
tais desalentos não são sombras de um passado neotestamentário distante como,
às vezes, se prega nos domingos. Existe mais de Judas em mim do que admito. Há
mais deste pervertido pecador em mim do que reconheço publicamente. Tem mais
deste suicida perverso em mim do que gostaria que tivesse. Talvez esta seja a
razão porque desdenhamos tanto Judas, ele se parece muito conosco (se parece
comigo!), e sempre tentamos não parecer com quem somos, pois achamos que isto
escandaliza a fé – dai surgem às máscaras que tanto embelezam o teatro
eclesiástico tupiniquim.
Judas é mais que
um personagem, é uma tipificação do ser gente. Judas denuncia nossas
contradições existências, que mesmo estando tão perto de Jesus vivemos tão
longe dEle. Judas faz transparecer nossa falsa espiritualidade e
comprometimento, que ao ver pecadores banhar os pés de Jesus com o perfume do
arrependimento, propõem algo mais nobre aos moldes dos padrões crenteiro, como se fosse possível haver
algo mais especial que ver pecadores quebrantados. Judas demonstra nossa fácil
corruptibilidade, que barganha o inestimável convívio com o Mestre por qualquer
migalha, tipo 30 moedas de prata (dinheiro equivalente na época ao valor de um
terro de médio porte, nada muito grande ou pomposo), ou por qualquer outra
sensação de adrenalina pecaminosa. Judas é mais que uma pessoa para apontarmos
dedos acusadores e borrifarmos nossa pretensa superioridade de santidade, ele é
um espelho que não gostamos de olhar, mas que reflete com exatidão quem somos.
Judas clarifica o
quanto é possível conviver, ouvir, integrar ao rol dos discípulos, ocupar
cargos de destaque no Reino e mesmo assim ser um farsante. Contudo, o mais
estranho em toda narrativa acerca de Judas é perceber que Jesus sabia de tudo
isto. Todas as mazelas interiores do Judas não causaram surpresa para Cristo,
Ele sabia quem era Judas deste o início – provavelmente esta seja a razão por
que Cristo o escolheu, ou seja, para entalhar na história humana o conceito
mais emblemático de todos os tempos: a Graça. Não há nenhum relato de Cristo
tratando Judas de forma distinta (negativa) em relação aos demais apóstolos
(mesmo sabendo quem Judas era), Ele o amou como amou João, Maria Madalena ou
qualquer outro dos pequeninos. E,
mesmo quando no auge do drama, o beijo da morte que afagou o rosto de Cristo,
ainda o Carpinteiro exalou Graça para gente como Judas, gente como eu ou você,
leitor.
Enfim, Judas
suicidou. Não porque ficou com medo de sofrer retaliação dos grupos pró-cristo
da época; não porque teve consciência de que 30 moedas era pouco pelo feito;
não porque sentiu remorso ou arrependimento por ter entregado Jesus. A verdade é
que Judas não suportou a certeza do amor de Cristo; não conseguiu conviver com
a não meritocracia do perdão do Mestre; ele, então, descobriu as Boas Novas. O
espanto e a consciência de que a Graça insiste em perseguir gente como ele, o
fez entrar em profunda crise que teve seu fim na forma mais trágica de
desespero/angústia, o suicídio - esta foi à tentativa de fugir da Graça que o
iria atormentar pelo resto da vida. Por
tudo isto, a história de Judas é fascinante, pois denuncia quem eu sou, e quem
Jesus é.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 11 de Junho de 2014
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