“...escolham hoje a quem irão servir...Mas, eu
e a minha família serviremos ao Senhor"
Josué 24:15 (NVI)
Josué 24:15 (NVI)
É corrente ouvir pelos
lajeados rincões evangelicais a expressão: “família é o seu maior patrimônio”,
ou “família é o seu maior tesouro”, ou ainda, “família é seu maior bem”. Em
todas estas expressões há algo que deveria nos incomodar profundamente, que é a
utilização de termos próprios do campo do capitalismo, consumismo e
empreendedorismo, aplicados a vivência familiar. Patrimônio refere-se claramente ao acumulo de capital em forma de
um bem imóvel ou móvel, então, referendar desta forma a família é no mínimo
estranho. Tesouro é outra expressão
que conota apropriação de valor mensurável e palpável, sendo igualmente
esquisito associar a família a um processo com tal distinção financeira. E o
termo bem refere-se diretamente
aquisição de algo que agrega valor monetário perante a sociedade, portanto, é
igualmente perverso atribuir a família esta conotação. Por isto, é preciso
aperceber que a família não é um patrimônio,
nem um tesouro ou um bem.
Família é uma construção
social-afetiva entre pessoas. Família é quando se escolhe não mais caminhar
sozinho. Família é o estado de grandeza da solidariedade e amabilidade
inexplicável. Família é o porto seguro de nossas inevitáveis desventuras de ser
humano. Família é a certeza de que seremos aceitos apesar de quem somos.
Família é agir com a perfeição do amor mesmo sabendo que tal prática será
tateada por imperfeitos agentes. Portanto, o conceito de família está mui além
das noções de patrimônio, tesouro e bem. Rebaixar a família ao status
de mercadoria ou de fetiche de
consumo é dissimular as reais bases do estar e ser família. Associar a família
à lógica mercantil é parametrizar polos universalmente distintos e antagônicos.
Por esta razão, quase sempre, começa-se uma família sem que haja patrimônio,
tesouros ou bens, demonstrando de forma audível que a união familiar sobressai
aos acúmulos que a própria união familiar pode gerar.
A absorção de conceitos do capitalismo
consumista para dentro do campo da família é uma etapa consciente de desmoralização
da própria família, provocado por um movimento quase imperceptível de
naturalização do estado de mercadoria. Sendo assim, aceita-se no seio familiar,
com muita facilidade, as percepções de utilidade, de benefícios, de acumulo, de
aparência, de sinergia, entre outros. Portanto, tristemente, há quem fique em
família, pois esta se constitui, nesta modernidade tardia, num patrimônio, e afastar-se deste
patrimônio significa empobrecer, literalmente. Há quem fique em família, pois
esta se tornou um baú de tesouros com
claras intenções de manutenção daqueles que se desarranjaram na vida. Há quem
se estabeleça em família, pois esta evoca o principio do agrupamento, sendo
assim juntos sempre se vai mais longe, se consegue mais bens, mesmo que ainda seja por “comunhão parcial de bens”.
Família não é um patrimônio, pois patrimônio se troca, se
negocia, se vende, se desvaloriza. Não é um tesouro,
pois tesouro se gasta ou se acumula para si próprio. Não é um bem, pois não é tangível. Família, a bem
da verdade, é totalmente o oposto destas negociáveis noções empreendedoras.
Família é um convite para reaprender a viver, a partilhar, a perder para que
outros ganhem, a sorrir de coisas simples e a chorar por coisas mais simples
ainda. Família, a exemplo da critica do filme “o Diabo Veste Prada” (20th
Century Fox, 2006), não é um ativo estratégico nas vidas dos grandes
empresários. Talvez, por isto, estes, com o intento de justificarem os seus
próprios fracassos, então, rebaixam a família ao estado de naturalização de patrimônios, tesouros e bens. O triste
de tudo isto é saber que a igreja evangélica brasileira absorveu tais
atrocidades e a reproduzem domingo a domingo, talvez com boas intenções, mas
inquestionavelmente com maus resultados.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 12 de Fevereiro de 2016
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