segunda-feira, 18 de março de 2013

Em diálogos com a morte


“...o dia da morte é melhor do que o dia do nascimento. É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a sério! A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto triste melhora o coração. O coração do sábio está na casa onde há luto, mas o dos tolos, na casa da alegria”.
Eclesiastes 7:1-4 (NVI) 

Dona Morte, que tal conversarmos um pouco. Afinal, um dia vamos nos encontrar e desta nossa sorrateira colisão a vida me deixará. Isto não quer dizer que você venceu, não se gabe Dona Morte, você nunca ganhará. A minha inevitável certeza póstuma não te torna vitoriosa, apenas demostra sua fragilidade moral e sua previsibilidade medíocre. Seres como você são desprezíveis, pois se alimentam da virilidade alheia, são incapazes de existir sem destruir. Tenho a impressão que você deve ser muito infeliz por esta razão insiste em semear tristeza nos corações, talvez os sorrisos te incomodem. Fico a pensar... será que algum dia você vai morrer? Penso que sim, seu dia também chegará, pois há Alguém superior a todos, e dEle ninguém escapa (cf. I Co. 15:54,55). Este seria um dia em que queria estar vivo para ver você provar do seu próprio veneno mortal. Enquanto este glorian day não chega, sigo a te esperar. Então, permita-me dialogar contigo alguns ranços de incertezas que permeiam meu imaginário obituário contraditório.

Dona Morte, qual o critério de escolha sua? Deve haver algo de errado na sua lista, pois você busca pessoas boas e deixa aqui pessoas de índole ruim. Bem que você poderia levar apenas os maus, quem sabe assim o mundo seria melhor, e desta maneira você faria um importante papel de utilidade pública. Mas, não é assim que você trabalha. E nem seria possível agir desta maneira categórica que, infantilmente sugeri a pouco, pois sejamos sinceros, somos todos “maus”. A questão é que alguns deixam sua maldade florescer a tal ponto que interferem nos padrões sociais – estes são intoleráveis pela sociedade. Outros de contra partida, escondem suas maledicências no coração achando que escondido não germinará, ledo engano, alias, às vezes tenho a impressão que desta maneira o coração se torna uma incubadora do mal que acelera o crescimento, que na grande maioria das vezes fica como um câncer corroendo por dentro – mas mesmos assim, estes são toleráveis e admirados pela sociedade. Dona Morte, reconheço que não sei como você escolhe suas vítimas, mas sei que aos que ficam a dor é uma certeza que escâncara um inquietante POR QUÊ.

Dona Morte, por que você não avisa quando virá? Seria tão mais funcional se você avisasse com um certo tempo a sua horrenda chegada, desta maneira poderia programar meus compromissos, sonhos e acertos. Mas, novamente tenho que reconhecer que mesmo com o memorando antecedente de sua chegada não faria com que naquele instante da morte eu tivesse um sentimento diferente do vazio de algo inacabado, pois você Dona Morte, sempre interromperá a vida. Talvez você sempre chegue de surpresa para que ninguém tenha a pretensão de controle sobre as vivências, fato é que somos como barcos a deriva num temporal. Saber o dia da morte não ajudaria muito, quem sabe até atrapalharia, pois limitaria sonhos, restringiria conquistas e minimizaria a pedagogia do fracasso. Para que saber o dia da morte se nada sei de dia nenhum da minha vida, aquele triste dia é apenas mais um dia qualquer, de incertezas. Para alguns a morte será um basta, mas para outros o fim será apenas um sussurro de que “já é suficiente”, tipo um convite ao descanso.

Dona Morte, tem como arrumar uma forma de levar pessoas sem deixar um vazio nos que ficam? Seria uma ótima idéia não sentir saudades, dor, vazio, solidão e desamparo – sentimentos tão presentes nos que desafortunadamente ficam. Mas, outra vez preciso me contradizer e reconhecer que a morte não encerra nossa ligação com os falecidos, pois diariamente seremos assolados pelas lembranças vividas. A morte não nos faz esquecer dos que foram, apenas aguça nossa percepção da vida, e isto é bom – por mais estranho que pareça. Não sentir nada na morte de alguém seria um sintoma de morte nos que ficam. Estar vivo é sentir, mesmo que tal sentimento não seja agradável. Não seriamos mais felizes se nos esquecêssemos dos que morreram talvez a dor fosse até maior. Não sentir nada é mais aterrorizante do que o sentimento de perda, o vazio seria muito maior e a solidão seria mais assombrosa. Ter o que se lembrar de alguém é um indicativo que este foi importante para nós, e, pessoas importantes precisam ser lembradas, ainda que com dor pelos que ficam.

Dona Morte, para quem você trabalha, para Deus ou para o Diabo? Numa visão simplista do morrer diria que você é diabólica, pois o resultado final que provoca é tristeza. Mas, preciso repensar a lógica da morte, então, me lembro do jardim do Éden e recordo que antes da sedução da Serpente os habitantes do jardim se alimentavam da Árvore da Vida. Privilégio este que fora retirado após o comer do fruto proibido (árvore do conhecimento do bem e do mal). Após este infortúnio erro, Deus colocou querubins para impedir o homem de chegar perto da Árvore da Vida (cf. Gn. 3:22-24). Provavelmente a partir deste instante a morte começa sua saga, tanto o é que longe do Éden registra-se o primeiro da lista, Caim mata Abel (cf. Gn. 4:8). Pensando assim parece que Deus permitiu a morte para que os seres humanos não vivam eternamente com o peso do pecado – contraído no jardim e herdado por todos. Seria então a morte uma dádiva de Deus para que a momentânea jornada terrena não eternize o pecado e do outro lado da vida encontremos um lugar onde o mal não habite, eternamente. Dona Morte, você só nos é tão assombrosa porque facilmente nos esquecemos de que nossa verdadeira habitação não é neste globo terrestre, nos esquecemos de que nossa morada é a eternidade junto ao Criador, e, para ir para lá precisamos morrer, não há outra forma. (ps. mais uma vez o Diabo é apenas um coadjuvante na história, Deus é quem rege todas as coisas para o fim que Lhe agrada – cf. Cl 1:16-18)

Dona Morte, o que você conversou com o Autor da Vida quando o encontrou na cruz? Fico a imaginar você, com toda sua prepotência julgando ser capaz de sufocar a vida dEle. Mas, penso que talvez você já soubesse o desfecho desta história, pois o Carpinteiro te contrariou inúmeras vezes enquanto cumpria Seu ministério terreno fazendo pessoas mortas ressuscitarem. O mais irônico é que Ele te menosprezava dizendo que as suas vítimas só estavam dormindo (cf. Lc. 8:52, Jo. 11:11) E como que num golpe final de superioridade do Mestre, lá da cruz, quando findou o último suspiro dEle, ressuscitou inúmeros mortos (cf. Mt. 27:52,53). De duas uma, ou você achou que podia vencer o Autor da Vida e então após o espetáculo da cruz só te restou reconhecer quem Ele é, ou você já O conhecia deste outrora e então você ansiava por este encontro para que o mundo soubesse que existe uma força maior que a morte, a força do amor de Deus, e assim você cumpriria seu papel de glorificar o Senhor.

Dona Morte, percebo agora que você não é muito de conversar, e o que era para ser um diálogo ficou mais parecendo um monólogo com poucas certezas. E não daria para ser diferente, pois quando nos encontramos de verdade, deste nosso diálogo, um de nós não sairá vivo, e indubitavelmente o vitimado será eu. Então, vou aprendendo a viver com estas incertezas mortais. Permita-me mudar o rumo desta nossa prosa... acho que vou procurar dialogar é com a Dona Vida, pois ela ao contrário de você, Dona Morte, permite encontros. Certezas ela também não me dá, mas me ensina a me preparar para o fim inevitável. Então, para que fique registrado, não tenho medo de você, Dona Morte – já tive, e muito. Hoje temo mais a Dona Vida. Enfim, cada um cumpre seu papel, a morte mata, a vida vivifica, e eu coexisto entre eles. Só espero ter vivido o suficiente para morrer e quem sabe ao fim ouvir as doces palavras do Senhor dizendo: “Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco; eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!” – Mt. 25:21 (NVI). 

Fortalecido pela cruz de Cristo, 
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 16 de Março de 2013

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