“Por
essa razão, desde o dia em que o ouvimos, não deixamos de orar por vocês e de
pedir que sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a
sabedoria e entendimento espiritual”.
Colossenses 1:9 (NVI)
Colossenses 1:9 (NVI)
Nas periferias brasileiras se
encontram a maioria dos aglomerados de analfabetos. Fato este que agrava a
desigualdade social e abafa as perspectivas de vidas destes que vivem marginalizados.
Paradoxalmente (e divinamente) foi neste cenário educacional caótico que a
Igreja Brasileira conseguiu se estabelecer e crescer, principalmente a linha
evangélica denominada Pentecostal. Há pesquisadores que admitem que a Igreja se
tornou o ponto de referência para estas comunidades em estado de
vulnerabilidade social, pois nas periferias há ausência do Governo, pouca
infra-estrutura e distanciamento dos centros acadêmicos, entre outras faltas.
Assim, nas periferias brasileiras surgiu a Igreja, como que sendo uma “luz no
fim do túnel” do analfabetismo e combatendo a desigualdade social.
A Igreja se estabeleceu nas
periferias como um ponto de reconstrução e reintegração social. Assim sendo, a
proposta eclesial se demonstrou nobre e satisfez pressupostos bíblicos.
Contudo, para que tal iniciativa pudesse influenciar de forma significativa as
comunidades carentes seria necessário um grupo de pessoas capacitadas
intelectualmente e teologicamente, o que invariavelmente não aconteceu. As
grandes igrejas que tinham condições de fazer algo para diminuir o
analfabetismo ou de minimizar as discrepâncias sociais não quiseram sair da
redoma de conforto presente nas igrejas dos centros metropolitanos. O resultado
era inevitável, surgiu nas periferias um novo modelo de analfabetismo, que será
denominado: analfabetismo bíblico.
O analfabetismo bíblico surge
originalmente desta incapacidade intelectual e teológica dos grupos religiosos
das periferias, que por vez foram intencionalmente “esquecidos” pela própria cristandade
mais abastada. Por uma ausência de discipulado, os líderes evangélicos das
periferias tiveram que aprender sozinhos como entender a bíblia, mesmo sem
entender de língua portuguesa. Estes analfabetos igreijeiros de baixa classe social às vezes conseguem ler o texto
bíblico e quase sempre não conseguem interpretar. E então, por falta de
orientação espiritual e lingüística, eles distorceram e distorcem os textos
bíblicos, ou pior, como não sabem interpretar, a “válvula de escape” mais
tangível foi espiritualizar o texto
por meio das famosas “revelações”.
Estes analfabetos bíblicos são
frutos do desapreço da Igreja Brasileira. As igrejas deveriam ter desenvolvido
um bom plano educacional de alfabetização, e posteriormente um excelente plano
educacional de teologia. Por esta ausência lingüística e teológica tem-se que
admitir que interpretar erroneamente os textos bíblicos foi o único caminho que
estes cristãos da periferia conseguiram trilhar para não perderem a fé. Culpar
os marginalizados por não usarem os princípios hermenêuticos para corretamente
interpretar as Sagradas Escrituras é no mínimo fingir não ver a realidade
social em que estes estão inseridos. Os analfabetos bíblicos da periferia são
antes de qualquer coisa analfabetos lingüísticos, ou seja, eles erram por falta
de conhecimento e por serem indubitavelmente limitados gramaticalmente.
O caminho de volta para refazer
as lacunas do analfabetismo bíblico nas periferias parece ser dificílimo, pois
várias destas igrejas desfrutaram de um crescimento numérico. E, tristemente, a
numerolatria – veneração por
crescimento numérico na igreja – se tornou o “fiel da balança” para mensurar se
algo está certo ou errado na cristandade tupiniquim. Sendo assim, tristemente,
os olhos estão postos no fim, não no meio, e como o fim é distante demais para
se realmente ver é mais cômodo acreditar que “vai dar tudo certo” e que este
analfabetismo bíblico das periferias é apenas a “multiforme graça de Deus” e/ou
maneiras de se viver a “liberdade cristã”. Assim, um grande erro eclesiástico
se tornou mais aceitável pelas cegas massas evangelicais
brasileiras.
Os que ingenuamente são
analfabetos bíblicos por falta de iniciativas sociais podem reescrever uma nova
história nas periferias do Brasil, pois o que lhes faltam é somente
qualificação, e isto se adquire em cursos. Contudo, há outro tipo de analfabeto
bíblico que não se encontra nas periferias brasileiras, mas sim nos grandes
centros urbanos do país. O segundo tipo de analfabetos bíblicos é o que
realmente destroem a Igreja, pois estes têm conhecimento da verdade, mas
intencionalmente distorcem a mensagem bíblica a fim de ludibriar os fiéis.
Estes são analfabetos por convicção e conseguem tornar rentável a distorção de
textos sagrados, anulando completamente os princípios básicos da hermenêutica
bíblica. Os analfabetos bíblicos das periferias o são por falta de
oportunidades, os analfabetos bíblicos dos centros urbanos o são por
desmoralização.
Os analfabetos bíblicos dos
centros urbanos são pessoas altamente instruídas linguisticamente, mas
completos ignorantes no que tange à teologia e estudo bíblico. A premissa
básica para que haja a proliferação destes analfabetos bíblicos é simples, pois
um povo sem instrução bíblica é facilmente manipulável. Um povo sem direção
teológica acredita em tudo sem questionar as reais intenções por detrás das
engenhosas oratórias dos líderes. Uma igreja sem conhecimento profundo das
Sagradas Escrituras precisa ficar motivando as pessoas todos os domingos, o que
os torna altamente dependentes de programas eclesiásticos dominicais. Um arraial sem cultura teológica prefere
sentir a ter que pensar, preferem música a ter que ouvir pregações, preferem o
lúdico a ter que utilizar a caneta.
Os analfabetos bíblicos dos
centros urbanos são enfermos demasiadamente perigosos e autodestrutivos para a
cristandade. Estes vivem numa pandemia degenerativa, pois desconstroem a
centralidade bíblica no seio da igreja, incitam uma neurose desmedida aos
líderes, se valem da fé como meio de satisfação pessoal e contaminam a verdade
salvífica de Cristo Jesus. Estes analfabetos bíblicos dos centros urbanos visam
enfraquecer as massas com a ausência de Bíblia nos cultos, evitando assim que
as pessoas sejam seres pensantes e agentes de transformação. Estes sempre
discursam mensagens que não tem implicação fora do ambiente eclesiástico
dominical, o que provoca um retardo espiritual incalculável nos ouvintes.
Os analfabetos bíblicos dos
centros urbanos são cristãos sem os pilares da teologia o que favorece
imperceptivelmente a proliferação do sincretismo religioso. Por exemplo: a
oração pelo copo com água – prática do espiritismo que visa à fluidificação da
água o que supostamente ajuda no equilíbrio do corpo físico e espiritual; o
comércio de relíquias sagradas (e.g.
arca da aliança, cruz e etc) – práticas do catolicismo romano medieval que
visam a personificação do sagrado e a aproximação com o divino; a veneração
pelo templo como Casa de Deus – prática do judaísmo que entendia que Deus
habitava literalmente e limitadamente no Templo, por isto o salmista
carinhosamente o chamou de Casa de Deus (cf. Sl 122:1).
As causas deste analfabetismo
bíblico dos centros urbanos são inúmeras, mas todas têm uma mesma origem:
líderes despreparados teologicamente. Algumas mudanças comportamentais poderiam
ajudar, por exemplo, o simples fato das igrejas exigirem dos candidatos a
vocação pastoral um curso de teologia reconhecidamente competente já
minimizaria substancialmente este problema. Tal alínea merece uma ressalva por
atualmente haver vários cursos de teologia no Brasil que são meras fachadas
acadêmicas, pois não estimulam o pensar teológico, não “provocam” os alunos a
produzirem um saber bíblico e não constroem uma teologia útil para a edificação
da Igreja.
A banalização do título de pastor
no Brasil foi outro fator que corroborou de forma expressiva para a
sedimentação dos analfabetos bíblicos nas igrejas tupiniquins. Há tempos atrás era exigido um compêndio de exigências
morais, éticas, familiar, espirituais e teológicas dos candidatos ao
episcopado. Atualmente, as ordenações em muitas denominações evangélicas
brasileiras se resumem em nepotismos e interesses políticos. A falta de
exigências intelectuais e espirituais favoreceu a banalização do título de
pastor, mas não anulou o poder de influência deste sobre as massas. Daí tem-se
analfabetos bíblicos pastoreando ovelhas que por “tabela” o serão também.
E por fim, há analfabetos
bíblicos no Brasil, pois os brasileiros por natureza confundem incapacidade
crítica com ser receptivo, confundem falta de convicção com ser compassivo e
confundem desinteresse social com ser tolerante. O que a igreja brasileira está
precisando é de bons pastores-professores de teologia que sejam apaixonados
pela Igreja ao ponto de não desistirem dela. Precisamos é de educadores
teológicos que sejam capazes de criticar os erros da igreja brasileira, mas que
descortinem um caminho melhor, possível e mais bíblico. Pastores-professores
que sejam alfabetizados biblicamente ao ponto de se disporem a lutar por uma
(re)construção intelectual e espiritual no seio da Eclésia, quer estes estejam na periferia ou nos centros urbanos.
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 20 de Setembro de 2009
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