sexta-feira, 17 de maio de 2013

Palavras antes do adeus


“Os passos do homem são dirigidos pelo Senhor. Como poderia alguém discernir o seu próprio caminho?”
Provérbios 20:24 (NVI) 

Oh! Dona Morte, passado algumas semanas de nosso inconcluso diálogo (referência ao artigo “em diálogos com a morte”) nos encontramos outra vez. Nosso lance agora foi arquitetado por ocasião do falecimento do meu avô, vovô Sally, como o chamava (o outro avô, vovô Floro, como era conhecido, tivera seu encontro final em meados de 2004) – a partir de hoje só serão lembranças e uma inquietante saudade sobre a figura de avô. Por esta razão me atreverei a rascunhar umas poucas linhas de desatino frente a seu atrevimento mortal e daqui desferir minhas insanas reflexões sobre você, Dona Morte. Afinal nosso encontro ainda vai acontecer, data esta que só o Carpinteiro sabe. Até este dia chegar (!), só me resta te ver pelas frestas da história, e é exatamente desta fissura que estaco as afirmações que se seguirão sobre o culto fúnebre, redefinindo seu papel nesta celebração narcisista da morte, reconfigurando os verdadeiros protagonistas desta homilia mórbida e redescobrindo a sutileza amorosa do plano maior dAquele que é atemporal.

Primeiro, Dona Morte, o culto fúnebre não deveria ter este nome, nomenclatura que enfinca no pedestal a sua pessoa. Não é você a personagem a ser celebrada, mas sim a Dona Vida. Se houve morte é porque houve vida. Neste sentido, você nunca será causa, por isto não deveria ser um culto a sua pessoa. A morte não anula o que se viveu, simplesmente fecha o livro, como que se fosse um hábil escritor que após ter concluído sua obra prima fecha-a com gratidão, anseio e serenidade, sabendo que a obra está belamente concluída. Se nos reunimos envolta de um caixão não é por você, Dona Morte, mas sim porque como bons leitores da vida ao chegarmos ao fim de uma literatura existencial ainda queríamos mais uns capítulos, mais uma lauda quem sabe, ou apenas mais umas poucas palavras – coisas da Dona Vida. Contudo, você, Dona Morte, outra vez tenta roubar a cena e se exibe aos olhos temerosos da plateia, espalhando sua dor nos corações dilacerados e semeando desestabilidade rente aos planos de papel feito por homens e mulheres – coisas da Dona Morte.

Segundo, Dona Morte, nestes cultos fúnebres mesmo com tamanha e inevitável dor ainda sim você recebe apenas um lugar de coadjuvante na celebração, pois o poder da vida e da morte pertence ao Único. Então, a Ele rendemos nossa gratidão pelo tempo de vida que aprouve a Ele conceder, pois como bem asseverou Jó: "Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor" – cf. Jó 1:21 (NVI). Dona Morte, você com sua mortífera pretensão se achava o centro da liturgia. Ledo engano. Reunimo-nos aos pés da cruz, sob a certeza da Graça; refugiamos nossa esperança na misericórdia dEle, choramos junto ao Consolador; cantamos o Evangelho, fixamos nossos olhos na eternidade; Gritamos nossas impotências de ser, recebemos abrigo no Grande Eu Sou; Lamentamos o fracasso de nossos planos, encontramos o Caminho sobre modo excelente; Labutamos ante nossa fragilidades, esbarramos nossa humanidade no Sacrifício perfeito. Oh! Dona Morte, mesmo no fim os nossos olhos estão fixos no Autor da Vida.

Terceiro, Dona Morte, lá no culto fúnebre, às vezes (pouquíssimas vezes – não se gabe), parece que você só está num cantinho, acanhada e tímida como que dizendo para os presentes: difícil não é morrer, mas sim viver. Até porque se morte não é causa, torna-se imprescindível rever como se vive. Quem sabe, dentro de seus dotes esta seja uma das mais valorosas virtudes, fazer os vivos repensarem. Salomão sabia disto e afirmou: “É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa, pois a morte é o destino de todos; os vivos devem levar isso a sério!” – cf. Ec 7:2 (NVI). Numa sociedade de expectadores assistir a morte trabalhar pode fazer-nos dar as mãos em solidariedade e tolerância; num mundo de capitalismo animalesco comprar o ingresso de um culto fúnebre pode fazer-nos entender que há algo de mais valioso na vida que o dinheiro; num contexto de conquista individuais a coletividade de um culto fúnebre pode fazer-nos descobrir a fraternidade do ombro amigo. Enfim, Dona Morte, termino esta reflexão com a mesma certeza inconclusa de outrora de que ainda não te entendi muito bem. Mas, sei que ainda teremos outros diálogos, então, até lá... 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 16 de Maio de 2013

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