quinta-feira, 11 de setembro de 2014

"LER" pastoral


“Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho”.
1 Pedro 5:2-3 (NVI) 

Ser pastor para muitos aventureiros gospeis resume-se a fazer um show dominical, e nada mais. Converge todo o ministério pastoral numa festiva seção religiosa coletiva que estranhamente pouco tem de envolvimento. São pastores de auditórios. Que de longe discursam sobre seus triunfalismos, que quase sempre são recheados de testemunhos pessoais próprios, como se suas vidas pastoris fossem a base para a fé dos ouvintes. Fazem da religião uma panaceia neurótica desprovida de relevância cotidiana. São pastores que não são pastores, mas sim animadores de palco, gerentes eclesiásticos e/ou apenas pastores de títulos (nunca pastorearam efetivamente). Para estes, pastorear é uma diversão com ares de status social-religioso, afinal para muitos o pastor é o ungido intocável todo poderoso.

Longe desta palhaçada contemporânea que fez do pastor um super-herói da religiosidade moderna existe os pastores (ordenados ou não) que, intencionalmente, escolheram pastorear “não por ganância, mas com o desejo de servir. Não como dominadores dos que lhes foram confiados...” - I Pe. 5:2-3. Entretanto, não sejamos ingênuos, este não estão imunes às mazelas da vocação pastoral e, então, são atormentados com a LER pastoral – LER aqui não se refere ao verbo “ler”, mas sim a Lesão por Esforço Repetitivo (LER) aplicado a corriqueira rotina pastoral de muitos.

A LER pastoral leva anos para demonstrar sintomas visíveis, pois afinal, é resultado de ações repetitivas cotidianamente que aparentemente são inofensivas, mas com o tempo se mostra sobremodo prejudiciais. E é exatamente sobre estas inofensividades cotidianas repetitivas que abordaremos neste texto, desnudando como os próprios pastores, a igreja e o sistema eclesial moderno corroboram para a degeneração dos pastores vocacionados. Automaticamente fortalecendo o aparecimento dos super-pastores que nunca sofreram da LER pastoral, pois para todos os efeitos estes não são pastores.

A LER pastoral inicia quando o referido pastor (insisto, ordenado ou não, ser pastor não tem muito haver com a nomeação, mas sim com a função prática e a vocação desenvolvida) tem que constantemente ensinar as mesmas coisas quase que dominicalmente. Repete o mesmo sermão várias vezes, não com o mesmo texto, nem com os mesmos argumentos, mas sim com a mesma essência educativa-religiosa proposta, pois parece que os ouvinte não tem mais capacidade de interiorização das temáticas apresentadas. Repete-se os estudos bíblicos, pois percebe-se que o que fora exposto não teve relevância (apropriação) para os fieis. Repete-se, e repete-se os ensinos. Até que o referido pastor cansa de tentar convencer os ouvintes acerca das verdades bíblicas e dai começa até a questionar se realmente são “verdades”.

A LER pastoral se dá quando o pastor tem que ficar mantendo membros na igreja através de visitas sistemáticas aos fieis. A visitação faz parte do ministério pastoral, contudo, valer-se deste para manter membros na igreja é um convite à repetição mecanicista e desprovida de efetiva fraternidade. Repete-se as visitas com freqüência, pois se não visitar os membros embirram e vão para outra igreja ou “desviam”. Repete-se as visitas, pois as pessoas precisam ser mimadas para suprir um carência afetiva do nosso tempo. Repete-se, e repete-se as visitas. Até que o referido pastor cansa de repetir uma ação que julga ser apenas mecânica e dai começa a distanciar das pessoas.

A LER pastoral se manifesta quando em toda reunião de conselho, presbitério, diaconal, ou qualquer outra forma organizacional de governo eclesiástico, tem-se que ficar a repetir as mesmas orientações básicas. Quase que não precisa mudar a pauta da reunião: os problemas estruturais continuam os mesmos, o pessoal do louvor permanece insubmisso, na liderança dos departamentos sempre tem um líder que precisa ser exortado/corrigido e por ai vai... Ao que parece os problemas permanecem os mesmos, o que muda é somente o rosto dos envolvidos. Então, repete-se as reuniões de conselho para tomar as mesmas decisões que já tinham sido deliberadas. Repete-se as reuniões para reafirmar o que fora definido na reunião anterior. Repete-se, e repete-se as reuniões. Até que o referido pastor cansa de repetir as mesmas reuniões chatas/improdutivas e dai começa a tomar decisões isoladamente ou decide afastar do pastoreio para não ter que aguentar esta estagnação de maturidade coletiva.

A LER pastoral é real, e afeta os pastores de forma violenta, ao ponto de alguns não resistirem a tamanho desgaste intelectual, emocional e físico, não restando outra opção a não ser abandonar o pastoreio. Este intencional abandono não é sintoma de fraqueza, mas sim um suspiro de reverência, pois quando os tais pastores com LER pastoral se olham no espelho não conseguem ver alguém que esteja contribuindo com o Reino, por isto preferem sumirem, renegando a si mesmos ao campo da inutilidade. Estes reconhecem a visibilidade de suas patologias pastorais e não querem bandidar para o outro extremo se tornando super-pastores de platéias.

A boa notícia é que se a LER pastoral é provocada por uma rotina mecanicista que sufoca a essência ministerial, então, podemos combate-la através de um esforço coletivo (pastores, igreja e sistema). Talvez se houvesse mais intencionalidade em engajarmos nossas vidas no ministério; Talvez se nos dispormos a ser ao invés de fazer; Talvez se decidirmos congregar não esperando receber, mas sim em doarmos parte de nós; Talvez se pastorear não fosse um distintivo de diferenciação entre os irmãos; Talvez se pararmos de inventar desculpas; Talvez se começássemos a assumir nossas culpas... talvez...

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 11 de Setembro de 2014

2 comentários:

  1. Ola, Victor. Obrigado por comentar este post. Que bom sabe que o texto encontrou "eco" em suas vivências.

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