sábado, 19 de janeiro de 2013

Por que queremos uma igreja grande?


“Afinal de contas, quem é Apolo? E quem é Paulo? Somos somente servidores de Deus, e foi por meio de nós que vocês creram no Senhor. Cada um de nós faz o trabalho que o Senhor lhe deu para fazer: Eu plantei, e Apolo regou a planta, mas foi Deus quem a fez crescer. De modo que não importa nem o que planta nem o que rega, mas sim Deus, que dá o crescimento”.
I Coríntios 3:5-7 (NTLH)

Ao início de cada ano quase sempre se desnuda sonhos de grandes projetos que por vezes caracterizam momentos de renovação de empolgantes desafios. No âmbito eclesiástico não é diferente, pois aos rumores de um novo ano logo se inicia uma saga para reafirmações de grandes ideais, mirabolantes planejamentos e apoteóticas estratégias de liderança. Entretanto, intencionalmente contrário à natureza do ser Igreja, porém sutilmente imperceptível aos olhos das massas da cristandade, vários recônditos evangélicos apresentam projetos anuais que se satisfazem exaustivamente e exclusivamente sob a premissa de fazer a minha igreja crescer numericamente – mesmo que tais postulados venham trajados com máscaras de amor, espiritualidade e incentivo. Portanto, se você não é um daqueles papagaios de piratas, mas estranhamente é um daqueles extintos seres que ousam pensar, então, já deve ter se perguntado: Por que queremos uma igreja grande?

O problema em questão não reside no fato de uma igreja ser grande, mas sim entender o porquê algumas igrejas pequenas se sentem tão erradas e inferiorizadas ao ponto de se venderem à corrupção, desviarem da Verdade e barganharem a salvação – tudo para ter o sucesso dos grandes – obviamente que nem todas as igrejas grandes encaixam nestas horrendas premissas. Ao que parece a lógica do capitalismo penetrou nos seios eclesiásticos brasileiros e fez dos cristãos seres insaciáveis, descomedidos, ambiciosos e apaixonados pela grandeza – contrariando ao ensino de Paulo (cf. Fp. 4:6-13). Então, para se atingir o objetivo, ter uma megaigreja, muitos demonizam o pecado para amedrontar as massas, supervalorizam as autoridades eclesiais para evitar questionamentos, mistificam o dízimo para financiar os caríssimos templos e criam mantras positivistas acerca da vitória para que o povo continue acreditando na Terra do Nunca. Portanto, é necessário que sejamos sinceros e questionemos nossas mais profundas intenções a fim de responder: Por que queremos uma igreja grande?

A resposta desta inquietante pergunta circunvizinha pelo menos dois questionamentos: 1) O ter uma igreja grande seria o fiel da balança para determinar quem está certo e quem está errado? Tal postulado revela uma perspectiva sombria de algumas lideranças que se rebelaram contra suas igrejas de origem e, então, pensam que se tiverem mais membros do que a antiga igreja isto demostrará que eles estavam certos e os outros errados – a reciproca é verdadeira – daí ambas as igrejas travam um duelo descomunal e brutal. Tristemente, estes megalomaníacos eclesiásticos que tentam se autoafirmar perante outros homens por meio da altivez dos templos só estão tentando compensar o orgulho ferido, o rancor abafado e saciar o desejo de vingança – premissas estas nada cristãs. O desejo de rotular uma igreja de errada pode esconder intenções frívolas de corações que precisam de arrependimento e perdão. Para estes que vivem a fé para fazer suas igrejas crescerem se esquecem de que o que define se uma igreja está certa ou errada não é a grandeza, mas sim a fidelidade bíblica, o discurso cristocêntrico e a amável fraternidade cristã.

Há ainda a necessidade de se questionar as intenções com outra pergunta preliminar: 2) O ter uma igreja grande é o que autenticará a espiritualidade dos cristãos como verdadeira ou falsa? O cristianismo bíblico sempre mostrou uma espiritualidade mais pessoal do que coletiva (cf. Mt. 6:1-18). Sendo assim, seria no mínimo estranho aceitar que os tupiniquins possam arbitrar um espiritrômetro capaz de mensurar, hierarquizar e autentificar a espiritualidade, ainda mais tendo como critério os metros quadrados de um edifício de igreja. O Carpinteiro nunca precisou de grandes construções para exalar espiritualidade, um monte distante da cidade ou um barco de pescador a beira do Mar da Galiléia era suficiente. Não é a grandeza do local de culto que determina a ação de Deus, mas sim a soberana vontade do supremo Criador, dono de tudo e Senhor de todos, quer sejam grandes ou pequenos. Os que gostam de medir espiritualidade quase sempre são apaixonados por megatemplos, pois estes tentam compensar a insolidez da sua fé com a solidez dos tijolos das construções. Estes esquecem que: “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens” – At. 17:24.

Ao se fazer as duas perguntas nos parágrafos anteriores percebe-se que podem ter intenções pseudo-cristãs ao desejar uma igreja grande. Esta neurose pelo crescimento ainda engloba outros problemas, que são fortes mitos acerca de uma igreja grande, a saber: Ter uma igreja grande tornará os membros mais participativos e envolvidos no ministério. Se isto for verdade, então, temos um sério problema de caráter cristão, pois pessoas que se motivam por multidões não merecem credibilidade ministerial, além de serem volúveis. Contrariando o que o senso comum imagina, na maioria das megaigrejas o índice de espectadores é gigantesco, e é exatamente por isto que geralmente estas igrejas se assemelham a auditórios de teatros, pois muitos vão para assistir o “espetáculo do culto”, sendo que deveriam ir à igreja para prestar culto. A verdade é que as atividades ministeriais exercidas nos templos dominicais tendem a não seguir a taxa de crescimento numérico dos membros. Por exemplo, numa igreja com 30 membros uma equipe de louvor com dez pessoas é mais que suficiente; numa igreja com 100 membros os mesmos dez da equipe de louvor também são suficientes; numa igreja com 1000 membros aqueles mesmos dez ministros de louvor continuam suficientes – por isto que megaigrejas geram, naturalmente, espectadores, enquanto deveria gerar trabalhadores (cf. Lc. 10:2).

O outro mito é achar que uma grande igreja tem melhores condições de fazer mais pela sociedade. Tal premissa deveria ser verdade axiomática tendo em vista o número de pessoas envolvidas e os valores financeiros possíveis. Contudo, devido ao alto custo de se manter os mausoléus eclesiásticos que foram construídos e tendo em vista que é caríssimo satisfazer estes requintados cristãos igrejeiros, então, quase sempre as ações se restringem aos da igreja local – estes ainda poderiam argumentar: afinal, não deveríamos nos preocupar primeiro com os de dentro antes de nos preocuparmos com os de fora. Este discurso seria apropriado para um clube social, mas como Igreja fomos chamados a ir mesmo que, e preferencialmente que “nada leveis convosco para o caminho, nem bordões, nem alforje, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas” – Lc. 9:3. A triste verdade é que algumas igrejas se tornaram uma vila exclusivista, com códigos próprios e reis postos, algo perigosamente semelhante ao proposto pelo filme “A Vila” (2004, distribuído por Buena Vista Pictures). Ah! Tem mais um detalhe, usar dinheiro do Governo para fazer obras sociais não ameniza a situação só atenua a ineficácia da igreja como Igreja.

Por que queremos uma igreja grande? Esta pergunta poderia se desdobrar em infindáveis páginas não para desmoralizar igrejas grandes, que por si só não configuram problema algum, mas para questionar o que estamos dispostos a fazer para termos e mantermos nossas igrejas grandes. Para tanto, é valido finalizar este artigo com o desabafo de Ariovaldo Ramos: “...Voltemos às orações e jejuns não como fruto de obrigação ou moeda de troca (...). Voltemos ao amor que agasalha no frio, assiste na dor, dessedenta na sofreguidão, alimenta na fome, que reparte, que não usa o pronome ‘meu’, mas o pronome ‘nosso’ (...). Voltemos a ser servos uns dos outros, aos dons do corpo que correm soltos e dão um tom litúrgico da reunião dos santos. Que o culto seja do povo, e não dos dirigentes! Chega de show! Chega de ministérios megalômanos, onde o povo de Deus é mão de obra ou massa de manobra! (...) Por que a pressão pelo crescimento? Jesus Cristo não ordenou ser uma igreja que cresce, mas um igreja que aparece: ‘assim resplandeça a vossa luz diante dos homens...’ – Mt. 5:16. Deixemos o crescimento para o Espírito Santos. (...) Voltemos à escola dos profetas que denunciam a injustiça e apresentam modelos de vida comunitária (...). Quero ser só cristão. Um cristão integral (...), que pratica a missão integral” (retirado do livro Nossa Igreja Brasileira, Hagnos, 2002, p. 21-23).

Fortalecido pela cruz de Cristo, 
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 11 de Janeiro de 2011

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