“Afinal de contas, quem é Apolo? E quem é Paulo? Somos somente servidores de Deus, e foi por meio de nós que vocês creram no Senhor. Cada um de nós faz o trabalho que o Senhor lhe deu para fazer: Eu plantei, e Apolo regou a planta, mas foi Deus quem a fez crescer. De modo que não importa nem o que planta nem o que rega, mas sim Deus, que dá o crescimento”.
I Coríntios 3:5-7 (NTLH)
Ao início de cada ano quase sempre se desnuda sonhos de grandes
projetos que por vezes caracterizam momentos de renovação de empolgantes desafios.
No âmbito eclesiástico não é diferente, pois aos rumores de um novo ano logo se
inicia uma saga para reafirmações de grandes ideais, mirabolantes planejamentos
e apoteóticas estratégias de liderança. Entretanto, intencionalmente contrário
à natureza do ser Igreja, porém sutilmente imperceptível aos olhos das massas
da cristandade, vários recônditos evangélicos apresentam projetos anuais que se
satisfazem exaustivamente e exclusivamente sob a premissa de fazer a minha igreja crescer numericamente –
mesmo que tais postulados venham trajados com máscaras de amor, espiritualidade
e incentivo. Portanto, se você não é
um daqueles papagaios de piratas, mas
estranhamente é um daqueles extintos seres que ousam pensar, então, já deve ter
se perguntado: Por que queremos uma igreja grande?
O problema em questão não reside no fato de uma igreja ser grande,
mas sim entender o porquê algumas igrejas pequenas se sentem tão erradas e
inferiorizadas ao ponto de se venderem à corrupção, desviarem da Verdade e
barganharem a salvação – tudo para ter o sucesso
dos grandes – obviamente que nem todas as igrejas grandes encaixam nestas horrendas
premissas. Ao que parece a lógica do capitalismo penetrou nos seios
eclesiásticos brasileiros e fez dos cristãos seres insaciáveis, descomedidos,
ambiciosos e apaixonados pela grandeza – contrariando ao ensino de Paulo (cf. Fp. 4:6-13). Então, para se atingir
o objetivo, ter uma megaigreja, muitos demonizam o pecado para amedrontar as
massas, supervalorizam as autoridades eclesiais para evitar questionamentos,
mistificam o dízimo para financiar os caríssimos templos e criam mantras positivistas acerca da vitória
para que o povo continue acreditando na Terra
do Nunca. Portanto, é necessário que sejamos sinceros e questionemos nossas
mais profundas intenções a fim de responder: Por que queremos uma igreja
grande?
A resposta desta inquietante pergunta circunvizinha pelo menos
dois questionamentos: 1) O ter uma igreja grande seria o fiel da balança para
determinar quem está certo e quem
está errado? Tal postulado revela uma
perspectiva sombria de algumas lideranças que se rebelaram contra suas igrejas de origem e, então, pensam que se
tiverem mais membros do que a antiga igreja isto demostrará que eles estavam certos e os outros errados – a reciproca é verdadeira – daí ambas as igrejas travam um
duelo descomunal e brutal. Tristemente, estes megalomaníacos eclesiásticos que tentam se autoafirmar perante
outros homens por meio da altivez dos templos só estão tentando compensar o
orgulho ferido, o rancor abafado e saciar o desejo de vingança – premissas
estas nada cristãs. O desejo de rotular uma igreja de errada pode esconder intenções frívolas de corações que precisam de
arrependimento e perdão. Para estes que vivem a fé para fazer suas igrejas crescerem se esquecem de
que o que define se uma igreja está certa
ou errada não é a grandeza, mas sim a
fidelidade bíblica, o discurso cristocêntrico e a amável fraternidade cristã.
Há ainda a necessidade de se questionar as intenções com outra
pergunta preliminar: 2) O ter uma igreja grande é o que autenticará a
espiritualidade dos cristãos como verdadeira
ou falsa? O cristianismo bíblico
sempre mostrou uma espiritualidade mais pessoal do que coletiva (cf. Mt. 6:1-18). Sendo assim, seria no
mínimo estranho aceitar que os tupiniquins
possam arbitrar um espiritrômetro
capaz de mensurar, hierarquizar e autentificar a espiritualidade, ainda mais
tendo como critério os metros quadrados de um edifício de igreja. O Carpinteiro
nunca precisou de grandes construções para exalar espiritualidade, um monte
distante da cidade ou um barco de pescador a beira do Mar da Galiléia era
suficiente. Não é a grandeza do local de culto que determina a ação de Deus,
mas sim a soberana vontade do supremo Criador, dono de tudo e Senhor de todos,
quer sejam grandes ou pequenos. Os que gostam de medir espiritualidade quase sempre
são apaixonados por megatemplos, pois estes tentam compensar a insolidez da sua fé com a solidez dos tijolos das construções.
Estes esquecem que: “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do
céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens” – At. 17:24.
Ao se fazer as duas perguntas nos parágrafos anteriores percebe-se
que podem ter intenções pseudo-cristãs ao desejar uma igreja grande. Esta neurose pelo crescimento ainda engloba
outros problemas, que são fortes mitos acerca de uma igreja grande, a saber: Ter
uma igreja grande tornará os membros mais participativos e envolvidos no
ministério. Se isto for verdade, então, temos um sério problema de caráter
cristão, pois pessoas que se motivam por multidões não merecem credibilidade
ministerial, além de serem volúveis. Contrariando o que o senso comum imagina,
na maioria das megaigrejas o índice de espectadores é gigantesco, e é
exatamente por isto que geralmente estas igrejas se assemelham a auditórios de teatros,
pois muitos vão para assistir o “espetáculo do culto”, sendo que deveriam ir à
igreja para prestar culto. A verdade é que as atividades ministeriais exercidas
nos templos dominicais tendem a não
seguir a taxa de crescimento numérico dos membros. Por exemplo, numa igreja com
30 membros uma equipe de louvor com dez pessoas é mais que suficiente; numa
igreja com 100 membros os mesmos dez da equipe de louvor também são
suficientes; numa igreja com 1000 membros aqueles mesmos dez ministros de
louvor continuam suficientes – por isto que megaigrejas geram, naturalmente,
espectadores, enquanto deveria gerar trabalhadores (cf. Lc. 10:2).
O outro mito é achar que uma grande igreja tem melhores condições
de fazer mais pela sociedade. Tal premissa deveria ser verdade axiomática tendo
em vista o número de pessoas envolvidas e os valores financeiros possíveis.
Contudo, devido ao alto custo de se manter os mausoléus eclesiásticos
que foram construídos e tendo em vista que é caríssimo satisfazer estes
requintados cristãos igrejeiros,
então, quase sempre as ações se restringem aos da igreja local – estes ainda
poderiam argumentar: afinal, não deveríamos nos preocupar primeiro com os de dentro antes de nos preocuparmos com
os de fora. Este discurso seria
apropriado para um clube social, mas como Igreja fomos chamados a ir mesmo que, e preferencialmente que
“nada leveis convosco para o caminho, nem bordões, nem alforje, nem pão, nem
dinheiro; nem tenhais duas túnicas” – Lc. 9:3. A triste verdade é que algumas
igrejas se tornaram uma vila exclusivista, com códigos próprios e reis postos,
algo perigosamente semelhante ao proposto pelo filme “A Vila” (2004, distribuído
por Buena Vista Pictures). Ah! Tem
mais um detalhe, usar dinheiro do Governo para fazer obras sociais não ameniza
a situação só atenua a ineficácia da igreja como Igreja.
Por que queremos uma igreja grande? Esta pergunta poderia se
desdobrar em infindáveis páginas não para desmoralizar igrejas grandes, que por
si só não configuram problema algum, mas para questionar o que estamos
dispostos a fazer para termos e mantermos nossas
igrejas grandes. Para tanto, é valido finalizar este artigo com o desabafo de
Ariovaldo Ramos: “...Voltemos às orações e jejuns não como fruto de obrigação
ou moeda de troca (...). Voltemos ao amor que agasalha no frio, assiste na dor,
dessedenta na sofreguidão, alimenta na fome, que reparte, que não usa o pronome
‘meu’, mas o pronome ‘nosso’ (...). Voltemos a ser servos uns dos outros, aos
dons do corpo que correm soltos e dão um tom litúrgico da reunião dos santos.
Que o culto seja do povo, e não dos dirigentes! Chega de show! Chega de ministérios megalômanos, onde o povo de Deus é mão
de obra ou massa de manobra! (...) Por que a pressão pelo crescimento? Jesus
Cristo não ordenou ser uma igreja que cresce, mas um igreja que aparece: ‘assim
resplandeça a vossa luz diante dos homens...’ – Mt. 5:16. Deixemos o
crescimento para o Espírito Santos. (...) Voltemos à escola dos profetas que
denunciam a injustiça e apresentam modelos de vida comunitária (...). Quero ser
só cristão. Um cristão integral (...), que pratica a missão integral”
(retirado do livro Nossa Igreja
Brasileira, Hagnos, 2002, p. 21-23).
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 11 de Janeiro de 2011
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