sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Viva os críticos!


“Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens...”.
Mateus 23:3-5 (NVI) 

A sociedade, e principalmente os movimentos religiosos, pelo menos na grande maioria, historicamente se mostraram claramente contrários aos idealistas críticos, tendo como principal argumentação a dissociação do discurso com a prática apresentada pelos “críticos”. Contudo, há um erro histórico nesta aliena, pois se confunde e se iguala a crítica ao oposicionismo – termos essencialmente diferentes. Seria então ponderado distinguir os dois termos. Sendo assim, se pode nortear que a ação de criticar implica em transformar uma realidade que notoriamente esta errada, ou seja, criticar não é apenas argumentar, mas demonstrar na prática que é possível fazer diferente. De contra partida, o oposicionismo se norteia pelo belo discurso com palavras engenhosamente projetadas que visa contradizer um determinado pressuposto errôneo, porém não tem capacidade de transformar o discurso em prática, é apenas uma oposição.

A confusão dos dois termos se torna complexa para o entendimento, pois toda crítica invariavelmente será uma oposição. Contudo, a recíproca não é verdadeira, isto é, nem toda oposição é uma crítica. Portanto, o desafio é se munir de critérios bem definidos para que assim consiga distinguir uma crítica de uma mera oposição. Basicamente o que os distingue é que uma afeta as práticas – crítica, o outro se limita aos discursos – oposicionismo. Toda idéia, por mais correta e plausível que seja se não conseguir romper as barreiras filosóficas do discurso se torna automaticamente e axiomaticamente um oposicionismo, que, então, deve ser fortemente criticado. O fato de se contentar em apenas se opor a um pressuposto errado não torna o orador mais nobre que a falta observada, pois o que valida um discurso como relevante é a capacidade do mesmo de promover mudanças práticas, a começar pelo discursador.

De um modo geral as pessoas confundem falar mal de, com o ato de criticar – isto é oposicionismo. Deve ser por esta razão que alguém, não sei quando, provavelmente perdido na confusão dos termos, resolveu inventar uma designação dualística diferenciando a crítica como: crítica construtiva e crítica desconstrutiva. Não há duas maneiras de se criticar, a crítica quando de fato o é, sempre é construtiva, mesmo que provoque desconstrução. O que caracteriza uma crítica não é o estrago desta, mas sim a hombridade dos que a volta se comprometem a entender as causas, propor novos caminhos e a maestria de tornar a comunicação igualitária/solidária. O que costumeiramente se chama de crítica desconstrutiva é na verdade falácias de indivíduos orgulhosos que precisam humilhar outros para se destacar, estes são seres desprezíveis que se autojulgam superiores a partir da insegurança de suas próprias invejas, são pessoas que fazem de tudo para ter o aplauso das massas acreditando infantilmente nas instáveis ovações.

Perceba então, que o que chamamos de críticos literários, críticos de cinema, críticos gastronômicos e tantos outros na verdade são, na sua grande maioria – obviamente há exceções, apenas indivíduos oposicionistas. Analise a crítica que o personagem Anton Ego faz de si mesmo na animação Ratatouille (Pixar, 2007): “de certa forma, o trabalho de um crítico é fácil. Nos arriscamos pouco, e temos prazer em avaliar com superioridade os que nos submetem seu trabalho e reputação. Ganhamos fama com críticas negativas, que são divertidas de escrever e ler, mas a dura realidade que, nós críticos, devemos encarar, é que no quadro geral, a mais simples porcaria, talvez seja mais significativa do que a nossa crítica. Mas, há vezes em que um crítico arrisca, de fato, alguma coisa, como quando descobre e defende uma novidade. O mundo costuma ser hostil aos novos talentos, às novas criações. O novo precisa ser incentivado...”. O que fica notório nesta citação é o vislumbre de um oposicionista por profissão que começa a entender que criticar requer mais comprometimento, ousadia e sinceridade – virtudes estratosfericamente distante dos ser oposicionista.

O oposicionismo é mais prejudicial que a ausência de discursos. O oposicionismo é usado por aqueles que não querem mudar, mas apenas falar; não querem crescer, mas apenas confundir; não querem amadurecer, mas apenas estagnar; não querem ajudar, mas apenas atrapalhar. Por conseguinte, os oposicionistas são longos, porém rasos. Estes levantam os punhos em sinal de indignação, mas quando tem a oportunidade de provar ser possível fazer diferente simplesmente se omitem. O oposicionismo é um espetáculo de banalização da razão, pois não há nada mais vexatório que um discurso desassociado da prática. Como afirma Ferdinand Bac: “A oposição é um estado de privilégio. A partir dele pode bombardear-se o poder sem se saber nada, sem fazer nada e sem arriscar nada. Quando o incêndio deflagra, podemos instalar-nos nas bancadas da frente”.

O ato de criticar é uma atitude do pensar práxis. Quando se critica algo, isto implica em refletir, discursar e trabalhar para melhorar determinada situação. A crítica resulta de uma percepção do correto em contraposição ao errado, mas não se contenta em apontar, se dispõem a transformar. Criticar é apontar uma falha e ajudar a fazer o reparo; é perceber um abismo e construir uma ponte; é discursar sobre um caminho errôneo e conduzir outros por veredas retas. Num âmbito eclesiástico saudável a crítica é parte essencial do ser cristão, pois é por meio da crítica que se muda o status quo dos monarcas igrejeiros e assim torna a mensagem da cruz acessível para o maior número de pessoas. São estes cristãos críticos que não aceitam ver a igreja se ajoelhar perante a secularização, que não toleram a banalização do evangelho e nem admitem os líderes roubarem a glória de Deus. Estes críticos fazem coro com Paulo quando afirma: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo, (...) permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica” - Filipenses 1:27 (NVI).

Por tudo que foi exposto anteriormente fica notório que criticar não é fazer oposicionismo. Contudo, várias igrejas aproveitando da confusão em torno dos termos usam os púlpitos para apregoar um discurso maléfico a cristandade. Discurso este que afirma que o conceito de obediência é contrário, e completamente paradoxal, com a ação de criticar – o que obviamente não o é, pois obediência sem razão/pensar é apenas medo. Alguns líderes eclesiásticos se opõem aos críticos porque não querem perder a redoma confortável de falsas crenças que corrobora na dominical manipulação das massas evangelicais – quanto mais se depende do líder menos espaço para os da comunidade. Com estes terríveis pressupostos vários movimentos cristãos têm vivido como zumbis da fé, completamente irracionais no culto a Deus e plenamente ignorantes na vida cristã. Estes fiéis acríticos não percebem as heresias, as bizarrices, os abusos, a ganância dos lideres e as distorções bíblicas que descaradamente ocupam a mídia evangélica brasileira, pois foram ensinados (leia-se adestrados) que é “demoníaco” ser crítico/pensar – daí se opõem.

O autor John Stott escreve a história de um membro da igreja do Dr. Rufus M. Jones que demonstra o quanto os cristãos estão bitolados a viver um cristianismo sem críticas/pensar, o membro se queixa dizendo: “quando vou à igreja sinto-me como se tivesse desenrolando a minha cabeça e colocando por sob o assento, pois numa reunião religiosa não tenho necessidade alguma de usar o que se acha acima do meu colarinho” (retirado do livro Crer é Também Pensar, ABU, 1994, p. 19). A partir do momento que os cristãos entenderem que criticar não é fazer oposicionismo, e assim transformarem o discurso em prática, o mundo contemplará uma igreja viva, eficaz e coerente. Portanto, igreja é lugar de gente crítica. Logo, viva os críticos! 

Só uma observação final: critique sempre, critique inclusive e principalmente suas críticas....
 
Fortalecido pela cruz de Cristo, 
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 12 de Outubro de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário