“Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o
que eles fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam fardos pesados e os
colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a
levantar um só dedo para movê-los. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos
homens...”.
Mateus 23:3-5 (NVI)
A sociedade, e principalmente os
movimentos religiosos, pelo menos na grande maioria, historicamente se
mostraram claramente contrários aos idealistas críticos, tendo como principal
argumentação a dissociação do discurso com a prática apresentada pelos
“críticos”. Contudo, há um erro histórico nesta aliena, pois se confunde e se iguala
a crítica ao oposicionismo – termos essencialmente diferentes. Seria então ponderado
distinguir os dois termos. Sendo assim, se pode nortear que a ação de criticar
implica em transformar uma realidade que notoriamente esta errada, ou seja, criticar
não é apenas argumentar, mas demonstrar na prática que é possível fazer
diferente. De contra partida, o oposicionismo se norteia pelo belo discurso com
palavras engenhosamente projetadas que visa contradizer um determinado
pressuposto errôneo, porém não tem capacidade de transformar o discurso em prática,
é apenas uma oposição.
A confusão dos dois termos se
torna complexa para o entendimento, pois toda crítica invariavelmente será uma
oposição. Contudo, a recíproca não é verdadeira, isto é, nem toda oposição é
uma crítica. Portanto, o desafio é se munir de critérios bem definidos para que
assim consiga distinguir uma crítica de uma mera oposição. Basicamente o que os
distingue é que uma afeta as práticas – crítica, o outro se limita aos
discursos – oposicionismo. Toda idéia, por mais correta e plausível que seja se
não conseguir romper as barreiras filosóficas do discurso se torna automaticamente
e axiomaticamente um oposicionismo, que, então, deve ser fortemente criticado.
O fato de se contentar em apenas se opor a um pressuposto errado não torna o
orador mais nobre que a falta observada, pois o que valida um discurso como
relevante é a capacidade do mesmo de promover mudanças práticas, a começar pelo
discursador.
De um modo geral as pessoas
confundem falar mal de, com o ato de criticar – isto é oposicionismo. Deve ser
por esta razão que alguém, não sei quando, provavelmente perdido na confusão
dos termos, resolveu inventar uma designação dualística diferenciando a crítica
como: crítica construtiva e crítica desconstrutiva. Não há duas maneiras de se
criticar, a crítica quando de fato o é, sempre é construtiva, mesmo que provoque
desconstrução. O que caracteriza uma crítica não é o estrago desta, mas sim a hombridade dos que a volta se comprometem
a entender as causas, propor novos caminhos e a maestria de tornar a comunicação
igualitária/solidária. O que costumeiramente se chama de crítica desconstrutiva
é na verdade falácias de indivíduos orgulhosos que precisam humilhar outros
para se destacar, estes são seres desprezíveis que se autojulgam superiores a
partir da insegurança de suas próprias invejas, são pessoas que fazem de tudo
para ter o aplauso das massas acreditando infantilmente nas instáveis ovações.
Perceba então, que o que chamamos
de críticos literários, críticos de cinema, críticos gastronômicos e tantos
outros na verdade são, na sua grande maioria – obviamente há exceções, apenas indivíduos
oposicionistas. Analise a crítica que o personagem Anton Ego faz de si mesmo na
animação Ratatouille (Pixar, 2007): “de certa forma, o trabalho de um crítico é
fácil. Nos arriscamos pouco, e temos prazer em avaliar com superioridade os que
nos submetem seu trabalho e reputação. Ganhamos fama com críticas negativas,
que são divertidas de escrever e ler, mas a dura realidade que, nós críticos,
devemos encarar, é que no quadro geral, a mais simples porcaria, talvez seja
mais significativa do que a nossa crítica. Mas, há vezes em que um crítico
arrisca, de fato, alguma coisa, como quando descobre e defende uma novidade. O
mundo costuma ser hostil aos novos talentos, às novas criações. O novo precisa
ser incentivado...”. O que fica notório nesta citação é o vislumbre de um
oposicionista por profissão que começa a entender que criticar requer mais
comprometimento, ousadia e sinceridade – virtudes estratosfericamente distante
dos ser oposicionista.
O oposicionismo é mais
prejudicial que a ausência de discursos. O oposicionismo é usado por aqueles
que não querem mudar, mas apenas falar; não querem crescer, mas apenas
confundir; não querem amadurecer, mas apenas estagnar; não querem ajudar, mas
apenas atrapalhar. Por conseguinte, os oposicionistas são longos, porém rasos.
Estes levantam os punhos em sinal de indignação, mas quando tem a oportunidade
de provar ser possível fazer diferente simplesmente se omitem. O oposicionismo
é um espetáculo de banalização da razão, pois não há nada mais vexatório que um
discurso desassociado da prática. Como afirma Ferdinand Bac: “A oposição é um
estado de privilégio. A partir dele pode bombardear-se o poder sem se saber
nada, sem fazer nada e sem arriscar nada. Quando o incêndio deflagra, podemos
instalar-nos nas bancadas da frente”.
O ato de criticar é uma atitude do
pensar práxis. Quando se critica
algo, isto implica em refletir, discursar e trabalhar para melhorar determinada
situação. A crítica resulta de uma percepção do correto em contraposição ao
errado, mas não se contenta em apontar, se dispõem a transformar. Criticar é
apontar uma falha e ajudar a fazer o reparo; é perceber um abismo e construir
uma ponte; é discursar sobre um caminho errôneo e conduzir outros por veredas
retas. Num âmbito eclesiástico saudável a crítica é parte essencial do ser cristão,
pois é por meio da crítica que se muda o status
quo dos monarcas igrejeiros e
assim torna a mensagem da cruz acessível para o maior número de pessoas. São
estes cristãos críticos que não aceitam ver a igreja se ajoelhar perante a
secularização, que não toleram a banalização do evangelho e nem admitem os
líderes roubarem a glória de Deus. Estes críticos fazem coro com Paulo quando
afirma: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna
do evangelho de Cristo, (...) permanecem firmes num só espírito, lutando
unânimes pela fé evangélica” - Filipenses 1:27 (NVI).
Por tudo que foi exposto
anteriormente fica notório que criticar não é fazer oposicionismo. Contudo, várias
igrejas aproveitando da confusão em torno dos termos usam os púlpitos para
apregoar um discurso maléfico a cristandade. Discurso este que afirma que o
conceito de obediência é contrário, e completamente paradoxal, com a ação de
criticar – o que obviamente não o é, pois obediência sem razão/pensar é apenas
medo. Alguns líderes eclesiásticos se opõem aos críticos porque não querem
perder a redoma confortável de falsas crenças que corrobora na dominical manipulação
das massas evangelicais – quanto mais
se depende do líder menos espaço para os da comunidade. Com estes terríveis
pressupostos vários movimentos cristãos têm vivido como zumbis da fé, completamente irracionais no culto a Deus e
plenamente ignorantes na vida cristã. Estes fiéis
acríticos não percebem as heresias, as bizarrices, os abusos, a ganância
dos lideres e as distorções bíblicas que descaradamente ocupam a mídia
evangélica brasileira, pois foram ensinados (leia-se adestrados) que é
“demoníaco” ser crítico/pensar – daí se opõem.
O autor John Stott escreve a
história de um membro da igreja do Dr. Rufus M. Jones que demonstra o quanto os
cristãos estão bitolados a viver um cristianismo sem críticas/pensar, o membro se
queixa dizendo: “quando vou à igreja sinto-me como se tivesse desenrolando a
minha cabeça e colocando por sob o assento, pois numa reunião religiosa não
tenho necessidade alguma de usar o que se acha acima do meu colarinho” (retirado
do livro Crer é Também Pensar, ABU, 1994,
p. 19). A partir do momento que os cristãos entenderem que criticar não é fazer
oposicionismo, e assim transformarem o discurso em prática, o mundo contemplará
uma igreja viva, eficaz e coerente. Portanto, igreja é lugar de gente crítica.
Logo, viva os críticos!
Só uma observação final: critique sempre, critique inclusive e principalmente suas críticas....
Só uma observação final: critique sempre, critique inclusive e principalmente suas críticas....
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 12 de Outubro de 2009
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