“Jesus
ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando
as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças”.
Mateus 9:35 (NVI)
Mateus 9:35 (NVI)
Os ensinos de Jesus é o fiel
norteador para a vida cristã. Tudo deve ser peneirado ante as palavras de
Cristo, e se algo não couber no Evangelho de Cristo deve ser removido a um
âmbito secundário e, talvez, deva até ser desprezado. O Carpinteiro é o padrão
único para a Igreja - ou se amolda a Ele, ou não se pode denominar cristão.
Definido estes limiares faz-se necessário ponderar sobre uma terrível ameaça
que tem surgido sorrateiramente nos rincões protestantes, a saber, pequenas
distorções e duvidosas aplicações acerca do que Cristo disse. Dai a
problemática, pois nos casos citados no início deste parágrafo fica fácil para qualquer cristão valer-se do
bom senso e abalizar sua fé a partir de Cristo, porém quando é o inverso requer
um pouco mais de sutileza hermenêutica/exegética para detectar as bizarrices.
Ao contrário do que possa parecer, nem sempre ler implica em entender. Quando
isto acontece surge interpretações não muito confiáveis, com pequenos erros que
podem ter grandes impactos na cristandade. A estes percalços daremos um tom
provocativo com a sentença: “e se Jesus não tivesse dito...”.
E se Jesus não tivesse dito “amarás
o teu próximo como a ti mesmo” (cf.
Mt. 19:19), será que amaríamos os outros? Desta indagação surge um conflito
terminológico, pois amar alguém por orientação doutrinária invariavelmente não
é amar, amar implica essencialmente em espontaneidade e voluntariedade. Ao
que parece, em muitos ciclos evangelicais a atitude de amar se tornou um fardo
a ser carregado, um peso indesejado que deve ser feito, um estorvo de vida que
precisa haver a qualquer custo. Contudo, não é isto que Jesus propõe para os
Seus. Amar ao próximo não é uma imposição, é a essência de ser Igreja. Amar ao
próximo não é algo que deva ser feito, é o que define os cristãos como tal.
Amar ao próximo não é uma virtude a ser admirada pelos espectadores igrejeiros,
é a marca visível dos que se renderam aos pés da cruz. Amar ao próximo não é
algo que precisa ser feito, é algo que naturalmente será feito. O amor só
existe em liberdade, qualquer cativeiro o torna melancólico, desonesto e
pervertido.
E se Jesus não tivesse dito “eu
não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento” (cf. Mc. 2:17), será que haveria espaço
para os imperfeitos na santa igreja
protestante? A razão primária da Igreja na terra é a anunciação fidedigna
dos ensinos de Jesus, e isto inclui, portanto, a inclusão indiscriminatória dos
imperfeitos, fracassados, pecadores, desmedidos, marginalizados e defeituosos
no Reino. Estas tais desvirtudes nunca serão erradicadas do coração humano. Por
mais que se vista uma túnica de santidade, inegavelmente, lá embaixo continua o
coração corrupto. Por mais que as multidões admirem a nobreza de vida de
alguns, ainda sim permanecerá o pecado a porta destes. Por mais que se viva um
vida inteira dedicada à causa do Evangelho ainda poderá ser sentido o cheiro
fétido da natureza caída que habita no ser humano. Portanto, ao contrário do
que defende os contemporâneos fariseus, Igreja é lugar de gente imperfeita,
gente que sabe que nunca será perfeita, gente que entende que suas desvirtudes
sempre o assombrará. Então, não há razões para não estender um tapete vermelho
aos pecantes e assim formar a fraternidade dos pecadores arrependidos,
pecadores, todos.
E se Jesus não tivesse dito “perdoa-nos
as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (cf. Mt. 6:12), será que ainda haveria
interesse em perdoar as faltas de outrem? Muitos cristãos impulsionam o perdão
não a partir da busca de reconciliação, mas sim pelo medo de Deus não os
perdoar quando estes errarem. Tal premissa desnuda uma gigantesca corruptibilidade
no coração, pois se valem do perdão como moeda de troca celestial e barganha
com Deus. O perdão que se propõem alguns não passa de trapos de imundícia,
negociata perversa e fuga de penalidade. O perdão não implica em aceitar
determinada situação, mas é uma predisposição em viver em paz. O perdão não
traz consigo a volta, mas se propõem a não se prender ao passado para viver um
novo futuro. O perdão não é uma atitude verbal, mas sim uma ação integral e
integradora. Perdão, perdoar, ser perdoado, são vislumbres de um cristianismo
bíblico que coexiste com a Igreja. Pratica-se o perdão não por causa de, mas
sim por ser. Encontra-se o perdão não para, mas sim porque (conjunção causal,
explicativa).
E se Jesus não tivesse dito “o
maior entre vós seja como o menor” (cf.
Lc. 22:26), será que os cristãos ainda iriam se limitar a humildade? Tristemente,
não poucas vezes se percebe que alguns usam a fé cristã para se sobrepor a
outros, como que se o cristianismo tornasse as pessoas maiores que outros,
gerando sentimentos perigosos do gênero soberba, orgulho e prepotência. Nada
seria mais contraditório a proposta da cruz Cristo que ver os Seus discípulos
buscando superioridade. A mensagem de Jesus foi enfática no que tange a
humildade, serviço e fraternidade mútua. Estas seriam as características dos
que se renderam ao Senhorio do Carpinteiro. O chamado a ser menor não deve ser
entendido como um temporário infortúnio terreno para que num futuro sejam estes
recebidos em glória nos céus. Ser menor não pode agregar o desejo vingativo de
sofrer na humildade da igreja visível com a expectativa de que no céu ser coroado
com mais galardões do que outros, tornando enfim superior/maior. O convite a
ser menor não é temporário ou terreno apenas, tem implicações com a eternidade,
pois não há utilidade de se ser maior no Reino dAquele que é o Maior absoluto.
Ser menor é um apelo para que haja total esvaziamento de si mesmo, hoje, amanhã
e no céu.
E se Jesus não tivesse dito “qualquer
que procurar salvar a sua vida, perdê-la-á, e qualquer que a perder, salvá-la-á
(cf. Lc. 17:33), será que teríamos
disposição para ir perdendo para que ao fim sejamos salvos? O Cristianismo
desestabiliza boa parte de nossas convicções, valores e cultura. E neste
processo de desconstrução, às vezes, nos apegamos a alguns resquícios do velho
homem que insiste em não morrer, são desejos nobres e que em nada são maléficos
a fé, porém também não fortalece a convicção da transitoriedade da vida. As
obras da carne e os desejos pecaminosos são de fácil categorização, quase
sempre são bem profanos. Contudo, há aquelas virtudes e normalidades da
existência que vão pouco a pouco produzindo
sequidão na esperança da salvação e desertificando a intenção da morada eterna.
Quanto mais nos apegarmos as coisas desta vida menos desejaremos o céu. Quanto
mais gastarmos tempo com os assuntos deste século menos entenderemos sobre a
morada celestial. Quanto mais nos apaixonarmos pelos prazeres de viver menos
estaremos dispostos a morrer. Enquanto quisermos ganhar, estaremos perdendo. O
que realmente importa ao final de nossa peregrinação terrestre não é o quanto
fomos felizes, nem o quanto fizemos, muito menos quanto conseguimos, tudo se resume
numa única sentença: se desafortunadamente perdemos ao ponto ganharmos gratuitamente
a salvação. Nada deveria nos encantar mais nesta vida do que o desejo de perder
por causa dEle.
E se Jesus não tivesse dito “a
minha graça te basta” (cf. II Co. 12:9),
será que Ele seria suficiente para nós? No contexto atual em que algumas igrejas tupiniquins subsistem parece que
Cristo não é suficiente, precisam materializar a fé, necessitam fazer
sacrifícios das mais diversas ordens para “chamar a atenção de Deus” e se
apegam exacerbadamente ao carisma dos líderes/coronéis eclesiásticos para
aquecer dominicalmente a chama ministerial. Para estes, Cristo não é
suficiente, estes querem mais do que um simples Carpinteiro. Entretanto, o
núcleo da fé evangélica deve residir sob a premissa axiomática de que Cristo é
suficiente. Toda a história serve aos propósitos dEle, tudo que existe está ai
por causa dEle, Ele é o alimento para as almas famintas, Ele é o refrigério
para as vidas cansadas, Ele é a cura para os corações enfermos, Ele é a
esperança para os vacilantes, Ele é o Pastor das ovelhas, Ele é o sacrifício
único e perfeito, Ele é intocável em Sua soberania, enfim, e por fim, e até o
fim, Ele é suficiente. Qualquer ação coletiva ou individual que intente tornar
o Cristo não suficiente deve ser repudiada.
E se Jesus não tivesse dito...
mas disse! E que bom que disse! Então, só nos resta amar ao próximo com a mesma
dedicação que fazemos a nós mesmos com o propósito de promover a fraternidade; reconhecer
nossas imperfeições e invariável natureza pecaminosa que sempre nos
descortinará que igreja é lugar de gente assim; perdoar e ser perdoado com
intuito de difundir a Graça do Mestre que insiste em usar pessoas disformes
como você e eu; humilhar nosso ego perante Deus e perante a congregação
reconhecendo que somos menores não porque não poderíamos ser grandes, mas sim
porque escolhemos ser os menores entre todos afim de que o Maior seja sempre
evidenciado; Perder a vida para
encontrar o Autor da Vida que nos conduz em novidade de vida e assim
reconectar-se a um novo modo de viver; e, por fim, descansar nos embalos da
Graça que torna tudo o mais irrisório para que em Cristo encontremos a
suficiência de nossas histórias terrenas e rendição completa na eterna glória
por vir.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 19 de Fevereiro de 2013
Fantastico! Excelente! acompanho seus textos e a cada nova postagem você me surpreende. Temos pensamentos convergentes. Sua maneira de expor os argumentos através da pena demonstra uma habilidade tremendamente criativa. Parabéns. compartilhei.
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