terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

E se Jesus não tivesse dito...



“Jesus ia passando por todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças”. 
Mateus 9:35 (NVI) 

Os ensinos de Jesus é o fiel norteador para a vida cristã. Tudo deve ser peneirado ante as palavras de Cristo, e se algo não couber no Evangelho de Cristo deve ser removido a um âmbito secundário e, talvez, deva até ser desprezado. O Carpinteiro é o padrão único para a Igreja - ou se amolda a Ele, ou não se pode denominar cristão. Definido estes limiares faz-se necessário ponderar sobre uma terrível ameaça que tem surgido sorrateiramente nos rincões protestantes, a saber, pequenas distorções e duvidosas aplicações acerca do que Cristo disse. Dai a problemática, pois nos casos citados no início deste parágrafo fica fácil para qualquer cristão valer-se do bom senso e abalizar sua fé a partir de Cristo, porém quando é o inverso requer um pouco mais de sutileza hermenêutica/exegética para detectar as bizarrices. Ao contrário do que possa parecer, nem sempre ler implica em entender. Quando isto acontece surge interpretações não muito confiáveis, com pequenos erros que podem ter grandes impactos na cristandade. A estes percalços daremos um tom provocativo com a sentença: “e se Jesus não tivesse dito...”.

E se Jesus não tivesse dito “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (cf. Mt. 19:19), será que amaríamos os outros? Desta indagação surge um conflito terminológico, pois amar alguém por orientação doutrinária invariavelmente não é amar, amar implica essencialmente em espontaneidade e voluntariedade. Ao que parece, em muitos ciclos evangelicais a atitude de amar se tornou um fardo a ser carregado, um peso indesejado que deve ser feito, um estorvo de vida que precisa haver a qualquer custo. Contudo, não é isto que Jesus propõe para os Seus. Amar ao próximo não é uma imposição, é a essência de ser Igreja. Amar ao próximo não é algo que deva ser feito, é o que define os cristãos como tal. Amar ao próximo não é uma virtude a ser admirada pelos espectadores igrejeiros, é a marca visível dos que se renderam aos pés da cruz. Amar ao próximo não é algo que precisa ser feito, é algo que naturalmente será feito. O amor só existe em liberdade, qualquer cativeiro o torna melancólico, desonesto e pervertido.

E se Jesus não tivesse dito “eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento” (cf. Mc. 2:17), será que haveria espaço para os imperfeitos na santa igreja protestante? A razão primária da Igreja na terra é a anunciação fidedigna dos ensinos de Jesus, e isto inclui, portanto, a inclusão indiscriminatória dos imperfeitos, fracassados, pecadores, desmedidos, marginalizados e defeituosos no Reino. Estas tais desvirtudes nunca serão erradicadas do coração humano. Por mais que se vista uma túnica de santidade, inegavelmente, lá embaixo continua o coração corrupto. Por mais que as multidões admirem a nobreza de vida de alguns, ainda sim permanecerá o pecado a porta destes. Por mais que se viva um vida inteira dedicada à causa do Evangelho ainda poderá ser sentido o cheiro fétido da natureza caída que habita no ser humano. Portanto, ao contrário do que defende os contemporâneos fariseus, Igreja é lugar de gente imperfeita, gente que sabe que nunca será perfeita, gente que entende que suas desvirtudes sempre o assombrará. Então, não há razões para não estender um tapete vermelho aos pecantes e assim formar a fraternidade dos pecadores arrependidos, pecadores, todos.

E se Jesus não tivesse dito “perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (cf. Mt. 6:12), será que ainda haveria interesse em perdoar as faltas de outrem? Muitos cristãos impulsionam o perdão não a partir da busca de reconciliação, mas sim pelo medo de Deus não os perdoar quando estes errarem. Tal premissa desnuda uma gigantesca corruptibilidade no coração, pois se valem do perdão como moeda de troca celestial e barganha com Deus. O perdão que se propõem alguns não passa de trapos de imundícia, negociata perversa e fuga de penalidade. O perdão não implica em aceitar determinada situação, mas é uma predisposição em viver em paz. O perdão não traz consigo a volta, mas se propõem a não se prender ao passado para viver um novo futuro. O perdão não é uma atitude verbal, mas sim uma ação integral e integradora. Perdão, perdoar, ser perdoado, são vislumbres de um cristianismo bíblico que coexiste com a Igreja. Pratica-se o perdão não por causa de, mas sim por ser. Encontra-se o perdão não para, mas sim porque (conjunção causal, explicativa).

E se Jesus não tivesse dito “o maior entre vós seja como o menor” (cf. Lc. 22:26), será que os cristãos ainda iriam se limitar a humildade? Tristemente, não poucas vezes se percebe que alguns usam a fé cristã para se sobrepor a outros, como que se o cristianismo tornasse as pessoas maiores que outros, gerando sentimentos perigosos do gênero soberba, orgulho e prepotência. Nada seria mais contraditório a proposta da cruz Cristo que ver os Seus discípulos buscando superioridade. A mensagem de Jesus foi enfática no que tange a humildade, serviço e fraternidade mútua. Estas seriam as características dos que se renderam ao Senhorio do Carpinteiro. O chamado a ser menor não deve ser entendido como um temporário infortúnio terreno para que num futuro sejam estes recebidos em glória nos céus. Ser menor não pode agregar o desejo vingativo de sofrer na humildade da igreja visível com a expectativa de que no céu ser coroado com mais galardões do que outros, tornando enfim superior/maior. O convite a ser menor não é temporário ou terreno apenas, tem implicações com a eternidade, pois não há utilidade de se ser maior no Reino dAquele que é o Maior absoluto. Ser menor é um apelo para que haja total esvaziamento de si mesmo, hoje, amanhã e no céu.

E se Jesus não tivesse dito “qualquer que procurar salvar a sua vida, perdê-la-á, e qualquer que a perder, salvá-la-á (cf. Lc. 17:33), será que teríamos disposição para ir perdendo para que ao fim sejamos salvos? O Cristianismo desestabiliza boa parte de nossas convicções, valores e cultura. E neste processo de desconstrução, às vezes, nos apegamos a alguns resquícios do velho homem que insiste em não morrer, são desejos nobres e que em nada são maléficos a fé, porém também não fortalece a convicção da transitoriedade da vida. As obras da carne e os desejos pecaminosos são de fácil categorização, quase sempre são bem profanos. Contudo, há aquelas virtudes e normalidades da existência que  vão pouco a pouco produzindo sequidão na esperança da salvação e desertificando a intenção da morada eterna. Quanto mais nos apegarmos as coisas desta vida menos desejaremos o céu. Quanto mais gastarmos tempo com os assuntos deste século menos entenderemos sobre a morada celestial. Quanto mais nos apaixonarmos pelos prazeres de viver menos estaremos dispostos a morrer. Enquanto quisermos ganhar, estaremos perdendo. O que realmente importa ao final de nossa peregrinação terrestre não é o quanto fomos felizes, nem o quanto fizemos, muito menos quanto conseguimos, tudo se resume numa única sentença: se desafortunadamente perdemos ao ponto ganharmos gratuitamente a salvação. Nada deveria nos encantar mais nesta vida do que o desejo de perder por causa dEle.

E se Jesus não tivesse dito “a minha graça te basta” (cf. II Co. 12:9), será que Ele seria suficiente para nós? No contexto atual em que algumas igrejas tupiniquins subsistem parece que Cristo não é suficiente, precisam materializar a fé, necessitam fazer sacrifícios das mais diversas ordens para “chamar a atenção de Deus” e se apegam exacerbadamente ao carisma dos líderes/coronéis eclesiásticos para aquecer dominicalmente a chama ministerial. Para estes, Cristo não é suficiente, estes querem mais do que um simples Carpinteiro. Entretanto, o núcleo da fé evangélica deve residir sob a premissa axiomática de que Cristo é suficiente. Toda a história serve aos propósitos dEle, tudo que existe está ai por causa dEle, Ele é o alimento para as almas famintas, Ele é o refrigério para as vidas cansadas, Ele é a cura para os corações enfermos, Ele é a esperança para os vacilantes, Ele é o Pastor das ovelhas, Ele é o sacrifício único e perfeito, Ele é intocável em Sua soberania, enfim, e por fim, e até o fim, Ele é suficiente. Qualquer ação coletiva ou individual que intente tornar o Cristo não suficiente deve ser repudiada.

E se Jesus não tivesse dito... mas disse! E que bom que disse! Então, só nos resta amar ao próximo com a mesma dedicação que fazemos a nós mesmos com o propósito de promover a fraternidade; reconhecer nossas imperfeições e invariável natureza pecaminosa que sempre nos descortinará que igreja é lugar de gente assim; perdoar e ser perdoado com intuito de difundir a Graça do Mestre que insiste em usar pessoas disformes como você e eu; humilhar nosso ego perante Deus e perante a congregação reconhecendo que somos menores não porque não poderíamos ser grandes, mas sim porque escolhemos ser os menores entre todos afim de que o Maior seja sempre evidenciado; Perder a vida para encontrar o Autor da Vida que nos conduz em novidade de vida e assim reconectar-se a um novo modo de viver; e, por fim, descansar nos embalos da Graça que torna tudo o mais irrisório para que em Cristo encontremos a suficiência de nossas histórias terrenas e rendição completa na eterna glória por vir. 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br


Artigo escrito em: 19 de Fevereiro de 2013

Um comentário:

  1. Fantastico! Excelente! acompanho seus textos e a cada nova postagem você me surpreende. Temos pensamentos convergentes. Sua maneira de expor os argumentos através da pena demonstra uma habilidade tremendamente criativa. Parabéns. compartilhei.

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