terça-feira, 25 de junho de 2013

Alunos, clientes e uma educação ademocrática


“A democracia de amanhã se prepara na democracia da escola."
Célestin Freinet – pedagogo e escritor francês (1896-1966)

A educação escolar é um direito de todos, sendo por tanto, de responsabilidade pública. É encargo de a República Federativa Brasileira fornecer a população uma estrutura básica de saúde, educação e segurança, caso contrário não se justifica haver governo democrático. A Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo 26 garante que: "§1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, baseada no mérito".

A realidade pós-moderna capitalista não mais aceita no mercado de trabalho pessoas com apenas graus elementares e fundamentais, como assegura a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atualmente é necessário pelo menos um curso superior (tecnológico, sequencial ou bacharelado) para ser competitivo no século XXI – sendo esta responsabilidade primariamente do poder público. Contudo, quer seja por ocasião da omissão, ou pela notória incapacidade educacional, ou por mero desinteresse político, o fato é que o Estado não foi e não é capaz de atender a demanda populacional dos brasileiros “aptos” a ingressar no ensino superior. Por consequência, o Governo facilitou para a iniciativa privada a abertura de novas Instituições de Ensino Superior que teve a dificílima (e tentadora) tarefa de conciliar o capitalismo com o ensino.

O autor Ristoff endossa o evidente parto dos modelos educacionais de nível superior emergentes na rede privada em decorrência da fragilidade do ensino universitário público: "Fica evidente que as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), na forma em que estão estruturadas, instrumentalizadas e sub-financiadas, não têm a menor condição de atender as presentes demandas por expansão, sem colocar em sério risco o seu padrão de qualidade. Fica, por outro lado, também evidente que ou as IFES se instrumentalizam, com apoio financeiro do governo, para enfrentar o desafio ou estarão condenadas a serem marginalizadas do processo de expansão da educação superior, ficando esta tarefa entregue às instituições particulares" (RISTOFF, 1999, p.12).

Da dicotomia privado versus público estampou a gigantesca discrepância de dois mundos aparentemente com o mesmo objetivo, mas indubitavelmente diferentes. O conflito de interesses era iminente. O sistema capitalista fez os professores universitários da rede privada se tornaram duplamente reféns. Primariamente dos empresários, que encontraram no “ensino” uma fonte de enriquecimento; e paralelamente dos alunos, que de forma arrogante afrontam os docentes como se estes fossem empregados deles (discentes). Neste clima onde o dinheiro é o mais importante à relação educacional se torna meramente comercial. Esta é a razão do porque surgiu um sombrio cenário onde alunos se tornam “clientes”, professores se tornam “empregados” e gestores educacionais se tornam “empreendedores”.

Há uma forte corrente informal que conseguiu tornar aceitável a proposição de que os alunos são clientes pelo simples fato de pagarem altas mensalidades. Tal alínea desconstrói a relação educacional que deve ter primazia entre docentes e discentes. Nesta perspectiva mercantil os alunos se tornam expectadores ao invés de interagirem, pois estão pagando para o professor trabalhar (dar aula). Neste triste cenário os alunos não se veem responsável pelo aprendizado, pois estão pagando para que professores os façam aprender – relação unilateral. Nesta caótica realidade os alunos se tornam intolerantes a seminários temáticos ou outras formas de integração, pois estão pagando para o professor explicar a matéria (leia-se aula expositiva – e nada mais).

Definir a relação professor-aluno como empregado-cliente por haver um fator monetário presente é no mínimo ultrajante. Para tanto é valido arrazoar que: um pai ao pagar a mesada para o filho não os torna empregado-cliente (filho-pai), pois entre ambos há uma relação que supera a troca monetária – relação familiar; um motorista que repassa um determinado valor financeiro para mendigos não os torna empregado-cliente (mendigo-motorista), pois entre estes o valor monetário é a manifestação de um sentimento maior – caridade; um conjugue que retira parte do salário para repassar para seu respectivo conjugue não configura a relação empregado-cliente (esposa-esposo), pois o valor trocado entre ambos não supera o que há entre estes – amor. Por tanto, definir professor como empregado e aluno como cliente somente pelo fato de haver uma troca de valores financeiros é ignorar o que de fato os une em classe – educação, aprendizado e capacitação teórico-prática (isto é maior que dinheiro).

A rede privada de ensino superior sofre com este estereótipo da relação empregado-cliente em que se vê o professor-aluno. Contudo, é válido ressaltar e pontuar de forma categórica a distinção: ser aluno é maior que o ser cliente, igualmente, ser professor é maior que o ser empregado. Contudo no cenário educacional do século XXI é notório que as coisas foram embaralhadas, como pondera Picanço: "A demanda por formação tem despertado, em especial, o interesse de grupos que vêem na educação as características de um grande mercado potencial. Esses são os ‘sacoleiros do ensino’ para os quais é difícil fazer uma distinção entre conhecimento e ‘mercadoria’, estudantes e ‘clientes’, escola e ‘empresa’" (PICANÇO, 2003, p. 78).

A educação superior da rede privada por ter se tornado um grande negócio empresarial causou outro gigantesco prejuízo à educação, a superlotação das salas. O princípio é obviamente lucrativo: Quanto mais pessoas por sala, maior o lucro. Sendo assim, não resta outra opção aos professores que, então, tem que fazer um verdadeiro “aulão show” cotidianamente. Portanto, a consequência óbvia é que haja uma drástica redução das interações entre professores-alunos e aluno-alunos em classe – um dos principais fundamentos para que a aprendizagem seja efetiva. Neste contexto capitalista as aulas se tornam medíocres palestras (tipo monólogos). Salas grandes, uma multidão de alunos e professores de auditório, esta é a combinação suicida onde a educação se torna a única vítima.

Enfim, o ser professor na rede privada apresenta uma discrepância enorme frente à rede pública, como considera a professora Rita (apud Capelli): "A professora Rita explica que há muito mais ingerência, por parte de pais e diretores, no trabalho do professor da escola particular. 'Por não se tratar apenas de um estabelecimento educativo, é também um negócio. Os pais, como pagantes, acabam tendo mais poder de pressão sobre o método pedagógico da escola. Há diretores que cedem aos apelos dos pais por medo de perder alunos, o professor fica condicionado ao conteúdo, programa e questões burocráticas. Na escola pública isso não acontece. Tenho liberdade total das escolhas pedagógicas e há um bom canal para explicarmos estas escolhas para os pais', disse" (Rita apud CAPELLI, 2002, p. 3). 

Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br

Artigo escrito em: 25 de Junho de 2013

Bibliografia utilizada: 
RISTOFF, Dilvo. I. A Tríplice Crise da Universidade Brasileira, Revista Avaliação. V.4, n.3, p.9-14, 1999.
PICANÇO, Alessandra de Assis. Educação superior para professores em exercício: formando ou improvisando? In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação, 26ª, Caxambu 2003. DC ROM 26ª Reunião Anual da Anped.
CAPELLI, James. O professor na rede pública e na rede privada. O Diário do Grande ABC. São André, 30 de Agosto de 2002. O Diário na Escola, p. 3.

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