“Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade”.
Filipenses 4:12 (NVI)
Há algo de
errado no rumo que a igreja brasileira está seguindo. Sendo, então, oportuno
destacar com letras garrafais que o problema não é a Igreja, mas sim as
igrejas. É verdadeiro postular que os fundamentos deixados por Cristo e
subseqüentemente preservados pelos apóstolos não são ultrapassados e muito
menos ineficazes para a igreja da atualidade. Entretanto, o que me deixa
profundamente decepcionado é perceber que inúmeras igrejas estão edificando
propositalmente outra Pedra Angular
para a Igreja e assim intencionalmente desfocando a esperança cristã dos
recônditos eclesiais. Gente esta, que de forma voluntária tentam banalizar a
obra da cruz, se esquecendo que a maior vitória que nós podemos ter nesta vida
já foi suficientemente conquistada por Cristo no Gólgota, a nossa salvação.
Deste modo, em defesa da Igreja, que tanto amo e sirvo, declaro: “não quero uma
igreja de vencedores!”
A máxima
busca por uma igreja de vencedores tem sido compartilhada pelas diversas
denominações evangélicas, e das mais diversificadas linhas teológicas. E por
mais distinto que seja o mundo evangelical,
uma máxima me parece estar sendo comum, e não seria exagero afirmar que até se
tornou um clichê do evangeliquês
pós-moderno. Estou me referindo a tão aclamada vitória que é vivificada nas
bocas dos líderes que engordurados de positivismo afirmam: “você nasceu para
vencer”, ou se apresenta no costumeiro: “hoje a sua vitória vai chegar”, ou
então o clássico: “você não vai sair daqui sem sua vitória”. Estes se esquecem
que a função básica da igreja é reconciliar o homem com Deus, sendo, portanto,
fundamental que a Eclésia prime por modelar os neófitos ao caráter de Cristo,
não viciá-los em vitória.
O meu
constrangimento surge da intenção de descobrir as razões do porque e o que queremos
tanto vencer. E mais instigante ainda, o que seria, então, vencer? Na tentativa
de responder a tais questionamentos temos que “cavucar” um pouco mais nos
calabouços das igrejas. Inicialmente acredito que uma das principais causas de
encontrar algumas igrejas fanáticas por vitória e não mais encantada com a
simplicidade das boas novas de Cristo Jesus se justifica pela secularizada
literatura cristã sobre o tema liderança. Literatura esta que se caracteriza
mais como auto-ajuda motivacional do que necessariamente bases cristãs para a
liderança. Fica claro que o modelo de simplicidade, humildade e espiritualidade
estampado na pessoa de Cristo não é mais o predileto das mega palestras.
Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!
Na “crista da
onda” deste turbilhão de desconstrução bíblica acerca da liderança está o
famoso e aclamado autor John Maxwell que axiomaticamente não escreve livros
sobre o assunto liderança pensando em modelos de igrejas, mas sim em gestão
empresarial – os livros do referido autor são relevantes desde que faça uma
contextualização eclesiástica e algumas pequenas mutilações. Desde antes de
meus tempos de estudante de teologia até a presente era os livros de Maxwel
ditam o que é um líder (leia-se aqui pastor). E posso afirmar com toda
segurança de que não é este o modelo que deveríamos estar ministrando em nossas
igrejas, pois não contempla a espiritualidade e nem a dependência em Deus, mas
concentra-se na força de vontade, na determinação humana e coerência planeável/organizacional.
Para ele, vencer é conseqüência exclusiva da capacidade de influenciar pessoas –
nada tem haver com valores cristãos. Portanto, este tipo de igreja de
vencedores eu não quero!
Outro fator
que tem colaborado substancialmente para que algumas igrejas evangélicas
prefiram pregar vitória ao invés da mensagem do Carpinteiro Jesus se dá, pelo
triste fato, de que as massas só estão buscando Cristo para resolver os seus
problemas pessoais. Logo, se fala tanto de vitória nos púlpitos porque as
pessoas que estão na plenária (e até o discursador) estão preocupados em como
resolver as dificuldades causadas pelas más escolhas que intencionalmente
fizeram ao longo da vida. Estes fanáticos por vitória não conseguem entender
que estar na igreja é assumir uma nova identidade, é viver como peregrino nesta
terra e é desejar ardentemente a pátria superior. Não podemos aceitar que a
liturgia dos cultos se tornarem completamente antropocêntrica, visando somente
o homeopático alívio do homem nesta terra. Portanto, este tipo de igreja de
vencedores eu não quero!
Caminhando
quase que ainda na mesma linha de pensamento, é oportuno ponderar sobre as
descristianizadas músicas do ramo gospel
que insistem no tom do vencer. Encabeçando esta frenética busca pela vitória e
embalada pelos melancólicos acordes podemos destacar a música de Jamily,
intitulada: “Conquistando o Impossível”
(álbum: Conquistando o Impossível, 2004, Line Records). Este é o tipo de
música que representa com exatidão a vitória que o público evangélico está
buscando: “Acredite é hora de vencer,
essa força vem de dentro de você (...) nossos sonhos, a gente é quem
constrói...”. De repente, lá no fim, quase que sem sentido, aparece a
palavra Deus no meio da música, como que em um suspiro de consciência
religiosa. No entanto, fica notória que a cantada proposta de vitória
centraliza-se na iniciativa humana. Portanto, este tipo de igreja de vencedores
eu não quero!
Os cultos
dominicais, momento este que limitadamente resume a fé de muitos, ali mais uma
destorcida razão de vitória nos solta aos olhos. Estou me referindo a tão
desejada “numerolatria” – neurose e paixão obsessiva por crescimento numérico.
Por motivo de profissão e ministério sempre convivo com pastores e líderes
evangélicos e neste ciclo já me acostumei com a pergunta: “quantos membros tem
sua igreja?”. Ao que parece é isto que determina hoje se uma igreja é vitoriosa
e bem sucedida. Ensinam-nos a mensurar a obra de Deus pela quantidade de
simpatizantes, não mais pela transformação, arrependimento, fé, humildade,
entre outras virtudes. Portanto, os membros se tornam clientes e a igreja uma
grande loja de conveniência, daí a relação está estabelecida, afague o cliente
que ele voltará outras vezes, e quase sempre trará mais outro cliente-membro.
Sendo assim, a igreja consegue reunir grande quantidade de pessoas não pelo
poder de transformação do Evangelho, mas sim pela capacidade de entreter e
satisfazer. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não quero!
Há ainda
algo que me incomoda muito mais nesta busca por construir uma igreja de
vencedores. Um insight que me vem à
mente é que o princípio básico para que haja vencedores é que igualmente haja
perdedores – se alguém venceu, significa que outro alguém perdeu. Tristemente,
como em qualquer jogo esportivo, apenas um vence e todos os demais perdem – é impossível
todos vencerem, pois afinal, o que define se alguém venceu é a certeza de que
outros tantos perderam. E se, ao que parece como descrito nas linhas acima, a
vitória se resume a conquistas humanas, os perdedores também nesta relação
serão humanos. Tal alínea é antagônico ao apóstolo Paulo, que afirma: “Porque
não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados,
contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as
hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais” (cf. Ef. 6:12 - ACRF). Esta vitória que produz perdedores não é a
maneira bíblica de vencer. Portanto, este tipo de igreja de vencedores eu não
quero!
Por fim, não
quero uma igreja de vencedores, pois estes insistem em ensinar que quem
congrega nestas igrejas nunca fracassam a não ser que tenham dado brecha para o maligno ou por
incapacidade de fé. O fracasso não é agradável, disto tenho plena certeza.
Contudo, não posso negligenciar o fator pedagógico existente no “não vencer”. O
fracasso tem uma função didática de fundamental importância, pois prova o
caráter e solidifica convicções. Gente que só sabe vencer não aprende a perder,
daí quando este fatídico dia chega, os tais “vencedores” apelam/emburram
(leia-se, abandonam a fé). Este tipo de vencedor mimado que só sabe
rejubilar-se quando se está no pódio ainda não descobrir o sucesso de lavar os pés uns dos outros, ainda não saboreio o prazer de ser o último e o menor de
todos afim de que o outro ganhe, ainda não descobriu a fama de servir e amar sendo estes os troféus da fé.
É necessário
ratificar: qualquer tipo de vencer que constrói seu júbilo sobre as cinzas dos
outros não merece receber a coroa de vencedor. Qualquer vitória que não seja
banhada pela pessoa de Jesus Cristo deve ser refugada pela cristandade.
Qualquer sucesso que se centraliza na força humana não deve ocupar lugar na
espiritualidade evangélica. Creio que todos querem ser vitoriosos, e a bem da
verdade esta é uma atitude nobre. Entretanto, o que deve ser questionado é que tipo
de vitória está sendo pregada nos púlpitos tupiniquins. Finalizando, reafirmo
que meu mais profundo anelo é vencer, em todos os aspectos da minha vida, mas
não seguindo estes preceitos pregados pelas afamadas “igrejas vencedoras”,
ainda prefiro seguir a simplicidade do Carpinteiro.
Fortalecido pela
cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vinicius@mtn.org.br
Artigo escrito em: 06 de Agosto de 2009
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